"É uma tragédia para o País uma vitória de Bolsonaro", diz Marcelo Freixo

Candidato derrotado na disputa pelo governo Rio de Janeiro vê eleição do próximo dia 30 como a mais importante da vida

23 out 2022 - 11h22
(atualizado em 22/6/2023 às 10h05)
Marcelo Freixo apoia a candidatura de Lula à Presidência
Marcelo Freixo apoia a candidatura de Lula à Presidência
Foto: Pedro Kirilos/Estadão / Estadão

A democracia brasileira pode estar ameaçada a depender do resultado do próximo dia 30, data em que ocorre o segundo turno das eleições presidenciais. A avaliação é do deputado federal Marcelo Freixo (PSB). "Sem dúvida alguma essa eleição é a mais importante das nossas vidas porque o que está em risco é a liberdade desse País e a democracia", avalia Freixo ao Terra.

De acordo com Freixo, a vitória majoritária de candidatos apoiados por Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno indica uma consolidação do movimento bolsonarista no Brasil: “Temos uma era bolsonarista pela frente e que não vai acabar no dia 30.”

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O deputado, que foi o segundo candidato mais votado na disputa ao governo do Rio, ressaltou também a necessidade de criar uma aliança política que aglutine diferentes posicionamentos ideológicos. "O mais importante é que precisamos fazer um governo de frente ampla para os próximos anos". Sobre o cenário político fluminense, Freixo, que obteve 28% dos votos, atribuiu a vitória em primeiro turno de Cláudio Castro ( PL) ao uso da máquina pública, a polarização nacional e a expansão da milícia no estado.

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Terra:

Na avaliação do senhor quais fatores contribuíram para que eleição no Rio fosse decidida no primeiro turno?

Eu sabia desde do início que corríamos o risco de perder no primeiro turno e, por isso, eles iam fazer de tudo para ganhar já no primeiro turno porque no segundo turno a gente podia inverter. Havia uma chance real, eles sabiam disso e jogaram um peso muito grande da máquina para ganhar a eleição. Foi sem dúvida alguma a maior utilização de máquina pública em uma eleição que já se viu na história. O próprio Eduardo Paes me disse na semana passada que ele nunca viu nada igual. Desde os pagamentos de pessoas, como foi o escândalo do CEPERJ. Só para ter uma ideia, tinha 20 mil pessoas segurando bandeira na rua do Estado. Cada uma recebendo R $50 e isso dá um R$1 milhão por dia, só com gente segurando bandeira. Então nós tivemos um uso da máquina e uma força de estrutura que nunca se viu igual. Sabíamos que isso podia resultar no que resultou. Nunca alguém com 28 % ficou fora (do segundo turno).

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O que aconteceu: houve uma nacionalização do debate no estado. Na minha opinião, estamos começando uma era bolsonarista, não está terminando. Podemos estar terminando um ciclo de governo Bolsonaro, isso é uma coisa. Agora, uma era Bolsonarista está começando. Temos uma era bolsonarista pela frente e que não vai acabar no dia 30. Essa era Bolsonaro traz uma mudança de perfil eleitoral. Ela polariza de tal forma que muda o quadro de primeiro e segundo turno, que era válido até então e isso é uma maneira de explicar o porquê que mesmo com uma votação tão expressiva a gente não chegou ao segundo turno. A polarização nacional se refletiu na campanha no Rio de Janeiro.

Durante a campanha, o senhor foi criticado pelos acenos e alianças feitas mais ao centro e à direita. Como o senhor lida com esses questionamentos? 

Como estava falando, estamos diante de uma era bolsonarista em que eu acho particularmente que Bolsonaro é um sintoma e não causa. Ele é uma consequência da era bolsonarista. Não é à toa que o bolsonarismo vem do Rio de Janeiro: um lugar onde tem tantos territórios dominados pela força, pela não instituição, pela não legalidade, pelas armas. Não é à toa que é do Rio que surge a matriz bolsonarista e o próprio representante desse bolsonarismo.

