Coronavírus: Mandetta se mantém no cargo, mas tensão com Bolsonaro chega a ápice após duas semanas

Jornais chegaram a noticiar demissão do ministro da Saúde, que não se concretizou; presidente e ministro divergem publicamente sobre isolamento social e uso da cloroquina no tratamento da doença.

7 abr 2020 - 04h54
(atualizado às 07h28)

A tensão entre o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), chegou a um ápice na tarde de segunda-feira (6).

Por enquanto, o ministro continuará no cargo. Mas o clima ficou tão tenso que dois dos principais jornais brasileiros — O Globo e Folha de S.Paulo — noticiaram a possibilidade concreta de Bolsonaro demitir o ministro da Saúde.

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Segundo a Folha, assessores do presidente dizem que ele não desistiu de demitir o auxiliar, que estaria apenas decidindo sobre o momento mais adequado.

Por volta das 20h30 desta segunda, o ministro fez um pronunciamento no Ministério da Saúde — e não no Salão Leste do Palácio do Planalto, como foram os últimas.

"(Nesta segunda-feira, 6 de abril) rendeu muito pouco o trabalho no Ministério da Saúde. Ficou todo mundo com a cabeça meio avoada, se eu iria permanecer, se eu iria sair. Agradeço muito os que vieram em solidariedade. 'Se você sair eu saio junto'. Gente aqui dentro limpando gaveta. Pegando as coisas. Até as minhas gavetas (...). Nós vamos continuar, porque continuando a gente vai enfrentar o nosso inimigo. O nosso inimigo tem nome e sobrenome, é o Covid-19", disse Mandetta.

A fala do ministro é uma referência ao fato de que vários servidores do Ministério da Saúde deixaram o trabalho na tarde de segunda-feira, e caminharam para o lado de fora do prédio onde funciona a pasta, em protesto. Alguns traziam cartazes em apoio a Mandetta.

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"Médico não abandona paciente, eu não vou abandonar. Agora, as condições de trabalho dos médicos precisam ser para todos. Eu vou tentar trazer as melhores condições para vocês, na ponta. E a única coisa que eu estou pedindo é que nós tenhamos o melhor ambiente para trabalhar aqui no Ministério da Saúde", disse ele.

Mandetta frisou que a sua equipe, escolhida por ele, sairia "junta" do Ministério da Saúde. E disse que está disposto a trabalhar até que o presidente da República entenda que é hora de chamar "outra equipe" para o Ministério da Saúde.

Ao longo do pronunciamento, o ministro também frisou várias vezes que seu trabalho é orientado por "ciência, disciplina, planejamento e foco", num claro recado ao presidente.

Ministro também frisou várias vezes que seu trabalho é orientado por 'ciência, disciplina, planejamento e foco', num claro recado ao presidente
Ministro também frisou várias vezes que seu trabalho é orientado por 'ciência, disciplina, planejamento e foco', num claro recado ao presidente
Foto: Agência Brasil / BBC News Brasil

Bolsonaro e Mandetta divergem em dois assuntos principais: o uso da droga cloroquina para o tratamento de pacientes da covid-19; e a necessidade ou não de impor o isolamento social, com o fechamento do comércio.

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Eles se conhecem há anos — os dois foram contemporâneos na Câmara dos Deputados desde 2011, e seus gabinetes parlamentares ficavam no mesmo corredor, a poucos metros um do outro.

Mas, desde o início da crise do novo coronavírus, Bolsonaro parecia estar tentando esvaziar politicamente o ministro.

As altercações entre os dois remontam a meados do mês de março. No dia 15, um domingo, Bolsonaro decidiu interromper o isolamento no qual se encontrava após uma viagem aos Estados Unidos, para cumprimentar manifestantes que participavam de um protesto contra o Congresso em frente ao palácio da Alvorada — a própria realização do protesto já contrariava as orientações do Ministério da Saúde, que já desaconselhava aglomerações.

