A ex-presidente da República Dilma Rousseff se fechou no escritório do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), na região da Expo Area, em Xangai, na China, na primeira semana de trabalho. Logo após assumir o comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Dilma recebeu autoridades do governo Luiz Inácio Lula da Silva, ouviu um pedido para reativar uma linha de financiamento voltada do agronegócio e recusou encontrar jornalistas.
Dilma recebeu nesta sexta-feira, dia 30, para um almoço o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), Jorge Viana. Eles conversaram por cerca de duas horas. Ao fim, Viana disse que levou a ela um apelo para retomar a oferta de crédito a juros mais baixos para o setor do agronegócio.
O banco oferecia cerca de U$ 200 milhões para financiamentos com juros de 7%, mas, segundo ele, esses recursos se esgotaram. O presidente da Apex pleiteou que, se a linha de crédito for reativada, possa ter de U$ 500 milhões a U$ 1 bilhão disponíveis. Esse é um pedido também do Ministério da Agricultura.
"Conversei com a presidente Dilma para que a gente busque ampliar ou trazer de volta uma carteira que o banco dos Brics tinha para o agronegócio brasileiro. O banco emprestou U$ 200 milhões, mas esse crédito já findou. Nossa intenção é que venha um investimento de mais que o dobro, que possa passar de U$ 500 milhões", afirmou Jorge Viana, segundo quem o banco pode financiar projetos que auxiliem na reindustrialização do País.
O pedido ocorreu dias depois de o presidente da Apex passar a ser questionado por entidades do agronegócio, por causa de uma declaração em Pequim, a favor de que a realidade sobre o desmatamento na Amazônia não seja omitida no exterior, mas sim debatida de forma transparente. O teor da fala desagradou entidades representativas, que reclamaram formalmente ao governo por meio de ofícios a ministros, entre eles o vice-presidente Geraldo Alkmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
Além dele, estiveram no banco para falar com Dilma servidores de segundo escalão do governo, que permaneceram na China em agenda de trabalho, apesar do cancelamento da visita de Estado de Lula ao presidente Xi Jinping. A ex-presidente esteve com os diplomatas Murilo Komniski, da Assessoria Internacional da Secretaria de Relações Institucionais, e Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.
Como a viagem foi adiada, a solenidade de posse de Dilma como presidente também ficou para depois, embora ela tenha começado a trabalhar presencialmente. Lula deve participar da cerimônia quando reagendar a visita de Estado. Apesar dos apelos para que recebesse jornalistas brasileiros, Dilma não quis conversa. A reportagem do Estadão esteve duas vezes no edifício, mas o banco informou que não haveria disponibilidade na agenda da presidente. Em um dos dias, funcionários disseram que ela tinha compromissos externos. A agenda não é pública.
Dilma é a primeira mulher brasileira e ex-chefe de Estado a comandar um banco multilateral, como representante do governo. Indicada por Lula, ela ficará no cargo até julho de 2025.
Sete anos depois de ter sido cassada pelo Congresso, Dilma voltou a exercer um cargo público e terá pela frente um período conturbado no NDB. Um dos sócios do banco, a Rússia, está com as transações de empréstimo e captação de recursos bloqueada há um ano, por causa da invasão ordenada pelo presidente Vladimir Putin na Ucrânia. Um dos desafios será avançar nas práticas de governança do NDB. Apesar de ter sido criado com parâmetros similares ao do Banco Mundial, inclusive para definição do salário, o banco dos BRICS não tem como política de transparência divulgar a remuneração exata de quem exerce a presidência. São cerca de U$ 500 mil líquidos por ano para a presidente, segundo fontes com conhecimento da estrutura remuneratória.
Dilma ainda tem direito a comodidades típicas de executivos, como motorista, segurança. O NDB oferece ainda subsídio para custear a mudança à China e para compra de bilhetes aéreos em viagens de visita à família no Brasil. Esses benefícios também são oferecidos aos demais funcionários.
Nos primeiros dias, Dilma fez reuniões com o staff do banco e executivos. Dilma já tem uma tradutora de mandarim trabalhando com ela. Vieram do Brasil cinco pessoas de sua equipe, entre elas dois seguranças militares pagos pela Presidência da República. Eles compõem o quadro de assistentes a que os ex-presidentes têm direito e vão permanecer na China, inicialmente, até o fim de abril. A presidente está hospedada num hotel da cidade diferente do que previa inicialmente. Assim como Lula, era ficaria no o Fairmont Peace Hotel, de nível 5 estrelas, num prédio icônico na região conhecida como The Bund, a mais turística de Xangai.
Pessoas que conversaram com Dilma dizem que ela chegou a ficar na sede do banco até 21h no primeiro dia e que já desceu em Xangai, de carona num voo da Força Aérea Brasileira (FAB), conversando em inglês. Um funcionário brasileiro do setor de estratégia disse que Dilma desceu para almoçar no refeitório coletivo, um restaurante que oferece culinária chinesa e internacional, frequentado pelos demais funcionários.
Dilma assumiu no NDB uma equipe com cerca de 200 funcionários, na sede do banco. Seu cargo é administrativo e representativo, mas ela não tem amplos poderes, porque as principais decisões do banco passam pelo conselho de governadores, formados por ministros de finanças dos países e pelo fato de os demais executivos serem indicados pelos demais países. Ela não pode simplesmente demitir alguém da cúpula, sem criar um problema diplomático. Cada um dos países dos BRICS - Rússia, Índia, China e África do Sul - tem uma diretoria.