Aos 76 anos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se aproxima da reta final do período pré-eleitoral liderando as principais pesquisas de intenção de voto para a disputa presidencial deste ano. Conhecido por boa parte do eleitorado brasileiro, o petista ainda não anunciou oficialmente sua candidatura, mas já vem dando os primeiros sinais de qual "Lula" deverá disputar a Presidência da República.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o "Lula" de 2022 é mais parecido com o que venceu as eleições de 2002 do que com as versões do petista em 1989, 1994, 1998 e 2006, ano em que foi reeleito.
Eles avaliam que Lula dobra a aposta na imagem de político conciliador, retoma motes como "esperança" e "união" e o foco como geração de emprego. Eles afirmam, contudo, que com a polarização política e a rivalidade que se desenha com o presidente Jair Bolsonaro (PL), a tendência é que o petista incorpore menos o "Lulinha paz e amor" que ficou conhecido em 2002.
Reviravoltas e migração ao centro
O ano de 2002 é considerado um marco na construção da imagem de Lula como personagem político.
Em 1989, ele já havia passado por um mandato como deputado constituinte, mas ainda era visto como um político de esquerda que pregava ruptura com o sistema. Foi derrotado no segundo turno por Fernando Collor de Mello.
Em 1994, Lula continuou a se posicionar como um candidato de oposição, com forte apelo popular e discurso crítico em relação ao capital internacional, mas perdeu a disputa para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que se beneficiou da popularidade trazida pelo Plano Real. Lula voltaria a perder em 1998.
Em 2002, ocorre a virada. Aconselhado pelo marqueteiro Duda Mendonça, Lula adotou o terno e a gravata e mudou o tom de seus discursos, se posicionando de forma menos radical em temas como a economia. Em vez de ruptura, o mote passou a ser "união". Foi o início da fase conhecida como "Lulinha paz e amor".
"A maior mudança foi entre 1989 e 2002. Ele mudou a forma de se vestir, forma de falar, de fazer os programas na TV. Em 1989, a ideia que se passava era a de que Lula era representante dos pobres do Brasil e que, por isso, tinha que ser eleito. Em 2002 era o representante de todos e que tinha a maior capacidade de lidar com os problemas do país. Era o Lula da União", diz a pesquisadora do Wilson Center, em Washington, e professora da FGV, Daniela Campello.
Daniela afirma que o Lula de 2022 é, de certa maneira, uma reedição do Lula de 2002, mas com um viés ainda mais centrista do que o adotado em 2002.
Segundo ela, essa trajetória em direção ao centro fica evidente na possível formação de uma chapa tendo como vice o ex-tucano Geraldo Alckmin, antigo adversário político de Lula, que anunciou sua filiação ao PSB na semana passada. Eles se enfrentaram nas eleições presidenciais de 2006, vencidas por Lula.
Segundo ela, o movimento é semelhante à aliança com o empresário José Alencar, em 2002, que foi vice na sua candidatura.
Ela diz que, se em 2002, a escolha de Alencar foi uma sinalização direta aos empresários, em 2022, a opção por Alckmin seria uma forma de indicar um aceno de moderação tanto para os agentes econômicos supostamente mais temerosos em relação ao PT quanto para o eleitor mais à direita sem o qual não seria possível vencer as eleições.
"Em 2002, Lula fez um sinal ao empresariado, especialmente aos industriais, ao chamar o Jose Alencar. Agora, Lula está sendo ainda mais radical no seu centrismo do que foi em 2002. Abrir espaço para Alckmin é uma sinalização bem mais explícita da sua ida em direção ao centro", explica.
A cientista política e pesquisadora Carolina Botelho, do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), também vê o Lula de 2022 mais próximo do de 2002 do que aqueles que disputaram as eleições de 1989, 1994 e 1998.
"O Lula de 2022 vem com uma agenda de governo que é bem mais parecida com a de 2002 do que com a de 1989. Esse (1989) era um período no qual o PT não dialogava com os eleitores mais ao centro. Agora, Lula volta a dialogar com esse eleitor de uma maneira direta", afirma.
As semelhanças entre o Lula de 2002 com o de 2022 não param na tentativa de formar alianças, dizem as especialistas. Segundo elas, o petista volta a apostar em motes como "união", "esperança" e "geração de empregos".
