A cúpula das 19 maiores economias mais a União Europeia (G20) costuma ser um espaço para debates primariamente econômicos, mas a edição russa deste ano promete um tom muito mais firme na área da política externa. É o que afirmam interlocutores próximos à presidente Dilma Rousseff, que chegou na noite desta terça-feira (tarde no Brasil) à cidade de São Petersburgo, que sediará o encontro de líderes do grupo.
No encontro multilateral, que também conta com a presença do presidente americano Barack Obama, Dilma deverá elevar o tom e ser assertiva quanto ao uso das estratégias de inteligência - sobretudo dos Estados Unidos - para espionar cidadãos estrangeiros.
Se o tema já prometia alguma saia justa à época da revelação de que a Agência Nacional Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos espionava e-mails e telefonemas de brasileiros, ganha mais força com a nova denúncia de que a própria presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares eram monitorados.
Em paralelo, a diplomacia brasileira aguarda uma reposta formal de Washington para que o governo declare a decisão - já encaminhada - de adiar a visita de Estado aos Estados Unidos - marcada para outubro.
O gesto diplomático demostraria o descontentamento de Brasília com a política de inteligência americana e deve ter mais peso pelo fato de uma visita de Estado ser oferecida pelos EUA apenas a um seleto grupo de líderes aliados. Segundo interlocutores do governo brasileiro, a presidente considerou o caso um afronta à soberania nacional.
Ainda não há definição sobre os encontros bilaterais que Dilma fará em São Petersburgo, mas auxiliares a par da agenda da presidente dizem que são poucas as chances de uma conversa reservada com Obama nesta semana.
Na agenda da presidente, há ainda um encontro informal do bloco emergente, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), no qual posições em comum deverão ser afinadas.
Outra saia justa que entrará na pauta dos líderes é o possível ataque unilateral dos Estados Unidos à Síria. Enquanto a Rússia se opõe de maneira declarada, países como o Brasil condenam a possibilidade de uso da força sem o respaldo do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A cúpula de líderes do G20 ocorre enquanto o congresso americano avalia a proposta de ofensiva capitaneada por Obama.
Monitoramento
Reportagem veiculada no último domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da NSA mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.
De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "Filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem os nomes dos presidentes do Brasil e do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.
O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.
Na manhã desta segunda-feira, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, foi chamado pelo ministro Luiz Alberto Figueiredo, das Relações Exteriores, para dar novas explicações sobre as denúncias de espionagem. Shannon ficou por cerca de meia hora reunido com o chanceler e saiu sem falar com a imprensa. A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília não confirmou o conteúdo da conversa, e o Itamaraty se limitou a dizer que foi firme e que Figueiredo deixou claro que o governo brasileiro não tolerará a espionagem de suas autoridades e cidadãos.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.