A Operação Mais Valia, aberta pela Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF) na terça-feira, 2, teve como ponto de partida informações prestadas pelo ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro Edmar Santos, em colaboração premiada homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em agosto do ano passado.
O delator revelou aos investigadores que ouviu do desembargador Marcos Pinto da Cruz, do Tribunal Regional de Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ), uma proposta de esquema de propinas envolvendo decisões judiciais favoráveis a organizações sociais da área da Saúde com dívidas trabalhistas e valores a receber do Estado a título de "restos a pagar". A ideia seria solucionar os passivos trabalhistas em troca de uma "comissão" das OSs para liberar os pagamentos, contou Edmar Santos. Caberia ao governo "arregimentar" organizações sociais para participar do suposto esquema.
"Para a organização social, ingressar no esquema criminoso era vantajoso, pois seria uma oportunidade de receber do Estado os valores a título de restos a pagar, o que, em geral, é bastante dificultoso, bem como, com sua inclusão no Plano Especial de Execução na Justiça do Trabalho, poderiam obter a certidão negativa de débitos trabalhistas, desde que mantivessem regular o pagamento mensal estabelecido no plano, o que no caso seria feito pelo próprio Estado", afirma a Procuradoria Geral da República (PGR).
Os detalhes do caso vieram a público na denúncia contra 18 pessoas apresentada pela PGR logo após a operação. As acusações recaem sobre os desembargadores Marcos Pinto da Cruz, Fernando Antonio Zorzenon da Silva, Antônio Carlos de Azevedo Rodrigues e José da Fonseca Martins Junior, presos preventivamente na ação, além de empresários, advogados e sobre o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que teria sido cooptado pelo grupo.
Registros de visitas do Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador, apreendidos na Operação Placebo, confirmam dois encontros entre Cruz e Witzel. Mensagens interceptadas pelos investigadores apontam que o desembargador chegou a se autodeclarar um "soldado" do governador afastado.
Com o andar as investigações, a PGR concluiu que o suposto esquema seria anterior ao atual governo: teria começado a operar em 2017, na gestão do ex-governador Luís Fernando Pezão, e beneficiado organizações sociais, construtoras, consórcio de transporte e empresas de tecnologia. Entre as empresas citadas na denúncia estão a Pró-Saúde, a Átrio Service, a MPE Engenharia e quatro consórcios de transporte: Transcarioca, Santa Cruz, Intersul e Internorte. A estimativa é que os desvios cheguem a R$ 16 milhões.
"Conforme está demonstrado, instaurou-se no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região uma organização criminosa, com atuação dos Desembargadores do Trabalho", diz um trecho da denúncia.
No documento, a Procuradoria Geral da República lista as acusações e detalha atribuições que teriam sido assumidas por cada desembargador no suposto esquema. Um dos pontos em comum seria o uso de familiares para operar o recebimento das propinas.
Defesas
O TRT do Rio de Janeiro se manifestou: "diante do seu compromisso com a legalidade, a presidência do TRT/RJ informa que está à disposição das autoridades no que for necessário para auxiliar nas investigações que levem ao total esclarecimento dos fatos. E que, desde a manhã desta terça-feira (2/3), está colaborando, com sua Polícia Judiciária, no atendimento dos agentes da Polícia Federal que estão no prédio-sede cumprindo cinco mandados de busca e apreensão."
A reportagem entrou em contato com os gabinetes dos desembargadores. Os assessores de Antônio Carlos de Azevedo Rodrigues e Fernando Antonio Zorzenon Da Silva informaram que não havia manifestação sobre a denúncia. Os demais não retornaram. O espaço está aberto.
Quando a Operação Mais Valia foi deflagrada, a assessoria do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, informou que ele "não tem relação com a operação de hoje e não irá se pronunciar". Após a denúncia, a reportagem entrou em contato com a defesa de Witzel e aguarda reposta.
A Pró-Saúde também se manifestou sobre o caso. "Sobre a operação deflagrada nesta terça-feira, 2/3, pela Polícia Federal em conjunto com a Procuradoria Geral da República, a Pró-Saúde, instituição filantrópica, esclarece que desde 2012 tem sido vítima da falta de repasse de recursos do governo fluminense por serviços efetivamente prestados no gerenciamento de serviços estaduais de saúde. A inadimplência gerada pelo Governo do Rio de Janeiro gerou 4.800 reclamações trabalhistas contra a entidade. Por isso, além de cobrar a administração estadual pelo recebimento dos valores, a Pró-Saúde recorreu a um escritório de advocacia respeitado em Direito do Trabalho com a finalidade de requerer junto ao Poder Judiciário, a inclusão dos débitos trabalhistas instituição no Plano Especial de Pagamento Trabalhista. O único objetivo da Pró-Saúde é tão somente liquidar a dívida perante os profissionais da saúde. A Pró-Saúde não recebeu um único centavo sequer dos valores trabalhistas atrasados. Os poucos valores pagos foram depositados diretamente nas contas dos profissionais da saúde. Portanto, nenhum recurso foi movimentado pela entidade. A Pró-Saúde também nunca pagou honorários para a senhora Eduarda Pinto da Cruz. Os valores recebidos pela advogada foram determinados pela Justiça e levantados diretamente por ela. A instituição está à inteira disposição do Ministério Público para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários."