Com um governo sem marca e com problemas de gestão e popularidade, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), se movimenta para dar tom mais ideológico que administrativo à disputa pela reeleição de 2020. A ordem que deu para recolhimento de livros com conteúdo LGBT na Bienal Internacional do Livro, considerada censura por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), fez parte dessa estratégia, segundo políticos e analistas.
Para esses observadores, Crivella tenta, com o gesto, se reafirmar como o principal candidato conservador da cidade, mesmo após a onda bolsonarista que varreu o Estado em 2018. O PSL do presidente Jair Bolsonaro ainda não se definiu no processo de escolha do candidato à Prefeitura.
Apesar de o combate ao conteúdo homoafetivo, alvo da ação de Crivella, ser um tema caro ao bolsonarismo, os dois políticos cotados para representar o PSL na eleição, deputados Rodrigo Amorim (estadual) e Hélio Lopes (federal), não se manifestaram sobre o assunto nas redes sociais.
Há um entendimento, nos bastidores da direita carioca, de que Crivella exagerou ao mandar recolher livros em vez de apenas fazer uma crítica mais genérica ao conteúdo. De qualquer forma, criou um impasse. Se alguém apoiasse a medida, colaria sua imagem a um prefeito impopular; se a repudiasse, seria visto como "esquerdista" pelos bolsonaristas mais radicais.
A aposta no discurso conservador e o uso das máquinas pública e evangélica são vistos por personagens do meio político e analistas como os caminhos para Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, ter alguma chance em 2020.
Na última grande pesquisa de opinião sobre a prefeitura, feita pelo Datafolha em março de 2018, ele foi reprovado por 58% e aprovado por 10%. O levantamento foi realizado antes das chuvas que deixaram dez mortos na cidade no início de 2019 e desgastaram ainda mais o prefeito. Um opositor classifica a ação na Bienal como um "pedido de socorro" que tenta pegar carona na onda conservadora.
O movimento em direção à direita, com ênfase na agenda de base religiosa, contrasta com a postura de Crivella em 2016. Naquela eleição, o então candidato do PRB teve como prioridade apagar a imagem de fundamentalista.
Em tom conciliador, aproximou-se até de personalidades do samba, do qual agora se distancia. No cargo, primeiro, Crivella reduziu a subvenção financeira para as escolas de samba do Grupo Especial. Recentemente, anunciou o corte total do auxílio, alegando que o desfile, parte do principal evento turístico do Rio, o Carnaval, vende ingressos. O auxílio oficial agora irá para os desfiles abertos (sem cobrança de entrada) e para o carnaval de rua. Também passou a veicular na mídia anúncio em que a Prefeitura diz que o dinheiro economizado irá para refeições aos sábados para alunos da rede municipal.
Para o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, o prefeito, ao ordenar a ação na Bienal, extrapolou no método e pode até ter se prejudicado ainda mais.
"Uma coisa é se manifestar. Na medida em que tomou medidas para censurar, foi para uma postura muito mais controversa. Existe um limite. Extrapolou as atribuições de prefeito", diz o professor.
O cientista político ressalta, no entanto, que o peso eleitoral do discurso conservador não deve ser subestimado, mesmo sendo uma disputa municipal numa cidade em que problemas concretos pululam em todos os cantos. Extraoficialmente, sabe-se que o prefeito gostou da repercussão da iniciativa, inicialmente focada no livro de HQ Vingadores - A Cruzada das Crianças.
Candidaturas
O prefeito é, por enquanto, um dos poucos candidatos a se apresentar com clareza na disputa. No campo oposto, está o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), derrotado por Crivella no segundo turno de 2016.
Visto como candidato forte, pela votação em 2018 e pelo recall dos votos que recebeu em 2016, o deputado do PSOL aproveitou o episódio da Bienal para concentrar a produção de conteúdo de suas redes sociais em críticas. Há também memes que repudiam Crivella e o questionam sobre os problemas reais da cidade.
Outro possível candidato, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), tem destino incerto na disputa. Apesar de não ter admitido abertamente a candidatura, Paes é visto por rivais como um adversário forte. Mesmo derrotado na eleição para o governo estadual, ele ganhou de Wilson Witzel na capital. Fala-se em uma possível aliança do DEM com o PSDB, comandado no Rio pelo empresário Paulo Marinho. Os tucanos anunciaram a pré-candidatura de Mariana Ribas, ex-secretária municipal de Cultura, desconhecida do eleitorado.