Em ano de eleição, deputados abandonam reuniões de comissões na Assembleia Legislativa de SP

Espaço destinado à análise de projetos, colegiados amargaram o cancelamento de mais da metade das reuniões previstas para o ano; direção da Assembleia afirma que projetos importantes para a população não deixaram de ser aprovados e trabalho de parlamentares não se restringe às atividades dentro da Casa

5 dez 2024 - 11h30
(atualizado às 15h17)

Andar pelos corredores da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) quando não há um assunto polêmico em pauta, como a privatização da Sabesp ou a PEC da Educação, é, por vezes, esquecer que ali funciona o maior parlamento estadual da América Latina, com 94 deputados.

O histórico Palácio 9 de Julho, com seus 36 mil metros quadrados, exibe corredores silenciosos e sessões ocupadas por uma dúzia de parlamentares — retrato de uma Casa que passa parte do ano esvaziada. As Comissões Permanentes, onde os deputados discutem e apreciam projetos de lei, emendas e outras proposições que depois serão votadas em plenário, são sintoma dessa realidade: segundo levantamento do Estadão, em 2024, mais da metade das reuniões dessas comissões não ocorreu, seja por falta de quórum ou cancelamento.

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Das 286 reuniões programadas para as 22 comissões permanentes da Alesp, 156 (54,5%) foram canceladas ou ficaram sem quórum. Em 15 comissões, a ausência foi a regra, com mais da metade dos encontros ficando no papel.

Em nota, a Alesp ressaltou que, em 2024, foram aprovados diversos projetos importantes que impactam positivamente a vida da população paulista. "Entre as propostas estão, por exemplo, a proibição do uso de celulares em sala de aula, o aumento do salário mínimo paulista, a criação do ICMS Ambiental, a Bolsa Estágio para estudantes do ensino médio, a obrigatoriedade de veterinários denunciarem para polícia casos suspeitos de maus tratos contra animais, a criação da Polícia Penal e o programa habitacional específico para policiais, a facilitação de crédito e financiamento para moradores de municípios em caso de calamidade pública reconhecida pelo estado, entre outros projetos."

Questionada sobre a ausência de deputados nas comissões, a Casa destacou que o trabalho das deputadas e dos deputados estaduais, além das funções desempenhadas no prédio do parlamento paulista, "também envolve o debate, discussão e representação das diversas causas nos 645 municípios paulistas".

Ciência e Tecnologia não realizou nenhum encontro oficial

A Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação, presidida pelo deputado Mauro Bragato (PSDB), não conseguiu realizar oficialmente nenhuma das quatro reuniões previstas por falta de quórum.

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Nos encontros, os deputados planejavam receber autoridades como o presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), Marcos Augusto Borges; o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Jorge Lima; o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan; e o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago. A pauta estabelecia que cada um apresentasse uma prestação de contas de sua gestão, detalhando o andamento de ações, programas e metas.

Marina Helou (Rede), integrante da comissão, atribui a falta de quórum às convocações feitas de última hora. Segundo ela, o presidente da comissão costuma avisar os deputados sobre as reuniões apenas um dia antes.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Bragato informou que, em respeito aos convidados, costuma realizar reuniões informais com as autoridades, ainda que elas não tenham registro oficial nem valor legal para a Legislatura.

Segundo o site da Assembleia, as Comissões Permanentes são órgãos técnicos compostos por grupos de onze ou treze parlamentares indicados para mandatos de dois anos e têm a função de discutir e apreciar projetos de lei, emendas e outras proposições, antes da votação em Plenário. Elas também podem convidar ou convocar autoridades para prestar esclarecimentos e realizar audiências públicas.

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Em um ano marcado pelas críticas aos serviços da Enel, a Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor também enfrentou um apagão: das 11 reuniões previstas, apenas uma aconteceu. Seis ficaram sem quórum e outras quatro foram canceladas. A comissão é presidida por um deputado que tem o tema no nome: Jorge Wilson "Xerife do Consumidor" (Republicanos). O parlamentar, que foi líder do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Alesp, foi candidato à Prefeitura de Guarulhos nesta eleição, mas não conseguiu avançar para o segundo turno.

Integrantes da comissão ouvidos reservadamente afirmam que Xerife convoca as reuniões, mas não se empenha em mobilizar os integrantes do colegiado. Além disso, os encontros são marcados sem um dia ou horário fixo, frequentemente coincidindo com outras atividades da Casa, o que dificulta a formação de quórum.

