A decisão do presidente Jair Bolsonaro de permitir ao Exército voltar a ter aviões provocou reação de integrantes da Força Aérea Brasileira (FAB). Brigadeiros ouvidos pelo Estadão criticam "a oportunidade da medida", um período de crise econômica, em que as verbas para a Defesa são escassas. Também alegam que a medida pode afetar a operação conjunta das duas Forças.
Foi por meio do decreto 10.386, publicado no dia 2, que Bolsonaro e o ministro da defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, concederam ao Exército, após 79 anos, o direito de voltar a ter aeronaves de asa fixa. Até então, decreto de 1986 permitia ao Exército operar apenas helicópteros. "O problema não é o Exército ter sua aviação, mas o momento da decisão, que não é oportuno", afirmou o tenente-brigadeiro-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM).
Os custos de manutenção de uma aviação são considerados altos. Os brigadeiros ouvidos pelo Estadão citam o exemplo da Marinha, que depois de décadas de disputas com a FAB obteve o direito de operar aviões em seu porta-aviões São Paulo. Depois que o navio aeródromo foi aposentado pela Força, a aviação de caça naval, com duas dezenas de A-4 Skyhawk, ficou sediada em terra, na base de São Pedro da Aldeia, no Rio.
Das três Forças, os integrantes da FAB são os que têm se mostrado mais distantes das polêmicas do governo. Em um ministério repleto de generais e almirantes, nenhum brigadeiro ocupa cargo na Esplanada. Apenas um coronel da Aeronáutica - o astronauta Marcos Pontes - é ministro (Ciência e Tecnologia). E vê seu cargo em risco diante das negociações de Bolsonaro com partidos do Centrão. Dos presidentes de clubes militares, só o da Aeronáutica, o brigadeiro Marco Carballo Perez, não se manifestou em apoio ao presidente contra recentes ações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Um coronel da FAB, que pediu anonimato, reclamou dos termos abrangentes do decreto presidencial, que permitiram no futuro o Exército e ter qualquer tipo de aeronave, não só as de transporte de tropa. Ferolla afirmou que não se opor à ideia de o Exército ter aviação de asa fixa. O brigadeiro, hoje na reserva, esteve entre os oficiais responsáveis por ajudar o Exército a montar sua base de helicópteros, na sede da Aviação do Exército, em Taubaté (SP). O episódio encerrou então uma disputa de quase vinte anos, desde que o Exército buscara em 1969 pela primeira vez comprar helicópteros Bell H-1H.
Prazo
Com a decisão de criar a tropa aeromóvel, o Exército foi autorizado em 1986 por decreto a ter helicóptero - decreto que Bolsonaro alterou. " Hoje, o Exército é o maior operador do País de aeronaves de asas rotativa", disse o deputado federal, general Roberto Peternelli (PSL-SP), que comandou a Aviação do Exército. Segundo ele, a intenção da Força - que contaria com a concordância dos comandos da Marinha e da Aeronáutica - é usar aeronaves em apoio logístico na Amazônia. "Muitas vezes a FAB tem prioridade distintas. E pode ser necessário o Exército fazer evacuação aeromédica."
Não é a curto prazo que a aviação do Exército vai operar aeronaves de asa fixa, seus próprios cargueiros leves, para cumprir missões na linha de fronteira, da Amazônia principalmente. A primeira reunião do grupo técnico que cuida do programa está prevista para a segunda metade de julho. Só depois começará o processo de definições. Segundo um general ouvido pelo Estadão, todas as especificações devem ser revistas. O decreto que permite à Força Terrestre empregar aviões determina também que a Aeronáutica e a Marinha cooperem com a reestruturação. Recentemente, o tema passou pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, quando o general Alberto Santos Cruz era assessor especial da pasta. O plano foi exposto em uma reunião no Comando da Aeronáutica. A demanda do Exército era por maior autonomia e pronta resposta nas tarefas que exigem transporte aéreo.
"A FAB argumentou que bastava que fosse feito um aporte de dinheiro na sua infraestrutura logística para aumentar a disponibilidade dos meios", lembra um brigadeiro, ex-integrante do Alto Comando. Em 2018, foi anunciada a intenção de compra de oito aviões Sherpa Short C-23, bimotores modernizados. Podem transportar 3,5 toneladas de carga ou 30 passageiros. Desmobilizados do Exército americano, seriam financiados por meio de operação de crédito do governo dos EUA de valor não revelado. O Exército não confirma o cronograma de entregas. O Estadão procurou o Ministério da Defesa, mas a pasta não se manifestou.