BRASÍLIA - Principais cotados para assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), por indicação do presidente Jair Bolsonaro, os ministros André Luiz Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) entraram na mira dos apoiadores mais radicais do chefe do Executivo. Nas redes sociais, alinhados ao guru ideológico Olavo de Carvalho cobram que Mendonça e Oliveira tenham reações mais duras aos ministros do STF, que têm publicamente condenado ataques ao tribunal feitos por militantes governistas. Os dois, no entanto, tentam se equilibrar para, ao mesmo tempo, manter as portas abertas na Corte e atender aos anseios desses grupos mais radicais.
Considerado um "emissário da paz" pelo próprio governo, Mendonça vem sendo alvo de seguidas tentativas de fritura nas redes sociais, onde circula a #ForaAndréMendonça. O ministro assumiu o cargo em 29 de abril, após a saída de Sérgio Moro, que deixou o governo por discordar, segundo ele, de recorrentes terntativas por parte de Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal.
No último domingo, 14, foi a vez de Jorge Oliveira, considerado o ministro de mais confiança do presidente, se tornar alvo de críticas após publicar no Twitter uma mensagem condenando ataques ao STF. Na noite anterior, um grupo de cerca de 30 pessoas dispararam fogos de artifícios na direção do prédio do Supremo, o que rendeu a abertura de mais um inquérito pelo Ministério Pùblico Federal para investigar a ação.
"Ataque ao STF ou a qualquer instituição de Estado é contrário à nossa democracia, prejudica nosso País, e deve ser repudiado. Atitudes e pensamentos individuais não são mais importantes que nossos ideais", escreveu Oliveira. A reação foi instantânea, e o ministro foi acusado de ser "omisso", "traíra" e de estar trabalhando para garantir sua vaga na Corte. Em novembro, o ministro Celso de Mello se aposentará, e Bolsonaro poderá fazer a primeira das duas indicações ao Supremo previstas em seu mandato.
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) provocou: "Desculpa, ministro, sua conta foi hackeada?", questionou. Diante da pressão bolsonarista, Oliveira deu uma entrevista na manhã de segunda-feira à CNN Brasil para se justificar: "Não foi uma solidariedade ao Supremo Tribunal Federal, isoladamente. Particularmente, eu me manifestei na minha conta pessoal tratando da democracia do País. Todos os Poderes teêm que ser respeitados igualmente", disse. Na mesma entrevista, defendeu o ministro da Educação, Abraham Weintraub, alvo de investigação no STF e um dos nomes mais prestigiados entre os bolsonaristas.
A patrulha nas redes sociais também já vem balizando as manifestações do ministro da Justiça. No domingo, ao comentar os ataques ao STF, Mendonça foi menos contundente que Jorge Oliveira, de quem é próximo. Defendeu o "respeito às suas instituições democráticas", mas observou que "a democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo". "Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana", escreveu Mendonça, que defendeu uma autocrítica dos três Poderes. A publicação foi considerada insuficiente pela militância e o ministro seguiu criticado.
Nesta segunda-feira, 15, Mendonça informou que pediu a abertura de um inquérito para investigar a publicação de uma charge no Twitter do jornalista Ricardo Noblat, que faz uma alusão da suástica nazista ao presidente Bolsonaro. Apoiadores do presidente também cobram do ministro da Justiça ações contra a imprensa.
Fritura
Na semana passada, influenciadores do bolsonarismo ensaiaram um processo de fritura do ministro da Justiça e Segurana Pùblica. Repetiram a tática aplicada em outros casos de integrantes do governo que terminam demitidos. Criaram uma hashtag e resgataram foto, que supostamente indicam uma falta de fidelidade por parte dele ao presidente Bolsonaro
O grupo divulgou uma imagem de Mendonça ao lado do presidente do STF, Dias Toffoli, e do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra membros da Corte. A investigação fecha o cerco ao chamado "gabinete do ódio", cuja existência foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado. No final de maio uma operação da Polícia Federal, no âmbito deste inquérito, apreendeu celulares e computadores de apoiadores de Bolsonaro.