Então, nós não temos uma disputa entre direita e esquerda, entre economia liberal ou não. Não é essa a disputa que está colocada numa era bolsonarista. A era bolsonarista significa um avanço de uma extrema direita, o avanço de uma ameaça democrática, de uma ameaça à liberdade de imprensa, de uma ameaça à educação, de uma ameaça à ciência. A gente está diante de algo muito grave.

Nós vamos precisar criar uma política de frente, uma política de frente democrática. Na minha aliança coube um líder político jovem negro de uma favela e coube uma pessoa como Arminio Fraga que é um grande empresário preocupado com a questão do meio ambiente, com a saúde e é apaixonado pelo Rio de Janeiro.

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Coube na aliança porque o que a gente tem em comum é a defesa da democracia, do desenvolvimento, do emprego, das leis, da segurança pública. Nós estamos no momento em que existe uma ameaça real à democracia colocada no Brasil. Por isso precisamos fazer alianças mais amplas e precisamos trabalhar numa perspectiva de campo político. O que a gente tem hoje não é uma divisão eleitoral. O que nós temos hoje é uma divisão civilizatória e de valores.

Então, a disputa nacional vai precisar nos remeter a uma concepção política de frente ampla. Se não fizermos isso , a gente não só vai ter dificuldade de vencer a eleição como vai ter muita dificuldade de governar.

Recentemente saiu uma pesquisa da UFF que evidencia a expansão das milícias no Estado. Os dados do TSE, por sua vez, mostram que as zonas eleitorais dominadas pelo crime organizado foram as regiões onde Cláudio Castro e Jair Bolsonaro obtiveram uma elevada taxa de votação. De que maneira a milícia influencia o processo eleitoral e democrático no Rio de Janeiro ?

A pesquisa mostra um avanço das milícias em 380% de domínio territorial no Rio de Janeiro. Isso é muito significativo porque não é um aumento do crime , isso é um aumento de uma política. A milícia, ao contrário de outros grupos criminosos, ela se organiza politicamente e transforma todo o domínio territorial em domínio eleitoral .

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A milícia não é só um grupo criminoso, a milícia é um projeto de poder e que tem muito a ver com esse establishment do Rio de Janeiro. Isso define muito este mapa eleitoral do Rio.

Então, disputar o Rio de Janeiro é uma disputa civilizatória do Brasil porque não é à toa que saiu daqui esse projeto bolsonarista. Por isso que eu digo não é uma disputa eleitoral. É uma disputa civilizatória que a gente tem, de qual modelo de civilização que nós vamos ter pro Brasil e para o Rio de Janeiro também nos próximos tempos.

Na sua visão, como o Bolsonaro se tornou um líder popular a nível nacional?

O Bolsonaro nunca foi um líder nacional em mais de 20 anos dele no Congresso Nacional. Ele se torna o líder nacional quando tivemos uma crise da democracia pós 2013 e 2014, em que as redes sociais operam uma possibilidade de atingir esse Brasil profundo dentro das pessoas. E aí, o Bolsonaro se torna uma liderança nacional e hoje ele é um líder popular. Hoje a gente tem uma disputa eleitoral entre dois grandes líderes: um forjado na luta pela democracia, nas lutas de rua em que resulta na Constituição 88 que é o Lula, o outro forjado originalmente nas redes sociais, na crise da democracia e oriundo de um Rio de Janeiro que tem exatamente esse avanço de uma sociedade miliciana.

As últimas pesquisas mostram que Bolsonaro vem diminuindo a vantagem para Lula. Na sua avaliação o que está faltando na campanha petista para conquistar mais votos da direita?

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Eu acho que esse voto o Lula consegue. A eleição está polarizada mesmo. Lula fez todos os movimentos corretos de ampliação, trouxe o Alckmin, debateu com os evangélicos, trouxe a Simone, o Ciro. Todos os movimentos que eram possíveis foram feitos.

Eu acho que nós temos um grande desafio no campo democrático. Primeiro ganhar essa eleição no dia 30 com o cenário que nós temos. Depois do 30, o mais importante é que precisamos fazer um governo de frente ampla para os próximos anos e se preparar para uma cultura de frente ampla para 2024, 2026 e talvez por muito mais tempo.

Uma cultura de frente ampla, uma cultura onde se coloque o comum na mesa e não o idêntico. E este comum traz uma aliança mais ampla do que as convenções eleitorais são capazes de fazer. O governo Lula precisará ser um governo de frente ampla.

