CPMI aponta que governo fez anúncios em 'canais inadequados'

A lista inclui páginas que difundem notícias falas, que promovem jogos de azar e até sites pornográficos

3 jun 2020 - 09h05
(atualizado em 4/6/2020 às 17h32)

Relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News mostra que o governo federal investiu dinheiro público para vincular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que apresentam "conteúdo inadequada". A lista inclui páginas que difundem fake news, que promovem jogos de azar e até sites pornográficos. Canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro também receberam publicidade oficial.

Sessão no Senado da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) das Fake News, no mês passado
Sessão no Senado da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) das Fake News, no mês passado
Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado / Estadão Conteúdo

O documento, produzido por consultores legislativos, tem como base informações da própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) referente ao período de junho a julho do ano passado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CPI e revelados pelo jornal O Globo.

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Segundo o relatório, a maior parte dos anúncios está relacionada à campanha do governo para promover a reforma de Previdência, aprovada no ano passado no Congresso. A verba da Secom foi distribuída por meio do programa Google Adsense, que paga um valor ao site a cada vez que um usuário clica na publicidade ou apenas visualiza.

No topo da lista dos que mais receberam verba pública para divulgar a publicidade oficial está o site "Resultados Jogo do Bicho", com 319.082 impressões - a quantidade de vezes que o anúncio foi exibido aos usuários do site. O jogo do bicho é proibido no Brasil e sua prática é considerada uma contravenção.

Outra descoberta da CPI é que, dos 20 canais no YouTube que mais veicularam anúncios da Nova Previdência (nome da campanha governo), 14 são primordialmente destinados ao público infanto-juvenil. Entre eles, até mesmo um que tem todo o seu conteúdo em russo.

"Juntos, esses 14 canais infanto-juvenis concentraram 2.392.556 das 12.026.980 impressões da campanha da Nova Previdência veiculadas no YouTube entre 06 de junho e 13 de julho de 2019 (19,89% de todos os anúncios veiculados no YouTube nesse período)", diz trecho do relatório.

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Ao todo, a CPI identificou que os mais de 2 milhões de anúncios foram exibidos em 843 canais diferentes. Destes, 741 eram no YouTube, mas foram removidos após a página de vídeos apontar irregularidades, como conteúdo inadequado ou que desrespeita direito autoral.

Sites de notícias falsas também embolsaram uma boa fatia da verba pública destinada pelo governo. O relatório da CPI aponta como um dos campeões de veiculação de anúncios oficiais, com 66.431 impressões, o "Sempre Questione". "O portal traz 'matérias' sobre múmias alienígenas escondidas em pirâmides do Egito, colisores de átomos que abrem portais para o inferno e baleias encontradas em fazendas a centenas de quilômetros do litoral", aponta o levantamento da comissão.

Há também publicidade oficial em páginas de apoiadores e que promovem Bolsonaro. O relatório cita como exemplo o canal de YouTube "Bolsonaro TV" e os aplicativos para celular "Brazilian Trump", "Top Bolsonaro Wallpapers" e "Presidente Jair Bolsonaro". A destinação de dinheiro público para este tipo de conteúdo pode gerar questionamentos legais ao governo com base no princípio constitucional da impessoalidade, pois, segundo a consultoria legislativa, "abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna."

O site Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, também aparece na lista dos que receberam dinheiro público por meio de anúncios da Nova Previdência. Santos é um dos alvos do inquérito das fakes news, no Supremo Tribunal Federal, e teve documentos e equipamentos apreendidos na semana passada pela Polícia Federal. Ele nega irregularidades no conteúdo que propaga.

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Procurada, a Secom não se manifestou até a publicação desta notícia.

Posicionamento do Google

Citado na matéria, o Google, que é detentor do Google Adsense, se posicionou sobre o caso ao Terra:

“O Google tem ajudado parceiros do setor privado e do setor público a usar a publicidade digital para levar suas mensagens a milhões de brasileiros de modo eficiente, com escala e alcance.

Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas.

Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.

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Cientes do dinamismo do ecossistema digital, também trabalhamos no aperfeiçoamento de nossas plataformas para oferecer os melhores resultados possíveis para nossos parceiros. Preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade.

Agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas." 

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