Naquele momento, Bolsonaro já dizia a auxiliares que estava incomodado com o protagonismo de Mandetta na crise provocada pela chegada do novo coronavírus ao Brasil.

Na mesma semana, o ministro concedeu uma entrevista a jornalistas ao lado do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro. O gesto irritou profundamente o ocupante do Planalto.

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O chefe do Executivo também teria demandado de Mandetta que adotasse um discurso político e mais afinado com o Palácio do Planalto. A recusa do ministro em fazê-lo contribuiu para aumentar o descontentamento de Bolsonaro.

A cronologia das duas semanas de embate

Terça-feira, 24 de março - A tensão entre o chefe da Saúde e o presidente da República escala rapidamente quando Bolsonaro usa um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para dizer que a covid-19 não passava de uma "gripezinha ou um resfriadinho" e para reclamar das medidas de fechamento do comércio.

Sábado, 28 de março - Em entrevista a jornalistas, Mandetta volta a defender a necessidade do isolamento social, e enfatiza o assunto pelo menos três vezes. A fala representa uma mudança no discurso do ministro — dias antes, ele tinha dado declarações alinhadas ao Planalto, defendendo a política de isolamento somente para idosos e pessoas vulneráveis.

A entrevista foi precedida por uma reunião tensa no Palácio do Planalto envolvendo Mandetta, Bolsonaro e outros ministros, segundo registraram a agência de notícias Reuters e a colunista do site de notícias G1, Andreia Sadi.

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No encontro, Mandetta disse a Bolsonaro que parasse de minimizar a gravidade da epidemia, e reafirmou ao presidente que não defenderia mais o "isolamento vertical" — isto é, apenas de idosos e pessoas em outros grupos de risco.

Segunda-feira, 30 de março - O governo determina que todas as entrevistas a jornalistas aconteçam no Palácio do Planalto — e não mais no Ministério da Saúde, como vinha sendo até então.

A medida é percebida por muitos na Esplanada como uma forma de restringir a autonomia do ministro.

Um ofício sobre o assunto é distribuído pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, determinando que "todas as coletivas de imprensa dos ministérios ou Agências Federais sobre o Covid-19 deverão ser realizadas no Salão Oeste do Palácio do Planalto".

"Toda nota à imprensa a ser divulgada pelas Ascom (assessorias de comunicação) somente poderá ser publicada após coordenação com a Secom (do Planalto) para que haja unificação da narrativa", diz ainda o ofício. O documento é divulgado pelo jornal O Globo.

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Quinta-feira, 02 de abril - Em entrevista a Augusto Nunes na rádio Jovem Pan, Bolsonaro faz a primeira crítica direta a Mandetta. O presidente da República diz que "falta humildade" ao subordinado, e frisa que "existe uma hierarquia" entre ele e o ministro.

Nos últimos dias, os governadores se tornaram os principais antagonistas de Bolsonaro no debate sobre a epidemia nas redes sociais
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"O Mandetta já sabe que a gente está se bicando tem algum tempo. Eu não pretendo demiti-lo no meio da crise, não pretendo. Agora, ele é uma pessoa que em algum momento extrapolou. Ele sabe que tem uma hierarquia entre nós", disse o presidente.

Sexta-feira, 03 de abril - Mandetta participa de entrevista com jornalistas e aconselha brasileiros a seguir orientações dos governos dos Estados — no mesmo dia em que Bolsonaro critica as ações dos governadores no enfrentamento à crise.

"Nós recomendados que as pessoas, todas elas, atendam às recomendações dos governadores dos seus Estados, que tem os melhores números, os melhores indicadores para propor as medidas. Que cada um faça aquilo que a sua consciência sobre a situação que está aí", disse Mandetta, à tarde.

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Os governadores já vinham se tornando os principais antagonistas de Bolsonaro no debate sobre a epidemia nas redes sociais, conforme mostrou levantamento do Dapp-FGV.

Sábado, 04 de abril - Pesquisa Datafolha mostra melhora na avaliação do trabalho de Mandetta, e queda na de Bolsonaro.

