Covid-19: como foi o voo da comitiva de Bolsonaro aos EUA?

22 integrantes do grupo que viajou com o presidente tiveram resultado positivo para coronavírus; número pode crescer

21 mar 2020 - 05h11
(atualizado às 09h48)

WASHINGTON E BRASÍLIA - Quando o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) decolou de Brasília rumo à Flórida (EUA), na manhã de 7 de março, o risco de contaminação pelo novo coronavírus não era uma preocupação do presidente Jair Bolsonaro e sua comitiva. Tanto que, nos quatro dias de compromissos no Estado americano, as medidas de prevenção que já eram recomendadas por especialistas não foram adotadas nem pelo presidente nem por seus acompanhantes. Foi durante esta viagem que Bolsonaro declarou pela primeira vez que a pandemia estava "superdimensionada" e era uma "fantasia".

Até esta sexta-feira, 20, 22 pessoas que estiveram no grupo foram diagnosticadas com a Covid-19. Levantamento feito pelo Estado mostra que pelo menos 45 brasileiros se encontraram com Bolsonaro nos EUA, viajando com ele no avião da FAB ou em voos comerciais. Na prática, os infectados já correspondem à metade do grupo. O descaso de Bolsonaro com a pandemia resultou em queda de popularidade e "panelaços" de protesto.

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Dois dias antes de ir para a Flórida, Bolsonaro havia cancelado viagem à Hungria e à Polônia por causa do risco do coronavírus. Na mesma data, o Brasil ainda tinha oito casos confirmados, enquanto os EUA estavam em plena ascensão da pandemia, com 157 confirmações e 11 mortes registradas. No entanto, a hipótese de cancelar a viagem, que incluía um jantar com o presidente Donald Trump, nem foi cogitada.

O roteiro de Bolsonaro começou com o jantar em Mar-a-Lago, na Flórida, onde o brasileiro cumprimentou e teve contato com Trump e o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, além do alto escalão do governo americano. Na porta do resort na Flórida, Trump disse a repórteres que não estava "nem um pouco preocupado" com a notícia da primeira infecção pelo vírus na capital americana, Washington. Mais cedo, os organizadores do CPAC, conferência conservadora, informaram a confirmação do coronavírus em um dos presentes no evento, onde estiveram Trump, seus filhos Ivanka e Donald Trump Jr., o genro, Jared Kushnero, e o secretário de Estado, Mike Pompeo. Ivanka e Kushner participaram do jantar com Bolsonaro.

Também em Mar-a-Lago, Trump voltou a minimizar a doença, afirmando que a disseminação do vírus não faria com que ele suspendesse a campanha eleitoral. Naquele dia, duas mortes pelo coronavírus haviam sido confirmadas na Flórida. Nove dias depois, já existiam quase 5 mil casos confirmados nos EUA e Trump passou a pedir que a população não saísse de casa. Até ontem eram 225 mortes e mais de 17,5 mil casos no país.

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No jantar, sentaram à mesa Trump, Bolsonaro e outras dez pessoas: cinco de cada país. Do lado do Brasil, dois dos cinco tiveram teste que confirmou o coronavírus: o embaixador nos EUA, Nestor Forster, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno. Do lado americano, a Casa Branca informou apenas que Trump foi submetido ao teste e não está infectado. O Estado perguntou duas vezes à Casa Branca se os demais presentes fizeram o exame ou apresentam sintomas, e se mais alguém no jantar em Mar-a-Lago foi infectado pelo coronavírus, mas o governo americano não respondeu.

O local onde o jantar foi realizado tinha diversas outras mesas e presentes, como o chefe da Secretaria de Comunicação (Secom), Fabio Wajngarten, o primeiro caso confirmado da comitiva brasileira, como antecipou o Estado. Ao ser informado de que Wajngarten estava infectado, Trump resistiu por dias à ideia de fazer o exame. Mas, após a confirmação de que outros integrantes da comitiva estavam com o vírus, ele fez o teste, que deu negativo.

Nos outros três dias de viagem, a comitiva também não parecia preocupada em evitar contato com a população e aglomerações. Apenas por questão de segurança, Bolsonaro - às vezes acompanhado da primeira-dama Michelle - seguia em um carro separado, enquanto o restante da comitiva se deslocava em duas vans.