O senhor afirmou que os partidos vêm errando na comunicação política nos últimos anos. Como os demais partidos podem melhorar neste campo? 

Eu acho que a força do bolsonarismo tem muito a ver com a sua capacidade de comunicação. O grande desafio é criar uma política de comunicação. Nós temos que disputar uma forma de comunicar melhor com a sociedade. Porque é aí que a gente perde.

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A disputa hoje também é uma disputa de comunicação. Então nós teremos que ter nos próximos anos uma capacidade de formar comunicadores e se comunicar numa sociedade que mudou, que não é mais uma sociedade da década de 80. É uma sociedade que se comunica através das redes, onde essa extrema direita conseguiu avançar infinitamente mais do que nós.

Bolsonaro ataca a imprensa porque vocês trabalham com fatos, com verdade e com notícia. E a notícia e a verdade, precisam vir de outras fontes que não só a imprensa. Por exemplo, os grupos de WhatsApp. A gente precisa aprender a entender o que mudou no sistema de comunicação.

Como o senhor avalia a ampla vitória de candidatos apoiados por Bolsonaro para o Senado e para a Câmara? Há no cenário nacional uma consolidação do movimento bolsonarista?

Eu acho que honestamente que derrotar o Bolsonaro tem uma data que é no dia 30, mas derrotar o bolsonarismo não será em 4 anos. Talvez isso demore mais de 10 anos para que se consiga enfraquecer esse Brasil autoritário, profundo, de uma relação tão violenta com a imprensa e com as mulheres, tendo mais armas que livros , tendo a violência como método. Esse Brasil profundo que se expressa no bolsonarismo é uma era que vai demorar mais tempo.

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Apesar da gestão do Governo Federal durante a pandemia e das diversas declarações polêmicas do presidente, muitos ex-ministros bolsonaristas foram eleitos. Os partidos de oposição subestimaram a força eleitoral de Bolsonaro?

Eu acho que existe um erro de avaliação de entender que 2018 não iria se repetir. Isso é verdade, 2018 não se repetiu, não foi a mesma eleição, mas a força desse bolsonarismo principalmente nas redes sociais se mantém forte. Ela inaugurou uma era de comunicação política, de uma extrema direita que se mostrou muito preparada e que vai durar muito tempo. Então temos que derrotar o Bolsonaro no dia 30 e não será uma eleição fácil. Será uma eleição apertada.

De alguma maneira, avaliamos errado os efeitos de 2018 para cá. Acreditamos demais na vitória do primeiro turno que foi perto, a gente não venceu o primeiro turno por 1,5%, mas eu acho que devíamos nos preparar mais para possibilidade de não vencer no primeiro turno. Talvez aí tenha sido um erro nosso. A gente deveria ter se preparado mais para possibilidade de não vencer no primeiro turno. Acho que o desejo de vencer no primeiro turno era tão grande que não nos preparamos para não vencer no primeiro turno.

Como o deputado avalia as recentes medidas do TSE para o combate da Fake News?

A gente enfrenta uma ordem de fake news sem precedentes e não é só a esquerda, não é só o campo democrático que não está preparado para fake news, às instituições não estão. Estamos vendo a dificuldade que a gente está tendo agora dos próprios tribunais sustentarem decisões em relação a fake news.

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Há uma dificuldade muito grande das instituições reagirem com a velocidade necessária. Nós vamos ter um grande desafio pela frente, legislativo e judiciária, de saber como é que nós vamos nos relacionar com as plataformas. Como é que nós vamos garantir sem nenhuma política de censura a segurança da democracia e qual é o limite entre a segurança da democracia e a liberdade das plataformas.

Esse será um desafio imenso nos próximos anos para fortalecer a democracia brasileira sem, evidentemente, ter uma política de censura porque não se trata de defender isso. Nós não conseguimos avançar no governo Bolsonaro por razões óbvias, mas esse será um grande desafio nos próximos anos. Diante disso, a gente precisa ter uma reação institucional.