A hashtag #ForaAndreMendonça chegou, na semana passada, a ser primeira entre as dez mais citadas sobre o governo Bolsonaro, de acordo com o levantamento da AP Exata, empresa que faz o monitoramento da imagem do presidente na internet. Houve menções sobre uma suposta ineficiência do ministro. Apesar disso, os ataques não conseguiram furar a bolha do bolsonarismo e logo perderam força.
"Observamos que o movimento não tem conseguido emplacar nos demais setores governistas, diferentemente do que ocorreu em outros momentos, como no caso das críticas ao ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que estiveram presentes em todas as esferas bolsonaristas e não em apenas uma das bolhas que compõem a estrutura de apoio ao governo nas redes", explica Sérgio Denicoli, da AP Exata. "De qualquer forma, ao não garantir uma unanimidade em torno do seu nome, André Mendonça acaba ficando exposto e, caso a ala olavista se fortaleça, os ataques poderão surtir efeito", pondera.
Entre os motivos para os ataques estão uma série de medidas do STF que contrariam o governo e seus apoiadores, que não tiveram uma reação de Mendonça. Eles citam que o ministro Alexandre de Moraes deferiu liminar que proibiu Alexandre Ramagem, próximo dos filhos do presidente, a assumir o comando da Polícia Federal. Nesta semana, ele também foi responsável pela decisão que obrigou o governo a retomar a divulgação do histórico dos dados da covid-19, que haviam sido suspensos.
Já o ministro Celso de Mello é relator do inquérito que apura suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. O decano autorizou a divulgação na íntegra da reunião ministerial do dia 22 de abril, no qual o ministro da Educação Abraham Weintraub disse que, por ele, colocaria "todo vagabundos na cadeia", a começar pelos membros do STF. Após o decano compartilhar uma mensagem comparando o momento atual do Brasil com a Alemanha de Adolf Hitler, olavistas queriam um pedido de suspeição do decano em uma ofensiva para afastá-lo do caso. Bolsonaro rejeitou a ideia.
Aliados de Mendonça lembram que ele, como ministro da Justiça, tem tomado as medidas necessárias para a defesa do governo, como a apresentação de um habeas corpus em nome de Weintraub ao STF (pedindo que o nome dele fosse retirado do inquérito das fake news) e a revogação de uma portaria que previa prisão para quem descumprisse medidas de distanciamento social contra a covid-19, assinada pelos ex-ministros Sérgio Moro - a quem substituiu - e Luiz Henrique Mandetta.
Além disso, Mendonça criticou no Twitter o inquérito das fake news, após a deflagração de operação contra apoiadores de Bolsonaro, incluindo deputados federais. Afirmou que a população tem o direito "inalienável" de "criticar seus representantes e instituições de quaisquer dos Poderes" e frisou que parlamentares possuem "ampla imunidade por suas opiniões, palavras e votos".
Entretanto, Mendonça não tem o perfil belicoso que alguns apoiadores radicais de Bolsonaro desejariam. Após a saída de Moro, Mendonça não fez uma caça às bruxas em relação aos nomes ligados ao ex-ministro. Apesar de vários nomes terem deixado a pasta, dois secretários de Moro permaneceram. O secretário nacional de Políticas Sobre Drogas, Luiz Roberto Beggiora, e o secretário nacional do Consumidor, Luciano Timm, quem chegou a postar no Twitter "absoluta e irrestrita solidariedade ao ministro Moro" no dia da demissão do ex-chefe, que o indicou.
Quando ainda estava na Advocacia-Geral da União, Mendonça já havia passado por uma série de ataques da ala jacobina bolsonarista, ainda em 2019, mas não deixou de gozar da confiança de Bolsonaro e do ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral da Presidência, considerado o auxiliar mais influente do Planalto. Mendonça se reúne com os dois quase que diariamente. Quando era AGU chegou a ganhar uma sala no Planalto. Chamado pelo presidente como "terrivelmente evangélico", ele segue cotado para assumir uma vaga no STF.