Ecos da eleição e desconfiança com mercado dão o tom da cúpula petista em evento do partido

Gleisi Hoffmann, presidente nacional, e Rui Costa, ministro da Casa Civil, fizeram discursos críticos às pressões do mercado financeiro sobre cortes no orçamento

6 dez 2024 - 14h05
(atualizado às 17h15)

BRASÍLIA - O resultado nas eleições municipais e o arrefecimento na relação do governo Lula com o mercado financeiro embalaram os discursos da cúpula do PT no seminário nacional do partido, realizado desde quinta-feira, 5, em Brasília.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, discursa na abertura do seminário nacional do partido
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, discursa na abertura do seminário nacional do partido
Foto: Divulgação/PT / Estadão

A série de encontros se encerra no sábado, 7, com uma reunião do diretório nacional para decidir, entre outros temas, calendário e regras para a eleição interna, prevista para julho de 2025. Na última noite e ao longo desta sexta-feira, 6, dirigentes, militantes e especialistas vêm debatendo temas caros ao partido.

No palco ocupado por oito lideranças em destaque, vieram da presidente nacional, Gleisi Hoffmann, e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, os discursos mais duros sobre a área econômica. A dirigente chegou à Argentina do ultraliberal Javier Milei ao criticar corte orçamentário em políticas públicas para aposentados

A declaração vem num momento em que o governo e o Parlamento discutem promover mudanças nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado para idosos e pessoas com deficiência.

"Se for para sacrificar aposentados, trabalhadores, a saúde, a educação, a própria economia do País em nome da ortodoxia fiscal, como estamos vendo na Argentina, para que serviria o PT?", discursou Gleisi, a última a falar na cerimônia de abertura do seminário. "Se for para satisfazer a ganância insaciável do sistema financeiro, sufocando o País com juros estratosféricos, e assistindo impassivelmente a especulação com o câmbio, para que serviria o PT?"

Rui Costa, por sua vez, fez inicialmente um discurso cifrado, sugerindo haver uma concertação contra o governo Lula. "É importante que a gente faça esse e outros seminários, para a gente fazer a disputa da narrativa, ocupando cada rádio deste País, cada blog, conta de Instagram, Facebook e Tiktok, porque o que eles estão fazendo é antecipar a eleição de 2026, trazendo para o presente uma tentativa de desestabilizar o governo", discursou.

Na saída do evento, questionado por jornalistas a quem se referia quando acusou uma tentativa de desestabilização do governo Lula, o ministro mencionou uma pesquisa Quaest, divulgada no dia anterior, mostrando que o governo Lula tem avaliação negativa para 90% do mercado financeiro. O levantamento ouviu 105 gestores, economistas, analistas e tomadores de decisão do mercado financeiro em fundos de investimento.

"Talvez os 90% dos 105 entrevistados naquela pesquisa. Talvez eles queiram fazer isso. Porque os números reais não apontem para isso. Quero que eles digam quais os indicadores que sinalizam para uma dúvida (em relação à economia). Se as pessoas não querem se curvar aos dados e aos fatos, só posso supor que tem outros parâmetros com os quais eles estão trabalhando, e eventualmente pode ser um parâmetro político-eleitoral, uma pretensão política nesse tipo desse ato especulativo contra o Brasil".

Como pano de fundo para a pressão do mercado financeiro sobre o governo federal está a insatisfação com o pacote de corte de gastos, apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, junto do anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda. Operadores da "Faria Lima" avaliaram os cortes como tímidos e irritaram a cúpula petista.

O desempenho das eleições municipais também foi sentido nos discursos - e influencia diretamente a temática das mesas do seminário. Nesta sexta-feira, por exemplo, especialistas e filiados debateram "o novo mundo do trabalho" e "os desafios da comunicação" para o PT, pontos considerados sensíveis na reflexão interna do partido. Os discursos apontam para o resgate de um passado em que o partido se sentia mais próximo de sua militância.

As menções à necessidade de voltar a dialogar com a base para ter um resultado melhor nas eleições de 2026 foram diversas. Odair Cunha (PT-MG), líder do PT na Câmara, pediu que todos estejam "irmanados, conectados com o que povo brasileiro sente". Presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto afirmou que o PT precisa "de novo encantar o povo brasileiro".

Luna Zarattini (SP), vereadora eleita com a maior votação do partido em todo o País, afirmou que o PT "não teve os resultados que esperávamos" e clamou por "retomar as lutas históricas". Luís Caetano, prefeito eleito em Camaçari (BA), por sua vez, recomendou aos correligionários que fizessem como ele: "organizar o movimento para escutar o povo na rua", e assim se reconectar com a base.

A dificuldade em depender do campo progressista para reeleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2026 e aumentar as bancadas na Câmara e no Senado teve uma mudança de tom que já vinha se apresentando em conversas de bastidores. Lideranças defendem cada vez mais apostar em aliados da direita moderada para conseguir fazer frente à força do bolsonarismo daqui a dois anos.

Líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE) defendeu "atrair o centro para o nosso lado, mantendo a nossa essência, para reeleger Lula". Já Costa pediu reflexão em como "garantir senadores, mesmo que sejam de partidos aliados, mas comprometidos com o projeto do presidente Lula".

O Senado desponta como campo de disputa importante para o PT após ser objeto da cobiça bolsonarista para o próximo pleito. A estratégia na direita é fazer uma superbancada e alcançar poder para fazer frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e eventualmente aprovar o impeachment de ministros, em especial Alexandre de Moraes.

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A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, discursa na abertura do seminário nacional do partido
Foto: Divulgação/PT / Estadão
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