Arquivado no fim da legislatura passada, o projeto do Estatuto da Família, que proíbe a adoção de crianças por casais gays, será analisado novamente pelos deputados neste semestre. No intervalo de uma semana, a proposta saiu do arquivo e foi direcionada para uma comissão especial, que terá a tarefa de votar a matéria de forma conclusiva. Ou seja, se aprovada, segue direto para o Senado sem passar pelo plenário da Câmara.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), autorizou nesta quarta-feira (11) - dois dias depois de o projeto ser desarquivado - a criação de uma comissão especial para analisar o Estatuto da Família. O próximo passo para a apreciação da proposta é a indicação dos membros do colegiado pelos líderes partidários, o que deve ocorrer na semana seguinte ao carnaval.
Como o regimento interno da Casa permite que a matéria saída do arquivo retome a tramitação de onde parou, o Estatuto pode ser colocado direto em votação. Em dezembro, deputados contrários ao relatório do deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF) conseguiram adiar a apreciação na comissão. Com o fim da legislatura, o projeto acabou arquivado. No parecer, Fonseca defendia que casais de "mero afeto", como ele chama as relações homoafetivas, não possam adotar crianças.
Por ter sido o relator no ano passado, Fonseca deve ser reconduzido à função. "Eu quero trabalhar o mais rápido possível, vou reivindicar a relatoria", adiantou o deputado brasiliense ao Terra. No entanto, para o deputado brasiliense, que é pastor da Igreja Assembleia de Deus, retomar a relatoria, os líderes precisam indicar os parlamentares para formar a nova comissão.
No ato em que determinou a criação do colegiado, Cunha determinou que 27 membros titulares e outros 27 suplentes formem o colegiado. Este processo pode atrasar por causa do carnaval e da postura de partidos contrários ao Estatuto da Família, como PT, PCdoB e Psol.
Reação
Uma das deputadas que fez parte da comissão encerrada em dezembro, Erika Kokay (PT-DF) disse que o trabalho será de impedir que o texto seja votado na comissão. A tarefa não deve ser fácil. No ano passado, o grupo contrário ao relatório acabou beneficiado pelo fim da legislatura, pela crise na base aliada e pela baixa presença de deputados em plenário, o que acabou aumentando os prazos para vista e cancelando sessões.
Porém, a partir deste ano, o Congresso será mais conservador socialmente falando, segundo a 6ª edição do estudo Radiografia do Novo Congresso. Publicado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o documento aponta a não reeleição de deputados ligados aos direitos humanos e a eleição de integrantes da bancadas religiosas como entraves para análise de projetos que beneficiem o setor LGBT.
Mesmo neste cenário, a petista garante que a tática será a mesma. "Vamos fazer a tática regimental", adiantou ao Terra. Uma das possibilidades para atrasar a votação será a apresentação de um requerimento para tirar o caráter conclusivo da matéria, o que garante a ida ao Senado sem passar pelo plenário. "O projeto é um absurdo, parece algo saído do século 17", avaliou a petista.
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Fonseca não se intimida com as críticas. Diz que o país vive uma democracia e que o Parlamento é o "lugar do debate, do contraditório". Ele reconhece que o tema é polêmico - em especial a proibição da adoção -, mas que precisa ser votado pela Câmara. "Vamos ver quem vai ter mais votos", concluiu.
Relatório
No substitutivo ao projeto apresentado originalmente pelo deputado Anderson Ferreira (PP-PE) no em 2013, o parlamentar do Distrito Federal define como família o casamento ou união estável entre homens e mulheres e seus descendentes. Desta maneira, ele tira de casais gays a possibilidade de terem os mesmos direitos de heterossexuais.
Na prática, o substitutivo de Fonseca modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para remeter à Constituição como deve ser a adoção. O texto torna "indispensável" que as pessoas interessadas em adotar sejam “casados civilmente ou mantenham união estável, constituída nos termos do art. 226 da Constituição Federal, comprovada a estabilidade da família”. Como hoje não existe uma legislação específica sobre isso - casais gays têm conseguido o direito na Justiça -, a aprovação do projeto acaba introduzindo a proibição na legislação brasileira.
“Nesse sentido, não podemos subordinar as crianças a obterem adoção que cristalize a impossibilidade de suprirem o trauma da perda e falta de convívio com seu pai e sua mãe. Nas relações de mero afeto, sobretudo nas que as pessoas que a compõe forem de mesmo sexo, a criança que sob essa hipótese fosse adotada passaria a ter de maneira irremediável a ausência da figura do pai, ou da mãe”, argumentou o deputado no parecer apresentado no ano passado.