CPI vira nova paixão nacional depois do BBB

Depoimentos colhidos pelos senadores para apurar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia já alcança 3 milhões de acessos na internet

19 mai 2021 - 09h14
(atualizado às 09h30)

O enredo é trágico, os personagens vestem o figurino indicado (com papéis bem definidos), há periodicidade na apresentação dos capítulos e o final pode ser surpreendente. Com o fim do Big Brother Brasil, a CPI da Covid virou o novo reality show dos brasileiros. E com recordes de audiência. O canal criado pelo Senado no Youtube para informar sobre o andamento da comissão soma mais de 3 milhões de acessos em menos de um mês. Juntos, os vídeos sobre a investigação só perdem em visualização para a sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Com a "apresentação" de apenas sete depoimentos, a CPI criada para investigar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro ao longo da pandemia caiu na boca do povo e cenas dos próximos capítulos são aguardadas com expectativa pelo público. Nesta terça, 18, a fala do ex-chanceler Ernesto Araújo foi vista mais de 372 mil vezes. Nos intervalos ainda foi possível acompanhar coberturas extraoficiais cheias de humor e ao gosto do freguês.

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O comediante Marcelo Adnet, por exemplo, famoso pelas imitações que faz, narrou parte do depoimento do diplomata como se fosse uma partida de futebol apresentada por Galvão Bueno e comentada pelo ex-jogador Casagrande. "Ele vai enrolando, ela vai gaguejando, não sabe o que é o que. Parece inebriado pelo álcool em gel, suas palavras não fazem mais sentido, vai dando voltas com a bola em campo."

Em três horas, os dois primeiros posts de Adnet no Twitter já tinham mais de 470 mil acessos e eram comentados até mesmo por deputados federais. "No meio de tantas tragédias e tantas mentiras, ainda bem que temos a genialidade do Adnet", afirmou Ivan Valente (PSOL-SP).

Piadas à parte, o interesse pela CPI é tanto entre eleitores e apoiadores de integrantes da comissão que senadores têm checado suas redes sociais em pleno interrogatório. Durante a fala do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, um vídeo postado nas redes chegou a ser apresentado por Rogério Carvalho (PT-SE) para desmentir declaração dada por ele minutos antes.

O ex-chefe da Secom disse que havia ficado 26 dias afastado de suas funções em março de 2020 por ter contraído covid-19. No vídeo gravado ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, Wajngarten dizia estar ótimo e trabalhando normalmente. Até aqui, o depoimento dele foi o mais assistido no canal do Senado, com mais de 642 mil acessos.

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Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, são vários os motivos que explicam esse interesse popular pela CPI da Covid. "Primeiro, o assunto, que é impactante e tem a ver com a vida de muitas pessoas. Depois, os 'personagens' são bons e travam duelos retóricos dignos de um espetáculo. E, por fim, o assunto não é técnico. Diferentemente da CPI da Petrobrás, por exemplo, que era chamada de a CPI do engenheiro, os temas tratados agora são de domínio público, ou seja, não exigem conhecimento técnico", diz.

Teixeira ainda destaca que a comissão tem o potencial de explicar à população de fato quais políticas ou quais ausências de políticas colaboraram para a tragédia humana que a crise sanitária representa no Brasil, com mais de 430 mil mortos. "Há a necessidade, diante de tantos mortos, de se buscar respostas, apontar os erros e os responsáveis, apesar de a maioria da população já conhecer o script."Esse é o lado mais dramático da CPI, cujo material é o sofrimento."

Interatividade

No Telegram, que teve participação massiva na edição do BBB 21, a diversão atual dos grupos e canais não é observar uma casa com anônimos e famosos, mas sim seguir todos os bate-bocas que se desenrolam no Senado. Um dos maiores grupos dedicados a comentar o BBB 21 no Telegram, o Canal Espiadinha, entendeu a popularidade da comissão e já soma quase 150 mil inscritos

Os "melhores momentos dos depoimentos" também têm sido editados pelos parlamentares e postados como uma "novela" em seus perfis na internet. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) é um dos senadores que lança mão dessa ferramenta. Pelas suas redes, é possível relembrar parte de suas interferências ao longo das falas dos depoentes e ainda enviar perguntas para serem feitas aos depoentes.

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No Instagram, Renan Calheiros pede sugestões de perguntas a Pazuello na CPI da Covid
No Instagram, Renan Calheiros pede sugestões de perguntas a Pazuello na CPI da Covid
Foto: Reprodução/ Instagram Renan Calheiros / Estadão

Já a senadora Kátia Abreu (PP-GO) teve outra estratégia nesta terça: publicou um vídeo antes mesmo de a sessão começar, desejando que "Deus tivesse piedade da alma de Araújo". A demissão do diplomata ocorreu após o ex-chanceler afirmar que Kátia Abreu fazia lobby para que o Brasil adotasse a tecnologia chinesa do 5G. Durante seu depoimento, ele confirmou a acusação e se negou a pedir desculpas em público. A senadora classificou Araújo como "uma bússola que levou o País ao caos e ao naufrágio.

Nesta quarta, 19, a expectativa é que a CPI bata novos recordes de público e busca. Os senadores vão ouvir o ex-ministro Eduardo Pazuello, que obteve no Supremo Tribunal Federal o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo.

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