Segundo o levantamento, que foi às ruas entre 1º e 3 de abril, o desempenho de Mandetta à frente do Ministério da Saúde é apoiado por 76% dos brasileiros — um aumento de mais de 20 pontos percentuais ante os dias 18 a 20 de março. Naquele momento, o desempenho de Mandetta era apoiado por 55%.

Já o desempenho de Bolsonaro em relação ao coronavírus era considerado ruim ou péssimo por 39% das pessoas, e ótimo ou bom por 33%.

Domingo, 05 de abril - Bolsonaro diz que "algo subiu à cabeça" de alguns de seus ministros e faz ameaça velada a Mandetta.

"A hora deles vai chegar", diz Bolsonaro a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente.

"Algumas pessoas no meu governo, algo subiu a cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas de repente viraram estrelas. Falam pelos cotovelos. Tem provocações. Mas a hora deles não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil", diz o presidente.

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Pouco depois, no começo da noite, Mandetta é procurado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ao repórter Mateus Vargas, o ministro diz que "estava dormindo" e não tinha visto as declarações de Bolsonaro em frente ao palácio. "Amanhã eu vejo, tá?", diz ele.

Segunda (06 de abril): Bolsonaro realiza almoço no Palácio do Planalto com o deputado federal e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS) — e sem a presença de Mandetta.

Nos últimos dias, a imprensa brasileira vinha mencionando o nome de Terra como um possível substituto para Mandetta. Assim como o presidente, o deputado (que foi ministro da Cidadania até 13 de fevereiro deste ano) também diz que medidas de distanciamento social são inócuas.

Na saída do almoço de segunda, Terra diz a jornalistas que não foi convidado para voltar a integrar o governo.

Além de Bolsonaro e Terra, também participaram do almoço os ministros Braga Netto (Casa Civil); Ernesto Araújo (Relações Exteriores); Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

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Banner sobre a cobertura de coronavírus
Foto: BBC News Brasil

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Os casos

O primeiro registro do coronavírus no Brasil foi em 24 de fevereiro. Um empresário de 61 anos, que mora em São Paulo (SP), foi infectado após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à região italiana da Lombardia, a mais afetada do país europeu que tem mais casos fora da China.

De acordo com o Ministério da Saúde, o empresário de 61 anos tinha sintomas como febre, tosse seca, dor de garganta e coriza. Parentes dele passaram a ser monitorados. Dias depois, exames apontaram que uma pessoa ligada ao paciente também estava com o novo coronavírus e transmitiu o vírus para uma terceira pessoa. Todos permaneceram em quarentena em suas casas, pelo período de, ao menos, 14 dias.

Após o primeiro caso, outros diversos registros passaram a ser feitos no Brasil. Muitos vieram de países com inúmeros casos do novo coronavírus, mas depois foram registrados casos de transmissão local e, por fim, comunitária.

Duas semanas depois, foi anunciado que o empresário de 61 anos está curado da doença provocada pelo novo coronavírus.

A primeira morte no Brasil, de um idoso de 62 anos, foi confirmada em 17 de março. Ele morava em São Paulo (SP).

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Pacientes com coronavírus deverão ficar em quarentena
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Cuidados

A principal recomendação de profissionais de saúde que acompanham o surto é simples, porém bastante eficiente: lavar as mãos com sabão após usar o banheiro, sempre que chegar em casa ou antes de manipular alimentos.

O ideal é esfregar as mãos por algo entre 15 e 20 segundos para garantir que os vírus e bactérias serão eliminados.

Se estiver em um ambiente público, por exemplo, ou com grande aglomeração, não toque a boca, o nariz ou olhos sem antes ter antes lavado as mãos ou pelo limpá-las com álcool. O vírus é transmitido por via aérea, mas também pelo contato.

Também é importante manter o ambiente limpo, higienizando com soluções desinfetantes as superfícies como, por exemplo, móveis e telefones celulares.

Para limpar o celular, pode-se usar uma solução com mais ou menos metade de água e metade de álcool, além de um pano limpo.

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