Delator entrega áudios ao MPF sobre pagamento 'religioso' de propinas a ex-prefeito de Canoas

22 out 2024 - 18h31

Áudios entregues por um delator ao Ministério Público Federal lançam suspeitas sobre o ex-prefeito de Canoas, na Grande Porto Alegre, Luiz Carlos Busato - atual deputado federal e presidente do União Brasil no Rio Grande do Sul - em um esquema de propinas. Nas gravações, Busato pede o pagamento "religioso", mensal, de uma parte de propinas e reclama de uma proposta para a quitação de outros valores em 30 parcelas. "Trinta meses não tem como. Acho que não tem condições de pagar os R$ 3,9 milhões, até concordo contigo, agora vamos ser mais coerentes."

Em nota, o deputado afirma que a gravação tem "origem desconhecida e conteúdo falso" a respeito de um processo em que não é citado ou sequer é réu. "Contratamos advogados e estamos estudando todas medidas cabíveis para tratar na Justiça deste tema que surge, curiosamente, na última semana da eleição", afirma.

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O filho de Busato, Rodrigo, é candidato a vice-prefeito de Canoas. Airton Souza (PL) é o candidato a prefeito.

Os áudios foram entregues à Procuradoria pelo médico Cassio Souto Santos, ex-diretor do Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública, entidade que mantinha contrato com a prefeitura de Canoas na gestão Busato. Ele foi preso em 2018, alvo principal de uma operação do Ministério Público gaúcho contra desvios em um contrato de R$ 1 bilhão da área da saúde de Canoas.

Cassio fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, homologado pelo Superior Tribunal de Justiça, Corte que detém competência para processar investigados com foro privilegiado. É no bojo dessa colaboração que os áudios que citam Busato foram apresentados à Justiça. As gravações foram feitas pelo próprio Cassio durante encontros que teve com o então prefeito.

Nos áudios, Busato pede a Cassio que "cumpra o que é mais sagrado" entre eles: o "nosso compromisso". Os dois tratam do suposto pagamento de propinas que o médico estaria devendo. Cassio sinaliza que só poderia pagar os valores após receber valores correspondentes a 'outras dívidas'.

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Nos áudios também é citado o então chefe de gabinete de Busato, Germano Dalla Valentina.

"Quando nós chegamos na situação da dívida, lá, diretamente com o Germano, o que que nós falamos aí. Germano, estava para sair, praticamente, eu sei que depender do banco. Eu preciso, para que eu possa terminar de zerar com vocês, nós tínhamos feito a conta, estava faltando R$3.900.000 ou alguma coisa assim. Eu preciso receber as dívidas para isso estar resolvido", diz Cassio em uma gravação.

Busato tenta mostrar empatia com o médico. "Então, o que eu enxergo, Cassio? Eu sei que tu está falando me pagar a dívida, não foi isso que eu acertei com o Germano, não foi isso que eu mandei acertar com você. Eu autorizei aumentar pra que você tivesse um fôlego, parasse o problema também porque o que atinge vocês, atinge nós. Nós somos parceiros, nós estamos aqui, nós somos dois irmãos. Os caras te cravam um prego no teu ombro, dói em mim, aqui também no meu."

No mesmo diálogo, Busato cobra o pagamento "religioso" do que os investigadores suspeitam ser um mensalinho. "Em torno de mais ou menos 800 é o do mês. Isso é religioso para resolver daqui para frente. O do mês é certo, nem vou botar número aqui. Isso vai ser religioso. É combinado", diz.

Em seguida, eles passam a tratar do pagamento de outros montantes devidos. "Eu entendo, viu Cassio, que vocês não têm condições de pegar R$ 3,9 milhões. Oh tá aqui e vamos partir. Porque até não sei se, já que passamos vários meses 16 e pouco, 16 e pouco, 16 e pouco de repente entrou R$ 3 milhões e pouco talvez até tenha condições."

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"O que que o Xaxá (secretário Alexandre Bittencourt) vem me trazer e o Germano: 'não, o cara se comprometeu'. Então, de agora, em diante, ele vai pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, se não esse troço vira uma bola de neve, não tem mais como buscar. E propor pagar em 30 parcelas 120. Eu disse não. 30 meses não tem como. Cassio acho que não tem condições de pagar os R$ 3,9 mi até concordo contigo, agora vamos ser mais coerentes", afirma o ex-prefeito em outro trecho da conversa.

"Vamos espichar. O Germano propôs quatro vezes, talvez quatro vezes seja realmente uma coisa meia pesada, mas vamos chegar num número que dê pra fazer. Eu sei que vai ter que ter um pouquinho de sacrifício, vai, mas porra, nós também tivemos boa vontade e aumentamos de 16 pra 21. É isso que quero tentar acertar contigo numa boa. Não dá em quatro meses, mas também não dá para ser em 30. Acertar 6 meses, 8, 10 meses...", insistiu.

A negociação sobre as parcelas seguiu. Busato se revela incomodado. "Em vez de 30, o que tu consegue fazer? Tu vai me dizer, não, consigo fazer 20. Independente do pagamento da dívida dos 30 e poucos, o que que tu consegue fazer. O que além do mês tu consegue colocar?".

A resposta de Cassio não foi promissora. "Prefeito é muita coisa, eu não consigo. Eu preciso receber a dívida até mesmo porque eu tenho parceiro na operação, fica arriscado, não dá."

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Nos áudios aos quais o Estadão teve acesso, Busato diz que "não pode ficar aqui a cada peido da Polícia Federal", em suposta referência a quebras no cronograma dos pagamentos, e trata da operacionalização dos repasses, inclusive citando o transporte das supostas propinas em um avião.

"Só que agora nós temos que ter uma segurança. É, eu, sinceramente, eu estou assustado, estou assustado, não é só isso aqui não. Está muito complicado. Você imagina, você bota 800 reais dentro de um avião, e me pegam com o avião", afirmou.

Busato diz que o "caminho" é através de "terceiros" ou de "compras", "algo dessa maneira".

COM A PALAVRA, LUIZ CARLO BUSATO

Trata-se de uma gravação de origem desconhecida e de conteúdo falso a respeito de um processo em que não sou citado e não sou réu. Já contratamos advogados e estamos estudando todas medidas cabíveis para tratar na Justiça deste tema que surge, curiosamente, na última semana da eleição.

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COM A PALAVRA, CÁSSIO SOUTO SANTOS

Até a publicação deste texto, reportagem buscou contato com a defesa do delator, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.

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