Impeachment, terceirização, redução da maioridade penal, ajuste fiscal, crise econômica e política. Os temas que recheiam há semanas os noticiários político e policial do País foram apresentados nesta segunda-feira também por empresários de São Paulo em almoço oferecido ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O peemedebista falou sem melindres sobre todos os tópicos – menos sobre a denúncia de que teria recebido US$ 5 milhões em propina no escândalo da Lava Jato, que trata de esquemas de corrupção na Petrobras. Não foi para menos: aplaudido em mais de uma ocasião, Cunha em nenhum momento foi perguntado diretamente a respeito do assunto pela plateia de 502 nomes da grande indústria.
O presidente da Câmara foi o convidado de honra para uma palestra sobre “democracia participativa e relação com a sociedade civil” organizada pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide) – entidade que congrega empresas brasileiras e multinacionais com faturamento igual ou superior a R$ 200 milhões ao ano. O evento aconteceu em um hotel de luxo na zona sul de São Paulo e teve protesto, na chegada e na saída de Cunha, pedindo que ele se afastasse da Presidência da Casa.
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Antes da apresentação de Cunha, o presidente do Lide e mestre de cerimônias do evento, o empresário João Dória Júnior, salientou a “posição muito inovadora” e as “transformações que (Cunha) tem procurado realizar” como presidente da Câmara – isso depois de pontuar que “em nenhum momento” o setor conseguiu “sorrir” ou se sentiu “tranquilo” com o governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Em seguida, o empresário citou a quantidade de presentes – "502 empresários e 72 profissionais de imprensa, nosso recorde histórico” – e garantiu: “nenhum tipo de censura” seria admitido nas perguntas ao deputado.
“Não costumo reagir colocando a cabeça debaixo do buraco. A história não reserva lugar para os covardes – não serão acusações falsas que vão constranger meu exercício no comando da Câmara”, devolveu Cunha, sem citar a que denúncia se referia.
"Fui vítima de uma violência com as digitais definidas"
A menção mais próxima do peemedebista sobre a denúncia foi feita ao ser questionado se ele se sentia “arrependido” de ter rompido com Dilma – medida tomada pelo parlamentar assim que veio a público a denúncia do ex-consultor da Toyo Setal Júlio Camargo, um dos delatores do esquema de corrupção que atuava na Petrobras -, mas não ter sido acompanhado pela cúpula do PMDB. A pergunta partiu do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Paulo, Luiz D’Urso, filiado ao PTB, que citara ainda “a proliferação de delações premiadas” e sugerira mudanças no dispositivo.
“Cada um tem seu posicionamento, cada um tem sua ética partidária e sua lógica de ver o processo. Não fui eleito [presidente da Câmara] para todo mundo acompanhar meus posicionamentos pessoais. Não queria convencer ninguém a me seguir, ia trabalhar pela minha militância pessoal”, afirmou, lembrando que 41% do PMDB foi contra o apoio à aliança com o PT na convenção das eleições de 2014. “Acho que a maioria hoje tem uma posição contra a manutenção da aliança”, disse, para completar: “Fui vítima de uma violência com as digitais definidas -- não poderia me acovardar”. “Digitais de quem?”, quis saber Dória Júnior. “Isso é publico. Houve interferência do poder executivo (na denúncia do delator)”, encerrou.
Na entrevista coletiva após o almoço com os empresários, o deputado se recusou a responder perguntas sobre sua situação na operação Lava Jato – pediu que elas fossem apresentadas a seu advogado, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando Souza.
Redução da maioridade: "Por que será que causa tanta polêmica?"
Discussões comandadas pelo peemedebista e que reacenderam polêmicas na sociedade civil, o projeto de lei 4330, que regulamenta as terceirizações, e a proposta de emenda à Constituição 171, que trata da redução da maioridade penal, foram tratados com naturalidade pelo convidado.
Sobre o PL, classificou a polêmica como “disputa sindical”. “O que foi feito é simplesmente a regulamentação de direitos dos trabalhadores terceirizados”, citou. “Os sindicatos estão brigando por dinheiro – querem manter o caixa para q possam fazer política em detrimento da regulamentação do direito do trabalhador”, definiu.
Sobre a redução da maioridade, declarou ver “com espanto tanta crítica” sobre o tema. “Em caso de crime hediondo, a maioridade penal varia entre 16 a 18 anos nos Estados Unidos; na França, é de 13 anos. Na América do Sul, só aqui e na Colômbia está em 18 anos. Então por que será que causa tanta polêmica?”, indagou.
Movimento antiDilma pergunta se há "clima para impeachment"
Entre os convidados, além de empresários, estavam também participantes do movimento Acorda Brasil – que foi às ruas, em março e abril, nos protestos antiDilma. O grupo quis saber de Cunha se há “clima hoje para o processo de impeachment da presidente”.
“Isso não pode ser tratado como recurso eleitoral”, reagiu, para explicar, em seguida, que o impeachment “é um processo muito complexo” e que “tem que ter seus fundamentos, tem que ter base legal”. “Mas claro que a decisão é política”, comentou. “Vou tratar [todos os pedidos que chegarem] de forma técnica, conforme mandam a Constituição e o regimento da Casa”.
Apesar de não ser perguntado diretamente sobre a acusação de que teria recebido propina, Cunha voltou ao tema não diretamente ao recusar qualquer possibilidade de se afastar do comando da Câmara até que o caso seja apurado.
“Não podemos achar que, nesse momento grave, a Presidência da Câmara cometerá qualquer tipo de irresponsabilidade”, afirmou. “'Pauta-bomba' [após o recesso]? Esqueçam, não está no nosso horizonte fazer com que esse país incendeie por conta de minha posição pessoal, não tenho esse direito. Mas não vou me afastar um milímetro, vou cumprir todos os compromissos que assumi na campanha”, concluiu o parlamentar, para quem “o parlamento não pode ser incendiário em um processo em que o problema é de falta de confiança”.
Cunha ainda diria aos empresários que as CPIs do BNDES e dos fundos de pensão são algumas – “ainda tem muita CPI pela frente” – e ouviria, na coletiva, a pergunta sobre se ele “acredita ser o homem capaz de abalar as estruturas do governo”. “Não cabe a mim nem abalar, nem garantir – o governo tem que se garantir por seus gestos e por sua base”, encerrou.