A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de condicionar o compartilhamento de dados de órgãos do governo à prévia autorização judicial já provoca efeitos em casos em andamento na Justiça. Em Santa Catarina, advogados de investigados na Operação Alcatraz, que apura desvio de recursos públicos em licitações, apresentaram pedido para suspender ou anular os processos. Procuradores da República também falam em prejuízo para investigações que envolvem crimes relacionados a tráfico de drogas e ao crime organizado, e não só os ligados à corrupção.
Ao atender a pedido feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Toffoli suspendeu provisoriamente todos os processos no País em que houve compartilhamento de dados fiscais e bancários com investigadores sem autorização prévia da Justiça. A decisão atinge apurações em que o Ministério Público utilizou dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) - como é o caso do filho do presidente Jair Bolsonaro, investigado no Rio por supostas irregularidades quando ocupava uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado.
A Alcatraz foi deflagrada em maio. Até o momento, pelo menos 18 pessoas foram denunciadas e oito estão presas na operação, que apura suposta organização criminosa para fraudar processos licitatórios na Secretaria de Administração e na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. Recentemente, a Justiça Federal concedeu mais prazo para a Polícia Federal concluir nova etapa do inquérito que pode gerar novos indiciamentos.
Ainda na noite de terça-feira, advogados dos investigados entraram com pedidos na Justiça Federal em Santa Catarina e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, pedindo a revisão dos processos, à luz da decisão de Toffoli. Um dos pedidos de suspensão foi feito pelo presidente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Júlio Garcia. Apesar de não figurar entre os indiciados, ele foi alvo de mandado de busca e é tratado como investigado. A assessoria de Garcia informou que o entendimento da defesa é o mesmo de Toffoli, e que o presidente da Assembleia teve sigilo quebrado sem autorização judicial, além de ter sido alvo de escutas.
João de Deus
A defesa do médium João Teixeira de Farias, o João de Deus, também considera que a decisão abre margem para "questionamento". Réu em oito processos por violência sexual contra quase uma centena de mulheres e preso há sete meses no complexo penitenciário de Aparecida de Goiânia, João de Deus é suspeito ainda de construir um "império" por meio da extorsão de fiéis, lavagem de dinheiro e prática de crimes contra o sistema financeiro nacional. Um relatório feito pela força-tarefa que investiga o caso aponta João de Deus como chefe de uma organização criminosa.
"Num caso houve informação direta do Coaf para o Ministério Público e pode gerar questionamento", disse o advogado Alberto Toron, que comanda a defesa do médium. Segundo ele, cabe questionamento no caso que apura lavagem de dinheiro - em parte, sustentada em relatórios do Coaf. "Penso que apenas em relação ao que apura a lavagem."
'Temerário'
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, a decisão do presidente do STF foi tomada no escopo de um recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público Federal contra a absolvição de sócios de um posto de gasolina em Americana, no interior paulista, acusados de sonegação fiscal. O caso teve "repercussão geral" reconhecida no ano passado (ou seja, o que o plenário do Supremo determinar valerá para todos os casos semelhantes no País) e seu julgamento está marcado para novembro. Até lá, todos os processos alvo da decisão seguem suspensos.
Na decisão, Toffoli disse que o Ministério Público "vem promovendo procedimentos de investigação criminal (PIC) sem supervisão judicial", o que ele chamou de "temerário" do ponto de vista das garantias institucionais. Além do Coaf, a sentença atinge casos em que houve compartilhamento de dados da Receita e do Banco Central.
Em desacordo com Toffoli, as forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio divulgaram nesta quarta-feira, 17, nota conjunta para falar em "risco à segurança jurídica do trabalho", enquanto a Procuradoria-Geral da República vê risco de o Brasil sofrer sanções internacionais (mais informações na pág. A6). O Ministério Público do Rio apresentou recurso ao Supremo para ser ouvido sobre o caso envolvendo diretamente Flávio Bolsonaro (mais informações nesta página). Já em São Paulo, foi criado grupo para levantar quantos e quais inquéritos no Estado serão afetados pela decisão de Toffoli.
"Isso tudo tem um alcance muito grande, pode afetar todas as investigações que envolvem lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas, tráfico de drogas e pessoas e o crime organizado das mais variadas formas, inclusive o PCC", afirmou o chefe do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Smanio, em referência à maior facção criminosa do País.
"O que preocupa mais são esses quatro meses em que vamos ter de esperar a decisão final do Supremo. Vamos ter de parar tudo por quatro meses e depois ver se pode continuar", disse Smanio, para quem a decisão de Toffoli foi muito ampla. "Não conheço esse caso concreto do Rio (investigação de Flávio Bolsonaro). Estou me manifestando sobre essa decisão, que trava um instrumento importante de todas as investigações." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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