Uma fotografia, a primeira, publicada em 14 de junho de 2021, mostrava o espírito do mais novo oficial tuiteiro do governo de Jair Bolsonaro. "As Forças Armadas são uma grande família a serviço da Pátria e assim vão permanecer até o fim dos tempos; sempre estarão unidas sob a direção do ministro da Defesa. Que ninguém se engane!" A imagem estava na então recém-aberta conta do Twitter do almirante Almir Garnier dos Santos, nomeado dois meses antes para comandar a Marinha.
Na foto, além do próprio marinheiro, estavam o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, futuro candidato à vice-presidência na chapa de Jair Bolsonaro (PL), o então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Júnior. Os quatro formaram a cúpula militar depois da crise que levou o presidente à demissão dos chefes anteriores, em março de 2021. Todos iriam desempenhar papéis importantes em outra crise: a que se seguiu à derrota do chefe nas eleições de 2022.
As FA são uma grande família, a serviço da Pátria, desde o Império e assim continuarão a ser até o fim dos tempos.
Sempre estarão unidas, sob a direção do ministro da defesa, q ninguém se engane!
Viva a Marinha de Tamandaré, o Exército de Caxias e a Força Aérea de Eduardo Gomes! pic.twitter.com/KUC1wPevAD
— Almirante Garnier (@AlmirantGarnier) June 14, 2021
Braga Netto buscava manter o ânimo dos militantes bolsonaristas após a derrota. Paulo Sérgio, promovido a ministro da Defesa, pilotava a tarefa de "fiscalizar as urnas eletrônicas", enquanto Baptista Júnior tivera a ideia de entregar o cargo ao seu sucesso antes da posse do presidente eleito - acabou sendo demovido da ideia. E Garnier? Qual o papel ocupado pelo comandante da Marinha? A delação do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid aponta que ao almirante coube o papel de garantir a prontidão de suas tropas para um golpe.
Mas quem era o almirante Garnier, o homem que, segundo o chefe da Ajudância de Ordens de Bolsonaro se dispunha a enfiar a Força naval naquilo que o atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, classificou como "uma aventura maluca"? Com que tropas, questionou o comandante da Força Terrestre, o almirante esperava contar para a intentona bolsonarista?
Tomás já criticava Garnier muito antes de a delação de Cid se tornar conhecida. O general nunca perdeu de vista o episódio que ele qualificava como "ridículo": o desfile de carros de combate SK-105 Kürassier e dos CLAnf (Carro Lagarta Anfíbio) AAV-7A1 do Corpo de Fuzileiros Navais pela Esplanada dos Ministérios no dia 10 de agosto de 2021, quando a Câmara dos Deputados ia votar a proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Voto Impresso, que acabou derrotada.
Proposto a Bolsonaro pelo almirante, o desfile foi, segundo os líderes da então oposição, um dos principais episódios de ameaças às instituições registradas no governo anterior. "Foi só uma coincidência de datas", afirmou então Garnier. "Uma infeliz coincidência", afirmou então o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
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Após os eventos do dia 8, o clima azedou de vez na Marinha. Dois ex-comandantes da Força - Ilques Barbosa e Eduardo Leal Ferreira - deixaram os grupos de WhatsApp com seus colegas almirantes em razão das discussões políticas. "Quem faz a opção pela violência, armada ou não, sempre perde", escreveu Ilques. Ao deixar o serviço ativo, Garnier mergulhou no silêncio. Fez apenas nove publicações desde então, parte delas depois de ser dispensado do conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex) por Lula.
Nesta sexta-feira, dia 21, o almirante completará 63 anos. Antes teve tempo para ler a nota divulgada pela Marinha em que a Força afirmou "que eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força e que permanece à disposição da Justiça para contribuir integralmente com as investigações". A grande família comemorada por Garnier na rede social parece se distanciar do almirante.