Xerife afirma que, salvo exceções, convoca as reuniões às terças-feiras, quando a Casa está mais movimentada. O dia, ressalta o deputado, foi definido em comum acordo com todos os membros da comissão. O ex-líder do governo atribui a falta de quórum e os cancelamentos à incompatibilidade de agendas dos deputados, mas ressalta que as datas das reuniões são publicadas no Diário Oficial e que sua assessoria, assim como o secretário da comissão, entram em contato com os gabinetes dos parlamentares para reforçar o compromisso. Xerife acrescenta que os projetos de urgência são analisados em congressos de comissões, reuniões conjuntas de duas ou mais comissões que emitem parecer sobre propostas específicas, não havendo, portanto, prejuízo aos paulistas.

A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, presidida pelo deputado Eduardo Suplicy (PT), foi outra que prometeu muito e entregou pouco. Das 18 reuniões convocadas pelo petista, só 3 foram realizadas. A maioria (12) acabou inviabilizada pela falta de deputados. Na última pauta, o colegiado tinha 47 projetos de lei para debater, além de requerimentos de convocação de secretários estaduais.

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Em nota, Suplicy afirmou que os parlamentares da base do governo não têm priorizado a pauta dos direitos humanos, por isso as reuniões não alcançaram quórum. Ele destacou que, às vésperas das reuniões, costuma ligar pessoalmente para cada membro da comissão, reforçando a importância de sua participação. O empenho do deputado foi corroborado por integrantes do colegiado, inclusive os da oposição, ouvidos pelo Estadão.

Suplicy esclareceu ainda que algumas reuniões foram canceladas por motivos justificáveis. "Em 8 de maio, um pedido do presidente da Casa em virtude do falecimento do ex-deputado Antônio Mentor; em 5 de junho, por conta de uma infecção pulmonar em que apresentei atestado médico; em 3 de setembro, por orientação da presidência da Alesp de que as comissões não deveriam ocorrer até o final do primeiro turno das eleições municipais", disse Suplicy.

Outra que enfrentou dificuldades para se manter ativa foi a Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres. Mesmo em um estado com altos índices de feminicídio, 70% das reuniões previstas não ocorreram.

Em maio, a deputada Dani Alonso (PL) assumiu a presidência da comissão, substituindo a deputada Valéria Bolsonaro (PL), que se licenciou para assumir a Secretaria de Políticas para a Mulher. Sob a liderança de Dani Alonso, a comissão convocou e realizou duas reuniões.

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Em nota, Valéria Bolsonaro informou que, durante sua presidência na Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres, de abril de 2023 a abril de 2024, foram convocadas 16 reuniões. Nove delas foram conduzidas pela presidente, quatro não ocorreram por falta de quórum (a presidente esteve em todas as quatro) e três foram canceladas pela Presidência, por razões de conflito de agenda com outras atividades da Casa Legislativa.

Apenas quatro comissões permanentes conseguiram manter o índice de reuniões sem quórum ou canceladas abaixo dos 40%. Algumas, no entanto, convocaram poucos encontros ao longo deste ano. A Comissão de Relações Internacionais, que tem como presidente o deputado Maurici (PT), é um exemplo: em 11 meses, agendou apenas três reuniões, sendo que uma foi cancelada.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Maurici disse que o trabalho da comissão foi "intenso, com a realização de inúmeras atividades e iniciativas, que resultaram em medidas efetivas que vão muito além das questões protocolares". Ele menciona, como exemplo, um seminário realizado em parceria com o Itamaraty para fomentar nos municípios paulistas conexões com cidades de outros países, visando projetos inovadores, e um curso de línguas em Franco da Rocha.

"A atuação na Comissão de Relações Internacionais não se resume às reuniões, que vale dizer acabam pautadas por moções de repúdio e apoio, nem mesmo aos eventos realizados. Só nesta semana, Maurici participou de cinco agendas relacionadas ao trabalho da Comissão. O deputado realizou ainda duas viagens internacionais, para a Rússia e para Portugal, e sua assessoria participou de duas atividades internacionais, na Rússia e na China, sem custos para a Assembleia", afirmou a assessoria do deputado.

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Além das comissões, a Alesp enfrentou dias de ociosidade, especialmente durante a campanha eleitoral, quando os deputados optaram por não pautar temas relevantes para votação. No segundo semestre, pelo menos cinco sessões não alcançaram o quórum mínimo de 12 parlamentares necessários para serem abertas.

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