Primeiro convocado na terceira semana de depoimentos da CPI da Covid, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo vai enfrentar nesta terça (18/05) uma série de perguntas dos senadores sobre a política externa do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19, centradas em três focos principais.
Se por um lado Araújo deve enfrentar perguntas incisivas dos senadores oposicionistas, que são maioria na comissão, por outro não deve encontrar muita simpatia entre os membros governistas da Comissão Parlamentar de Inquérito.
O ex-chanceler deixou o governo em março deste ano, e desde então já deixou escapar críticas a Bolsonaro e à base de apoio do presidente no Congresso.
"Um governo popular, audaz e visionário foi-se transformando numa administração tecnocrática sem alma nem ideal. O projeto de construir uma grande nação minguou no projeto de construir uma base parlamentar", escreveu Araújo em seu blog no início do mês.
Araújo foi convocado para comparecer à CPI, um dia antes do mais aguardado depoimento da comissão, o do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello. O general presta depoimento na quarta (19/05) e conseguiu na Justiça o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo.
Segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), isso não deve afetar as investigações, já que Pazuello ainda é obrigado a responder questões que envolvam atitudes e ações de outras pessoas presenciadas por ele.
Araújo, no entanto, não tem a mesma prerrogativa e terá a exigência de responder a todas as questões. Quando o ex-secretário de Comunicações de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, evitou responder perguntas dos senadores, na semana passada, ele foi advertido pelo presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSB-AM), que se não mudasse de atitude poderia voltar não como testemunha, mas como investigado.
Relação com a China
Um dos principais assuntos do depoimento do ex-ministro deve ser a relação conturbada do governo e da família Bolsonaro com a China — um dos principais produtores de remédios e insumos médicos do mundo, incluindo os utilizados para produzir vacinas contra o coronavírus no Brasil.
No ano passado, críticas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao país asiático e seu hábito de chamar o coronavírus de "vírus chinês" levaram até o embaixador chinês, Yang Wanming a se posicionar exigindo um pedido de desculpas.
Na época, Araújo disse que as críticas de Eduardo "não refletem a posição do governo brasileiro", mas que era "inaceitável que o Embaixador da China endosse ou compartilhe postagem ofensiva ao Chefe de Estado do Brasil e aos seus eleitores".
Tratamento precoce
Outro assunto central no depoimento de Araújo é a questão de ações do governo, incluindo o ministério das Relações Exteriores, para a compra e distribuição de cloroquina — remédio sem eficácia comprovada contra o coronavírus.
Uma investigação da Folha de S. Paulo mostrou na semana passada que Araújo mobilizou o Itamaraty para garantir o fornecimento de cloroquina ao Brasil, mesmo quando as evidências científicas já apontavam que o remédio não era capaz de combater a covid.
Mensagens internas do ministério mostram que houve um esforço, de março e até pelo menos junho de 2020, para mobilizar diplomatas para garantir o fornecimento internacional de cloroquina. Segundo o jornal, o esforço para garantir vacinas e medicamentos da China foi muito menor do que o dedicado à cloroquina.
A cloroquina faz parte do que ficou conhecimento como "kit de tratamento precoce" promovido pelo governo, que inclui outros remédios sem eficácia contra o coronavírus, como a ivermectina.
Em março desde ano o presidente também promoveu o spray nasal EXO-CD24, que, segundo ele, "parece um produto milagroso" contra covid.
Na época, o governo promoveu uma viagem de uma comitiva brasileira à Israel — liderada por Araújo — para prospectar a compra do spray mesmo sem nenhum evidência de que ele tivesse efeito contra a covid. Israel tem tido sucesso no combate à pandemia devido a um amplo programa de vacinação.
No fim não houve contrato para compra do spray. Araújo deverá ser cobrado de uma explicação sobre a viagem pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), membro da CPI.
Conselho Paralelo
Desde o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, os senadores tentam descobrir quem compunha o núcleo mais próximo de aconselhamento do presidente durante a pandemia, já que Mandetta afirmou que Bolsonaro não se orientava com ele e tinha um núcleo paralelo de consultoria.
Para esclarecer essa questão, senadores discutem convocar o vereador Carlos Bolsonaro desde que o executivo da Pfizer Carlos Murillo confirmou que o filho do presidente, que não tem cargo no governo, esteve presente em uma reunião da empresa com o governo, em dezembro.
Mas o depoimento de Araújo também deve ser bastante importante nesta investigação, já Carlos Bolsonaro compõe o núcleo 'olavista' (de seguidores do escritor Olavo de Carvalho) de pessoas próximas ao presidente, do qual Ernesto Araújo fazia parte.
Nomes como a médica Nise Yamaguchi e o empresário Carlos Wizard também devem aparecer nesta semana na CPI. Wizard disse à TV Brasil que passou um mês ao lado do ex-ministro Eduardo Pazuello atuando como conselheiro do ministério da saúde e Nise foi citada no depoimento de testemunhas já ouvidas na CPI.
Crítico de instituições internacionais, cuja atuação ele chama de 'globalismo', Araújo também deve ser questionado sobre o afastamento do país de entidades multinacionais — incluindo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o que, segundo senadores da CPI, pode ter atrasado a adesão do Brasil à Covax Facility (consórcio internacional para distribuição de vacinas lançado pela OMS).