Quando o TSE dá o direito de resposta à campanha do Lula sobre fake news produzidas pela campanha do Bolsonaro é uma decisão correta. E aí, evidentemente por pressão do centrão, por pressão política, há uma nova decisão que desfaz isso e que joga para o Tribunal, talvez sem tempo de decidir antes das eleições.Isso é uma tragédia, é um estímulo a fake news. É um estímulo à ilegalidade de uma campanha política que se baseia numa política de fake news para governar um país.

Então, esse não é um desafio da campanha do Lula, isso é um desafio que toda a imprensa, é um desafio das instituições, é um desafio do Judiciário, é um desafio de todo mundo que tem compromisso com a constituição de 88.

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O senhor acredita que em caso de um resultado eleitoral desfavorável ao presidente, podem existir episódios semelhantes como o que aconteceu no Capitólio, nos EUA?

O Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a democracia, nunca teve na sua história inteira. O Bolsonaro sempre defendeu a ditadura, então ele não tem compromisso com a passagem democrática com a transição. Ele não tem compromisso com as leis. Nunca se pode esperar dele isso.

Não podemos achar que virá do Bolsonaro uma transição tranquila, democrática, com respeito às leis porque isso não fez parte da sua história. Isso não acontecerá.

Nós não teremos uma vitória acachapante, não teremos uma vitória folgada, os números estão mostrando que será uma disputa apertada e que mesmo assim a gente espera vencer essa eleição. Temos que nos preparar para que as instituições fortaleçam o processo democrático: TSE, judiciário ,Congresso Nacional já eleito.

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 Eu não acredito particularmente que eles tenham força política para qualquer tipo de ação golpista, não acho que terão força política para isso.

Bolsonaro sabe que são muitas as possibilidades de investigação sobre ele e sua família porque não foram poucos os crimes cometidos ao longo da vida. Quem é do Rio de Janeiro conhece muito bem isso.

Bolsonaro sabe perfeitamente que em qualquer nível de instabilidade maior, a responsabilidade cairá sobre ele. Não é uma pessoa que tem pouco a responder. Não sei se será o melhor para ele fazer algum tipo qualquer tipo de condução de ilegalidade. Mas é evidente que nós teremos uma sociedade muito dividida e que a gente precisa ter muita tranquilidade, ter muito diálogo e fortalecer muito as instituições depois do dia 30.

Como você avalia um eventual segundo mandato de Jair Bolsonaro?

É uma tragédia para o país uma vitória de Bolsonaro, sem dúvida alguma coloca a Constituição de 88 sob risco. Eu tenho dito há muito tempo que essa eleição é um plebiscito à Constituição de 88.

A vitória de Bolsonaro pode representar o fim da constituição cidadã e de um marco tão importante para a democracia brasileira. Em vários lugares do mundo o segundo governo de um governo autoritário representou o fechamento. Nós temos experiências seguidas sobre isso na Europa.

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Então ninguém vai poder se dizer surpreso: os ataques ao judiciário, o perfil do legislativo, a postura que o Bolsonaro tem diante da imprensa. Ninguém vai poder se dizer surpreso se nós tivermos um fechamento de regime num segundo governo do Bolsonaro. Sem dúvida alguma essa eleição é a mais importante das nossas vidas porque o que está em risco é a liberdade desse país e a democracia.

Mesmo com uma possível vitória de Lula, o País continuará dividido e polarizado politicamente. Como atender também os anseios do eleitorado que votou no Bolsonaro?

Esse é um grande desafio nos próximos anos. Reduzir essa polarização significa a gente se comunicar melhor, a gente fazer as políticas públicas chegarem nas pessoas, a gente ter capacidade de chamar o mundo evangélico para um debate de um projeto de país. Ninguém precisa se tornar evangélico para debater melhor com os evangélicos. Mas eu posso chamar os evangélicos para falar sobre o papel da escola pública, sobre política de emprego, sobre redução de violência, sobre política de moradia. Esse mundo evangélico se interessa por isso e podemos nos aproximar dele.

Então reduzir a polarização, reduzir a divisão significa fazer as políticas públicas funcionarem melhor, ter mais transparência e ter capacidade de se comunicar melhor. Esse é o grande desafio nos próximos quatro anos no Brasil.

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Fonte: Redação Terra
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