BRASÍLIA - Num depoimento de oito horas, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno na CPMI do 8 de Janeiro nesta terça-feira, 26, desacreditou a delação de Mauro Cid, atacou o presidente Lula e até xingou integrantes da comissão. O militar disse que o delação premiada do ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seria uma "fantasia".
O general também disse que desconhecia a minuta do golpe, que continha um roteiro de golpe de Estado para prender adversários e convocar novas eleições após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e reafirmou a frase golpista: "bandido não sobe a rampa".
A sessão também foi marcada por embates entre Heleno e a relatora Eliziane Gama (PSD-MA) e a deputada trans Duda Salabert (PDT-MG), que foi chamada por "senhor" pelo ex-chefe do GSI. A oitiva foi suspensa por duas horas após o presidente do colegiado, Arthur Maia (União-BA), pedir a retirada do parlamentar bolsonarista Ábilio Brunini (PL-MT). Entenda o depoimento do general em seis pontos:
Delação de Cid seria uma 'fantasia'
Ao ser questionado sobre a delação premiada de Mauro Cid, que relatou à Polícia Federal (PF) detalhes de uma reunião do então presidente Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas, onde teria sido discutido a possibilidade de um golpe de Estado que impediria a posse de Lula, Heleno classificou as informações como uma "fantasia". "Não existe um ajudante de ordens sentar numa reunião com comandantes das Forças. Isso é fantasia", disse.
De acordo com Cid, a pretensão de Bolsonaro de permanecer no Palácio do Planalto foi esvaziada após um militar de alta patente afirmar que, se houvesse um golpe, o ex-chefe do Executivo também "sairia". Ainda segundo o ex-ajudante de ordens, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, foi o único do alto comando das Forças Armadas que aderiu à proposta.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) confrontou Heleno ao apresentar uma foto de Mauro Cid em uma das reuniões de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas no Planalto, no ano de 2019, que contou inclusive com a participação do ex-chefe do GSI. O militar capitulou alegando que o ajudante de ordens "não participava ativamente" dos encontros.
Heleno também disse aos parlamentares da CPMI que não tinha conhecimento do encontro entre Bolsonaro e os comandantes militares. O ex-ministro se valeu do direito ao silêncio quando foi questionado pelo deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA) se havia ou não participado daquele encontro.
General diz que desconhecia minuta do golpe
O ex-chefe do GSI afirmou que desconhecia a "minuta do golpe", que teria sido escrita para dar um suporte jurídico para a trama golpista. O texto foi encontrado no celular de Cid e na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Segundo a delação do ex-ajudante de ordens, um ex-assessor da Presidência entregou o documento nas mãos de Bolsonaro, que levou a proposta para os comandantes das Forças Armadas.
"Nunca ouvi falar na minuta de GLO [Garantia da Lei e da Ordem], minuta do golpe. O presidente da República [Bolsonaro] disse, várias vezes, que jogaria dentro das quatro linhas, e não era minha missão convencer o presidente a sair das quatro linhas. Pelo contrário", disse Heleno.
Na tentativa de defender o general, o senador Jorge Seif (PL-SC), que foi secretário da Pesca durante o governo do ex-presidente, disse que se Augusto Heleno quisesse dar um golpe de Estado, poderia ter feito.
"Se, realmente, o general Augusto Heleno, profundo conhecedor das Forças Armadas, conhecedor de outras autoridades no Exército Brasileiro, cogitasse fazer um golpe de Estado, bastava fazer assim com o dedo (o senador estala os dedos). Mandaria meia dúzia de zaps (ordenando): 'acabou a brincadeira, invade tudo, prende todo mundo, dissolve STF e Parlamento, prende Lula'. Se o senhor desejasse. Mas desconhecem sua trajetória, seu prestígio e sua força. Se o senhor quisesse, faria o tal do golpe", disse Seif. O ex-chefe do GSI ficou em silêncio após o comentário.
Ex-chefe do GSI repete frase com teor golpista
Durante a oitiva, Augusto Heleno repetiu uma frase dita por ele em 18 de dezembro, que insinuava um golpe nas vésperas da posse de Lula. Indagado por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro se "bandido subiria a rampa", em alusão à prisão de Lula em 2018 pela Operação Lava Jato, o general, que estava dentro de um veículo, respondeu que "não". O petista teve as suas condenações anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021.
Ao ser questionado pela relatora Eliziane Gama se ele persistia com esse pensamento, Heleno prontamente respondeu: "Continuo achando que bandido não sobe a rampa", recebendo aplausos de parlamentares bolsonaristas da CPMI.
Heleno se irrita com relatora da CPMI
O general se irritou com questionamentos da relatora, que perguntou se ele considerava que houve alguma fraude no resultado das eleições de 2022. Em resposta, Heleno respondeu: "Já tem o resultado das eleições, já tem novo presidente da República, não posso dizer que foi fraudado". Eliziane então disse que o ex-chefe do GSI havia "mudado de ideia", levando o militar à ira, com direito a xingamentos.
"Ela fala as coisas que ela acha que está na minha cabeça. P..., é para ficar p..., né. P... que pariu. Vai se f.", disse. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) reagiu e cobrou respeito à Gama. "É muito desrespeito", afirmou Feghali.
Ex-chefe do GSI chama deputada trans de 'senhor'
A deputada transexual Duda Salabert (PDT-MG) questionou a conduta de Heleno uma missão de paz brasileira no Haiti, em 2004, onde ele supostamente teria coordenado uma operação que resultou na morte de dezenas de crianças. Em resposta, o ex-chefe do GSI negou as acusações e disse que iria processar a parlamentar, chamando-a de "senhor".
"Essa afirmativa é mentirosa. Estou querendo proteger Vossa Excelência. Se eu quiser, vou para a Justiça e processo o senhor, e coloco o senhor na cadeia", disse Heleno. A parlamentar do PDT rebateu o ex-chefe do GSI: "É a senhora, e não vem me ameaçar não".
Em seguida, Salabert disse que Heleno deveria ser preso após a oitiva em que participa como testemunha. "Se há justiça no Brasil, e se de fato houver justiça no Brasil, o senhor será preso no final desta CPI", afirmou.
Presidente da CPMI pede retirada de bolsonarista
O presidente da CPMI, Arthur Maia, interrompeu a sessão por duas horas após discutir com o deputado Abílio Brunini, que disse que Maia deixava governistas "falar asneiras e imputar crimes", se referindo às declarações de Salabert. O presidente solicitou que a segurança retirasse o parlamentar do local, mas ele se recusou a sair, afirmando que é integrante do colegiado e não poderia ser colocado para fora.
"Não vou sair. Solicite (a retirada), eu não vou sair. Hoje estou como membro", gritou Brunini. O deputado é suplente no colegiado pelo PL. Recorrentemente, ele interrompe colegas e grava os discursos nas reuniões do colegiado, sendo sempre advertido por Maia.
O parlamentar resistiu, mas deixou a sala onde ocorre a sessão uma hora após a ordem do presidente. "Foi um claro abuso de autoridade. O general está na condição de testemunha, não de investigado. Imputar crime ao general, na condição de testemunha, falar que ele vai sair dali preso… E o presidente assistindo aquilo tudo de forma omissa, eu não podia admitir isso, tinha que me posicionar", disse.
Brunini também criticou a postura de Maia em relação ao ministro da Justiça, Flávio Dino. Como mostrou o Estadão, o ministro enviou ao colegiado imagens de apenas quatro câmeras, enquanto a estrutura do ministério tem 185.