O primeiro a acompanhar Bolsonaro era sempre Wajngarten

Hospedado no hotel Hilton, Bolsonaro descia para o café da manhã por volta das 7h20 e se sentava à mesa numa sala separada do restante do restaurante por portas de vidro. Para se servir, Bolsonaro e os integrantes da comitiva presidencial saíam da sala reservada do café e, no buffet, usavam os apetrechos de cozinha que eram tocados por todos os hóspedes do hotel para pegar os alimentos.

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O primeiro a acompanhar o presidente era sempre Wajngarten, seguido pelos ministros Heleno e Fernando Azevedo, da Defesa. O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, que apresentou resultado positivo em um segundo exame, chegava ao café com roupas esportivas, após fazer exercício físico, e se juntava ao grupo, que também era integrado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho "zero três" do presidente.

O chanceler Ernesto Araújo, o embaixador Nestor Forster e o assessor Filipe Martins por vezes começavam o café em outra mesa para só depois entrar na sala com o presidente. Os dois últimos também foram confirmados com a Covid-19.

Michelle Bolsonaro descia do quarto mais tarde, quando o presidente já havia deixado o café da manhã para os compromissos do dia. Na noite da última quinta-feira, ela publicou em uma rede social que o resultado da contraprova feito pela Fiocruz tinha dado "negativo para todos".

Na viagem, Bolsonaro e sua comitiva almoçaram em uma churrascaria brasileira em Miami. No restaurante, o presidente cumprimentou e tirou fotos com apoiadores e com garçons. No mesmo dia, ele atendeu duas vezes grupos de brasileiros que se reuniram na frente do local. Depois, na garagem do hotel, voltou a fazer fotos e distribuir apertos de mão.

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Nos momentos livres, Bolsonaro visitou um estúdio do artista plástico Romero Britto. Ele também foi a um shopping tomar milk-shake e visitar uma loja de pesca. Naquela data, não havia medidas restritivas nos Estados Unidos.

O presidente Jair Bolsonaro e primeira-dama Michelle visitaram o estúdio do artista plástico Romero Britto, em Miami
O presidente Jair Bolsonaro e primeira-dama Michelle visitaram o estúdio do artista plástico Romero Britto, em Miami
Foto: Reprodução/Twitter Planalto / Estadão Conteúdo

A apoiadores, Bolsonaro disse que o coronavírus estava 'superdimensionado'

Foi em discurso para apoiadores que, no dia 9, Bolsonaro, a exemplo de Trump, minimizou a doença. No evento, organizado com a ajuda de pastores brasileiros da Flórida, Bolsonaro disse que o coronavírus estava "superdimensionado." Depois de 31 minutos, desceu do palco e se juntou ao aglomerado de cerca de 250 pessoas para selfies.

A pastora Rita Fernandes, presidente da Associação de Pastores de Orlando, foi uma das participantes do evento com Bolsonaro. Segundo ela, os sete pastores que lá estavam não têm sintomas do coronavírus e, na época, não faziam ideia da gravidade da situação.

"Até então estava tudo tranquilo. O pastor que organizou não tinha nem ideia, senão ele teria cancelado aquele evento e ninguém teria ido, se tivéssemos a consciência que temos hoje", afirma a pastora, que diz estar em quarentena. No dia, ela tirou fotos com Bolsonaro. "Estive dentro da sala, pegamos na mão, tirei foto. Ficamos muito preocupados, mas estamos bem", contou.

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No dia seguinte, em palestra para empresários, em Miami, Bolsonaro voltou a menosprezar o impacto da doença, que hoje segue em escalada no Brasil e obriga o governo a tomar uma série de medidas para conter os danos.

"Muito do que tem ali é mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propaga", disse ele.

O presidente brasileiro ainda teve encontros com os senadores Rick Scott e Marco Rubio e com o prefeito de Miami, também infectado pelo coronavírus.

No voo de volta ao Brasil, na tarde de terça,10, Wajngarten sentiu os primeiros sintomas da doença. A comitiva chegou ao Brasil na madrugada de quarta. Após a notícia de que havia passado por exames, o secretário de Comunicação foi ao Twitter dizer que "estava bem". No dia seguinte, o exame deu positivo.

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