Consultoria do Senado alega ser viável revelar nomes

Projeto de resolução apresentado pelos presidentes da Câmara e do Senado é insuficiente para cumprir decisão e dar transparência ao processo das emendas parlamentares

30 nov 2021 - 00h27
(atualizado às 07h15)

A consultoria do Senado elaborou uma nota técnica na qual afirma que a cúpula do Congresso descumpre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o orçamento secreto e, diferentemente do que dizem os presidentes da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), é possível revelar quem são os parlamentares beneficiados com a distribuição de verbas bilionárias nos dois últimos anos. O repasse de recursos via emenda de relator, base do esquema de "toma lá, dá cá" montado pelo presidente Jair Bolsonaro para obter apoio no Congresso, revelado pelo Estadão, foi suspenso no início do mês pela Corte.

Lira e Pacheco durante entrevista em Brasília
12/2/2021 REUTERS/Ueslei Marcelino
Lira e Pacheco durante entrevista em Brasília 12/2/2021 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

Segundo o documento da consultoria, o ato conjunto do comando da Câmara e do Senado e o projeto de resolução oferecido pela cúpula do Legislativo são insuficientes para dar transparência às verbas e para cumprir a decisão do Supremo, que suspendeu a execução do orçamento secreto e exigiu a divulgação das informações.

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Na última quinta-feira, 25, conforme o Estadão antecipou, Lira e Pacheco publicaram um ato conjunto mantendo em segredo os autores das indicações que levaram o relator-geral do Orçamento a abocanhar emendas bilionárias nos dois últimos anos. Esses repasses estão no centro do orçamento secreto, revelado em uma série de reportagens em maio.

No ato conjunto, Lira e Pacheco afirmaram que há "impossibilidade fática" de abrir as informações registradas nos dois últimos anos. Para a área técnica do Senado, no entanto, as razões apresentadas são "inconsistentes e materialmente insubsistentes". Além disso, na avaliação da consultoria, o ato conjunto da cúpula do Congresso "assume o descumprimento formal e ostensivo da decisão" do STF.

"Não há 'impossibilidade fática', porque o que manda a liminar não é estabelecer retroativamente um procedimento para registro de demandas, mas sim divulgar os elementos e documentos que já existem", afirma a nota técnica, que é assinado pelo consultor Fabio Bittencourt. O parecer foi elaborado a pedido do líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Além disso, a cúpula do Legislativo apresentou um projeto de resolução pautado para esta segunda-feira, 29, mantendo as emendas de relator sem nenhum limite de valor, oferecendo transparência a esses dados apenas para o futuro. O ato conjunto e o projeto de resolução foram publicados em resposta ao STF, que exige a divulgação dos padrinhos e a destinação dos recursos, na tentativa de destravar as verbas suspensas pela decisão judicial.

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"É inequívoco que a exigência é divulgar quem pediu, quem intercedeu junto ao órgão executor ou até mesmo ao relator-geral, para que um dado recurso fosse carreado a um dado beneficiário. Não pede o Judiciário para divulgar as emendas, seus autores formais (que, formalmente, são um só, o relator-geral), a sua escrituração nos sistemas financeiros: tudo isso já existe em relação a todo o orçamento", diz a nota

O Congresso se comprometeu a divulgar apenas as informações sobre a destinação final dos recursos. "Alegar que é essa a exigência judicial seria atribuir ao Pretório Excelso uma ingenuidade e um desconhecimento da realidade que chegariam a desmerecer a instituição: a decisão não fala de execução da emenda, mas do processo decisório antes da alocação do recurso, das 'demandas que embasaram a distribuição do recurso', das 'solicitações/pedidos de distribuição de emendas'", diz a nota técnica.

Até mesmo o projeto de resolução apresentado por Lira e Pacheco é insuficiente para cumprir a decisão e dar transparência ao processo nas emendas daqui para frente, diz o consultor. A proposta estabelece que o relator "poderá" realizar indicações para execução das emendas. Nesse caso, as solicitações serão publicadas na internet pela Comissão Mista de Orçamento e encaminhadas ao Poder Executivo.

"Portanto, o cumprimento da decisão é, no máximo, parcial e fragmentário: faltaria, para tanto, exigir que todas as emendas, em todo o seu valor executável, tivessem o registro eletrônico da indicação feita pelo relator-geral e da solicitação respectiva que lhe deu origem", afirma a nota da consultoria.

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Outro problema apontado pelo técnico do Senado é o risco de os ofícios encaminhados por parlamentares diretamente aos órgãos do governo indicando onde os recursos serão aplicados, como revelou a reportagem, ficarem em segredo. O STF exigiu também do Poder Executivo a divulgação das solicitações feitas no orçamento secreto. O governo do presidente Jair Bolsonaro ainda não encaminhou as informações ao Supremo.

Indicações. Apesar da alegação contida no ato conjunto de Lira e Pacheco, a série de reportagens do Estadão tem demonstrado desde maio que o governo e a cúpula do Congresso detêm as informações sobre os beneficiados com os repasses. Uma planilha elaborada por integrantes do governo mostra 285 parlamentares como autores de solicitações de repasses com emenda de relator-geral do orçamento, que obtiveram verbas empenhadas no Ministério do Desenvolvimento Regional em dezembro de 2020.

Para manter em sigilo os parlamentares contemplados, o ato conjunto utiliza como fundamento justamente a informalidade do esquema de distribuição de repasses por meio de barganha política.

No ano de 2020, as emendas de relator-geral do orçamento de 2020, em parte, foram direcionadas atendendo pedidos individuais feitos por deputados e senadores, registrados em ofícios. Depois que o mecanismo foi revelado, porém, o Congresso concentrou os pedidos no relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), cortando as solicitações diretas. O dinheiro, no entanto, é distribuído pelas cúpulas da Câmara e do Senado, que acompanham em planilhas secretas o fluxo de liberação dos recursos e de parlamentares atendidos.

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