Delação desmentida pela PF pode incriminar Palocci

Ex-ministro não forneceu provas das acusações contra o ex-presidente Lula, concluiu a investigação

17 ago 2020 - 16h19
(atualizado às 16h25)

O relatório da Polícia Federal concluído na terça, 11, que desmente informações dadas pelo ex-ministro Antônio Palocci em delação premiada deve justificar o arquivamento da investigação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pode complicar a situação do delator. Esta é a avaliação de juristas ouvidos pelo Estadão a respeito do andamento do processo envolvendo suposta ocultação de R$ 15 milhões atribuídos por Palocci a Lula em contas no Banco BTG Pactual.

Delação desmentida pela PF pode incriminar Palocci
Delação desmentida pela PF pode incriminar Palocci
Foto: Giuliano Gomes / Estadão Conteúdo

No documento enviado ao Ministério Público Federal, o delegado da PF Marcelo Feres Daher diz que as afirmações feitas pelo delator "foram desmentidas por todas testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça" e "parecem todas terem sido encontradas em pesquisas na internet". "O MPF pode pedir arquivamento, pedir diligências ou denunciar, mas isso se apresenta improvável ante à míngua de indícios", explica o advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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Para a especialista em direito administrativo e penal Cecilia Mello, que atuou por 14 anos como juíza federal no Tribunal Regional Federal da 3ª região, as investigações abertas com base na delação de Palocci devem ser arquivadas. "Devem ser arquivadas se não existirem provas mínimas a justificar o prosseguimento das investigações quanto a esses fatos."

Ela explica que a efetividade de uma delação enquanto prova dentro de um processo é aferida diante da veracidade e comprovação dos elementos fornecidos pelo colaborador. Só com a obtenção da chamada "justa causa", a comprovação do que foi delatado, é que a denúncia poderia ser feita, em seu entendimento. "O contrário disso, além de afrontar todo o nosso sistema penal acusatório, colocaria em risco a própria delação, deixando na esfera de interesse do colaborador o direcionamento de investigações e ações penais contra terceiros por ele delatados. Se não há elementos mínimos a lastrear o quanto foi delatado, a conclusão é a falta de efetividade da delação em relação a esses fatos."

Já para o criminalista Gustavo Neves Forte, professor de direito penal e econômico, o fato de ter tido sua delação "desmentida" pode prejudicar Palocci. "Quando se comprova que o colaborador mente ao formular suas acusações, como indica a conclusão alcançada pela Polícia Federal, mais que não receber os benefícios acordados, o colaborador deve responder pelo crime de imputação falsa de prática penal sob o pretexto de colaboração (artigo 19 da Lei 12.850/13, com pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa). "É um importante alerta que deve ser observado nas outras tantas investigações iniciadas com base na palavra do delator."

Forte elogia o trabalho de checagem da PF e lembra que a confirmação da veracidade da palavra do delator é um dos elementos para obtenção dos benefícios dentro do acordo. "A lei exige que a colaboração tenha resultado, como a identificação de partícipes da organização criminosa e dos crimes por eles praticados, recuperação do produto do crime, dentre outros. É exemplar a atuação da Polícia Federal ao fazer o exame criterioso das acusações. O colaborador é criminoso confesso que busca, com a delação, a redução ou a isenção de sua pena. Por isso, sua palavra é duvidosa e deve ser analisada sempre com redobrada cautela."

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Palocci foi preso em setembro de 2016, na Operação Omertà, desdobramento da Lava Jato. Condenado pelo então juiz federal Sérgio Moro a 12 anos e 2 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e acuado por outras investigações da Lava Jato, Palocci fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal no Paraná - a força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba se opôs ao acordo.

A investigação envolvia o trecho da delação de Palocci na qual o ex-ministro afirmou que, a partir de fevereiro de 2011, o banqueiro André Santos Esteves "teria passado a ser o responsável por movimentar e ocultar valores supostamente recebidos por Lula, a título de corrupção e caixa dois, em contas bancárias abertas e mantidas no Banco BTG Pactual, em nome de terceiros".

Lula não foi indiciado neste processo. Em abril de 2019, enquanto ainda estava preso em Curitiba após condenação no caso do triplex no Guarujá, ele foi intimado a depor, mas se manteve calado. O banco foi alvo da Operação Estrela Cadente em outubro de 2019. Palocci alegou ainda que havia suposto esquema de vazamento de informações privilegiadas sobre alterações da taxa básica de juros, a Selic, envolvendo André Esteves e o ex-ministro Guido Mantega (Fazenda/Governos Lula e Dilma). Segundo o delator, o banqueiro teria então realizado "diversas operações no mercado financeiro, obtendo lucros muito acima da média dos outros operadores financeiros". Os lucros seriam advindos do Fundo Bintang, administrado pelo PTG Pactual, criado em 2010.

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