"O contexto é parecido, embora haja diferenças importantes. Em 2002, também havia uma crise econômica, embora não houvesse uma tensão à ordem institucional como entendo que há hoje. O discurso que Lula adota agora é, novamente, o de unificação em meio à crise", afirma Carolina.
Uma comparação entre o primeiro programa de TV do PT no horário eleitoral gratuito de 2002 e uma inserção do partido divulgada na terça-feira (22/3) reforça essa semelhança.
No primeiro, Lula aparece em uma sala de reunião cercado por antigos ícones do PT como a ex-presidente Dilma Rousseff, os ex-ministros Guido Mantega e Aloizio Mercadante e do seu então candidato a vice, José Alencar.
Em seu discurso, Lula foca na geração de empregos e começa dizendo que a crise pela qual o país passava era grave e que era preciso mudar os rumos da economia.
"Ou seremos capazes de produzir mais e fazer crescer a renda do povo fortalecendo a nossa economia, ou continuaremos andando para trás", dizia Lula há 20 anos.
No vídeo divulgado na terça-feira (22/3), o foco no emprego é semelhante. Lula diz que, nos governos do PT, foram criados 20 milhões de empregos e promete "reconstruir" o país.
"O povo brasileiro precisa voltar a ter esperança de novo", afirma.
Menos paz e amor
O cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Lúcio Rennó também acredita que a versão 2022 de Lula é mais próxima da de 2002 que da de outros anos. Ele, no entanto, pontua que a vertente "paz e amor" não deverá ser tão pronunciada quanto em outros momentos da trajetória política do petista.
Isso ocorrerá, segundo Rennó, por conta da forma de atuar do seu principal adversário, segundo as pesquisas de intenção de voto: Jair Bolsonaro.
"A disputa com Bolsonaro vai exigir posições mais firmes de Lula. Em 2002, ele enfrentou José Serra, mas a natureza do embate era diferente. Em 2006, ele foi atacado por conta do mensalão, mas ele era presidente. Não cabia ele ir para o ataque. Agora, Lula deverá ser atacado e o embate será muito acirrado. Não tem como se manter 'paz e amor' o tempo todo em um cenário tão polarizado", explica Rennó.
Carolina Botelho diz que o embate com candidatos como Bolsonaro vai exigir uma postura mais "vigorosa" de Lula. Ela afirma, no entanto, que Lula deverá adotar um "mix" e modular seus discursos de acordo com o momento e o público numa estratégia de consolidar sua base e não afastar potenciais novos eleitores.
"Considerando a polarização, não tem como (Lula) não ser vigoroso no seu comportamento. Há um adversário (Bolsonaro) com um discurso muito fora do que se esperava na política. Eu diria que ele vai adotar um 'mix' dessas versões como estratégia para cooptar e seduzir o eleitor de cada grupo", afirmou.
Contradições e negociação
Mas apesar dos sinais de que o Lula de 2022 acena vigorosamente ao eleitorado mais conservador, como explicar declarações recentes do ex-presidente nas quais ele defendeu a regulação da mídia e a revogação da reforma trabalhista aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer?
Carolina Botelho afirma que os acenos de Lula ao chamado centro não significarão um abandono de bandeiras históricas do partido. Segundo ela, o PT ainda está negociando interna e externamente quais serão os discursos a serem adotados durante a campanha.
"Esse é o momento de negociação, mas esses dois pontos fazem parte da agenda do PT. É agora que eles estão decidindo o que vai ser jogado na mesa da campanha e o que vai ficar de fora", explica.
Esse período de negociação tanto entre agentes do PT como com possíveis aliados faz com que, segundo Carolina Botelho, ainda seja difícil detalhar qual a imagem exata que Lula irá projetar nestas eleições.
"Ainda há muitos pontos a serem costurados tanto dentro quanto fora do PT. Como Lula aparece com alguma vantagem nas pesquisas, ele pode esperar um pouco mais para se posicionar. Além disso, a maior parte do eleitorado já o conhece. Essa definição de agenda não seria tão urgente", explica.
Lúcio Rennó concorda com Carolina.
"As sinalizações ainda são relativamente prematuras. O grande movimento, de fato, é a provável aliança com Alckmin. A imagem exata que irá para as eleições ainda vai ser definida e será resultado das discussões internas, externas e do cenário político", avalia.
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