Durante o ano em que estava buscando a reeleição e enfrentando derrotas políticas e judiciais, Jair Bolsonaro (PL) se reuniu em encontros "privados" com interlocutores no Supremo Tribunal Federal (STF) em pelo menos 4 ocasiões.
As reuniões não estavam registradas na agenda oficial e aconteceram nos Palácios do Planalto e da Alvorada. Os detalhes foram revelados por meio de e-mails obtidos pelo Estadão, que trouxeram à tona conversas institucionais que haviam sido apagadas pelo ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid.
Os e-mails compartilhados com a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, após a quebra de sigilo telemático de Cid, revelam que apenas 3 ministros do STF foram convidados para os encontros que ocorreram fora da agenda oficial divulgada diariamente.
Estes ministros foram Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro à Suprema Corte, e o decano Gilmar Mendes, conhecido por estabelecer conexões entre a Justiça e o cenário político em Brasília.
Encontro com Nunes Marques após derrota no STF
Em 11 de maio de 2022, o presidente Bolsonaro convocou uma reunião com o ministro Nunes Marques, o então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) -- seu filho -- e o ex-secretário de Justiça José Vicente Santini. O encontro teve duração de uma hora e começou às 21h, sendo realizado no Palácio da Alvorada.
Os auxiliares do ex-presidente não mencionaram o tema da reunião no e-mail enviado ao então ajudante de ordens Mauro Cid. Contudo, um dia antes desse encontro, Bolsonaro enfrentou uma derrota diante do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou a inclusão do inquérito das milícias digitais ao processo de investigação envolvendo o ex-presidente por ataques às urnas eletrônicas.
Reunião com Gilmar
No dia 23 de fevereiro de 2022, o convidado de Bolsonaro foi o ministro Gilmar Mendes. O então presidente teve uma reunião mais breve com o decano do STF, com apenas 30 minutos, no Palácio do Planalto. Novamente, os e-mails enviados a Mauro Cid não mencionaram o tópico da discussão.
No entanto, um dia antes desse encontro, Bolsonaro tinha recebido uma comunicação direta do novo comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, enfatizando que ataques às urnas eletrônicas não seriam tolerados, seja antes, durante ou após as eleições.
Poucas horas antes do encontro com Gilmar Mendes, Bolsonaro havia feito uma crítica velada aos membros do STF e às urnas eletrônicas durante um evento realizado em um banco de investimentos.
O ex-presidente expressou a opinião de que não era possível comprovar plenamente que o sistema eleitoral brasileiro estava totalmente imune a possíveis fraudes.
“Não vai ser o chefe do Executivo que vai jogar fora das quatro linhas. Mas, por favor, vocês dois ou três, não estiquem essa corda. Vocês vão ter que vir para as quatro linhas, afinal de contas todos nós temos limites”, disse em alusão aos ministros da Suprema Corte.
No dia 22 de fevereiro, o ministro Edson Fachin assumiu o cargo de presidente do TSE. No dia seguinte, Bolsonaro teve um encontro com Gilmar Mendes. Em seu primeiro discurso como presidente do TSE, Fachin enfatizou a determinação de sua gestão em proteger a "história da Justiça Eleitoral".
Embora tenha sido convidado pessoalmente por Fachin para a cerimônia de posse, Bolsonaro optou por não comparecer ao evento. Sem mencionar diretamente o então presidente, o magistrado reforçou que o TSE não cederia a ataques contra o processo eleitoral.
André Mendonça
Durante mais um período de fragilidade em seu governo, quando figuras proeminentes da política, do mercado financeiro e do Poder Judiciário expressaram apoio à democracia por meio de cartas abertas, Bolsonaro solicitou uma reunião com o ministro do STF, André Mendonça. O encontro ocorreu no Palácio do Planalto e teve duração de 50 minutos.
No dia 28 de julho do ano passado, em resposta à adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) à carta pró-democracia organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente Bolsonaro realizou uma reunião com o ministro André Mendonça.
Na véspera desse encontro, a carta da Faculdade de Direito da USP, que contava com 165 mil assinaturas, havia sido alvo de críticas por parte do presidente, que afirmou ser um defensor da Constituição e não necessitar de "apoio ou sinalização de quem quer que seja".
Um mês antes do encontro com André Mendonça, o presidente Bolsonaro teve outra reunião com Nunes Marques, José Vicente Santini e, desta vez, com o ministro Francisco Falcão, do STJ.
Novamente, a reunião foi agendada sem a divulgação do assunto que seria discutido, ocorrendo em 12 de junho, um domingo.
Nesse período, o cenário político era marcado por uma crise entre Bolsonaro e o STF, devido ao decreto de perdão ao ex-deputado federal Daniel Silveira, que havia sido condenado à prisão por 10 dos 11 ministros da Corte. Nunes Marques foi o único ministro a divergir nessa decisão.
O que dizem os envolvidos
O ministro Nunes Marques disse em resposta ao Estadão que “se recorda de uma visita de cortesia ao presidente da República no período mencionado, num fim de semana fora do horário do expediente”.
No entanto, o magistrado não explicou o que foi tratado neste o no encontro de maio do ano passado.
Já Gilmar Mendes confirmou que teve reuniões com o ex-presidente durante o mandato, mas que não se recorda de alguma agenda específica em fevereiro do ano passado. “Estive com ele em alguns momentos de crise”, declarou.
Procurados, Bolsonaro e Humberto Martins não retornaram com respostas até a publicação desta reportagem.