Nesta segunda-feira, 27, Jair Bolsonaro completa mil dias de seu governo sem ter o que celebrar. Desgastado, tem perdido cada vez mais capital político por causa de uma mistura de problemas, como as quase 600 mil mortes na pandemia do coronavírus, a disparada da inflação, o desemprego e suas sucessivas ameaças à democracia. Pesquisa divulgada na quarta-feira pelo Ipec mostra que sua avaliação negativa já supera a metade dos brasileiros, com 53%, sendo que 42% o consideram péssimo e 11% o acham ruim.
A fragilidade política apresentada por Bolsonaro nessa data simbólica coloca em xeque seu projeto de reeleição no próximo ano. Até porque sua sustentação política no Congresso depende da boa vontade de um cada vez mais arisco Centrão. E, mesmo assim, graças à força de uma farta liberação de recursos no esquema do orçamento secreto.
Além disso, forças importantes que ajudaram sua vitória em 2018, como agronegócio e evangélicos, já não escondem sua insatisfação com o governo. Desses pilares centrais de apoio, apenas militares e policiais seguem fechados com o presidente.
Para agravar ainda mais o quadro, há pelo menos mais uma crise à vista. A CPI da Covid deve ter seu relatório final apresentado nos próximos dias. E o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já deixou clara a decisão de apontar que Bolsonaro e outros integrantes do governo cometeram crime de responsabilidade no processo de condução do combate ao coronavírus.
Na economia, quando se esperava que o País retomasse o crescimento pós-pandemia, as dificuldades enfrentadas pelo governo fizeram com que as previsões fossem revisadas para baixo: elas agora apontam uma estimativa de crescimento do PIB até abaixo de 1% para 2022. No início do mês, a expectativa do Boletim Focus era de uma alta de 1,8% para esse índice.
Os números da inflação e de desemprego também dispararam. O índice de inflação exibe uma alta de 9,68% em 12 meses até agosto. Já a Pnad Contínua, que registra o movimento da economia informal, mostra 14,8 milhões de desempregados até o meio do ano.
"A crise pandêmica trouxe dificuldades não previstas para a política econômica. Ainda assim, o governo deixa a desejar nos resultados apresentados", diz o economista Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado. "Em 2022, tudo indica que cresceremos abaixo do potencial. A inflação está elevada, o que requer juros mais altos, com impactos significativos sobre a dívida pública. Do ponto de vista estrutural, pouca coisa aconteceu, desde a aprovação da reforma da Previdência, para ajudar a melhorar as perspectivas para as contas públicas, ampliar a capacidade de investimentos em infraestrutura ou mesmo avançar na agenda da produtividade, inclusive no tópico abertura comercial", avalia.
No agronegócio, que ainda reúne um grupo importante de apoiadores de Bolsonaro, o cenário já vai se desenhando com menos otimismo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também reviu sua previsão de crescimento para o setor. A projeção para o PIB do setor agropecuário era de crescer 1,7% este ano. Mas a redução na produção de milho e problemas na produção de leite puxaram essa conta para baixo, e o Ipea baixou sua estimativa para um aumento de 1,2% este ano.
Erros
O mau momento enfrentado por Bolsonaro nos seus mil dias de governo também precisa ser entendido no contexto da sequência de erros estratégicos que vêm lhe custando perda de credibilidade. Ele quis dar uma demonstração de força popular com manifestações no dia 7 de setembro pelo País. Juntou bastante gente nos atos de São Paulo e de Brasília. Mas seu discurso, com ameaças à democracia e às instituições, como o Supremo Tribunal Federal, gerou um enorme efeito negativo.
Representantes dos outros Poderes reagiram fortemente e o mercado se assustou com o risco da instabilidade política. Pressionado, o presidente acabou sendo obrigado a recuar, apelando ao ex-presidente Michel Temer para redigir uma Carta à Nação, na qual foi obrigado a dar vários passos atrás.
Outro erro foi dar pouca atenção à condução de uma agenda de propostas no Congresso que facilitassem a retomada do crescimento econômico. Após a aprovação da reforma previdenciária, no primeiro ano de governo - impulsionada em grande parte pelo interesse do Parlamento -, a discussão de outras reformas, como a tributária e a administrativa, se tornou cada vez confusa e com dificuldade de produção de consensos.
"Mil dias de governo mostram que o presidente, diferentemente do que alguns torceram, acreditaram ou foram enganados, não mudou. Ele foi um parlamentar que nunca produziu nada, com uma atuação sempre de destruição, ataque, de defesa da ditadura, de agressão àqueles que defendem as minorias. E no governo não tem sido diferente", diz o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, figura central na aprovação da reforma da Previdência.
"É um governo que nada constrói. O que se conseguiu foi o Parlamento que construiu. É um governo que destrói, que ataca, que dissemina o ódio, que tenta destruir as instituições e a própria estrutura de Estado que foi construída. Dou como exemplo o controle das queimadas nas nossas florestas. Todos os institutos e as estruturas criadas para controlar o meio ambiente foram sendo destruídos. Então, ele não mudou. Continua sendo um predador. Como parlamentar, a atuação era de destruir. E como governo continua querendo destruir o próprio Estado e o governo por dentro."
Governo planeja solenidades e festas para a data
Dentro do governo, há uma tentativa de reação para tirar Bolsonaro das cordas. Será feita uma grande celebração dos mil dias, organizando eventos em todas as regiões do País durante os próximos dias. O presidente participará de todas essas 'festas' de forma presencial ou virtual, comunicando-se por telões. Basicamente, a ideia é organizar cerimônias com o que os auxiliares de Bolsonaro chamam de "entregas".
Nesta semana, essa agenda alusiva aos mil dias inclui uma série de viagens pelo País para a inauguração de obras. A primeira região a ser visitada deve ser o Nordeste, seguida por Estados da região Norte. Na Bahia, por exemplo, Bolsonaro deve inaugurar obras em 10 km de estradas. Mas não só.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, por exemplo, fará evento em Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, na segunda-feira, liberando sinal de TV digital com mais canais e melhor imagem. Depois, ao lado do ministro da Cidadania, João Roma, vai inaugurar obras da Funasa no Estado no valor de R$ 9,67 milhões. Todos os ministros foram orientados a fazer "entregas" ao longo de toda a semana.
Além disso, outro ponto da estratégia é turbinar programas sociais, como forma de tentar reverter o desgaste da imagem presidencial junto às populações mais vulneráveis. Nesse sentido, o pagamento do Auxílio Brasil - substituto do Bolsa Família - tem papel central, pelo seu repasse de recursos.
Pesquisa
Há razões de sobra para o governo investir nesse ponto. A pesquisa Desigualdade de Impactos Trabalhistas na Pandemia, coordenada pelo diretor da Fundação Getúlio Vargas Social (FGV Social), Marcelo Neri, publicada este mês, aponta que o maior impacto, na pandemia, tem sido sobre os mais pobres. "A renda individual média do brasileiro, incluindo informais, desempregados e inativos, encontra-se hoje -9,4% abaixo do nível do final de 2019. Na metade mais pobre, esta perda de renda é de -21,5%, configurando aumento da desigualdade entre a base e a totalidade da distribuição."
De acordo com a pesquisa, a queda de renda entre os 10% mais ricos foi de 7,16%, menos de 1/3 da queda de renda observada na metade mais pobre. "O grupo do meio entre os 50% menos e os 10%, uma espécie de classe média no sentido estatístico, teve queda de renda de 8,96%, cerca de 2,8 pontos de porcentagem de perda acima do extremo superior", informa o trabalho.
Mas os números mais impactantes do levantamento falam sobre o aumento da pobreza, o que explica porque Bolsonaro e seus aliados se empenham em mirar nessa direção com o Auxílio Brasil. De acordo com a pesquisa, a proporção de pessoas com renda abaixo da linha de pobreza era na média de 2019, antes da pandemia, de 10,97%, ou cerca de 23,1 milhões de pessoas na pobreza. "A pobreza passa, em setembro de 2020, para o melhor ponto da série, em função da adoção do Auxílio Emergencial pleno para 4,63%, ou 9,8 milhões de brasileiros."
Mas no primeiro trimestre de 2021, com o Auxílio Emergencial suspenso - e devolvendo o Bolsa Família -, a pobreza atingiu 16,1% da população, fazendo o total de pobres atingir o número de 34,3 milhões.
Os dados da pesquisa mostram um cenário desolador no início de 2021, quando, em seis meses, o número de pobres foi multiplicado por 3,5 vezes. Isso significou um acréscimo de 25 milhões de pobres no País em relação aos seis meses anteriores.