Em áudio, ministro da Educação diz priorizar prefeitos amigos de pastor

Caso de intermediação de verbas públicas foi revelado pelo Estadão; em conversa dentro do Ministério da Educação, Milton Ribeiro diz que prioridade atende a pedido de Jair Bolsonaro

21 mar 2022 - 23h39
(atualizado em 22/3/2022 às 07h32)

Numa conversa gravada, o ministro da Educação Milton Ribeiro admitiu que prioriza o atendimento a prefeitos que chegam ao ministério por meio dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Falando a dirigentes municipais dentro do ministério, Ribeiro disse que segue ordem do presidente Jair Bolsonaro (PL). A captura do ministério pelos pastores, que intermediam o acesso de prefeitos ao Ministério da Educação e controlam a agenda do ministro, foi revelada pelo Estadão em uma série de reportagem.

Na conversa gravada, Milton Ribeiro diz que a liberação de recursos foi um "pedido especial" de Bolsonaro. "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos)", diz ele - Arilton Moura e Gilmar Santos estavam presentes na reunião. "A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar", diz ele. O áudio foi revelado pela Folha de S.Paulo.

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"Não tem nada o com Arilton, é tudo com o Gilmar", diz Milton Ribeiro, provocando risadas do interlocutor. Como mostrou o Estadão, Gilmar e Arilton estiveram em pelo menos 22 agendas oficiais do Ministério da Educação desde o começo de 2021, sendo 19 delas com a presença do ministro.

Bolsonaro, à direita, ao lado do pastor Arilton Moura. Em segundo plano, o pastor Gilmar Santos. No plano de fundo, o ministro Milton Ribeiro, da Educação. 
Bolsonaro, à direita, ao lado do pastor Arilton Moura. Em segundo plano, o pastor Gilmar Santos. No plano de fundo, o ministro Milton Ribeiro, da Educação.
Foto: Pastor Gilmar Santos/Instagram / Estadão

O Estadão mostrou que, apesar da amizade pública e do acesso diferenciado ao ministro Milton Ribeiro, o vínculo deles com o governo Bolsonaro é anterior à chegada de Ribeiro à Esplanada dos Ministérios. Em 2019, eles foram recebidos pelo presidente Jair Bolsonaro duas vezes, uma delas ao lado general Luiz Eduardo Ramos, que é da igreja Batista, então ministro da Secretaria de Governo. Na ocasião, uma comitiva religiosa foi recebida num dos salões de cerimônias do Palácio do Planalto. Em 2020, mais uma audiência na Presidência da República. O vice-presidente Hamilton Mourão também os recepcionou.

O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República, chegou a gravar um vídeo parabenizando o pastor Gilmar pelo aniversário. "Prezado pastor Gilmar Santos, aqui é o senador Flávio Bolsonaro. Eu quero dar parabéns ao senhor pelos seus 70 anos de idade. Quero aqui, em nome da minha família, agradecer por tudo que você faz, não por nós, mas por nosso Brasil. Um abraço a todos que estão aí nessa trajetória, nessa caminhada. E a gente não faz nada sozinho. Se não fossem pessoas como o senhor, certamente, a nossa batalha diária, a nossa guerra, aqui na disputa do poder aqui em Brasília, seria, sem dúvida alguma, muito mais complicada. Então muito obrigado por tudo. Em primeiro lugar, parabéns ao senhor e continue orando por nós e pelo Brasil", disse o senador. O vídeo foi postado no Instagram do pastor Gilmar Santos em 30 de setembro de 2020.

Em eventos pelo Brasil agendados pelos pastores, o ministro deixa claro a influência dos pastores no MEC. Num dos vídeos obtidos pelo Estadão, o ministro afirmou que "as coisas aconteceram também pela instrumentalidade dos senhores" ao discursar em reunião com prefeitos para tratar de obras. Durante congresso religioso em outubro passado, em Camboriú (SC), Milton Ribeiro voltou a ressaltar a ligação entre ele e os pastores. "Quero agradecer a minha amizade ao pastor Gilmar, Arilton, que estão lá em Brasília, mais perto", afirmou. Gilmar retribuiu. "Nesses últimos anos, Deus me deu esse privilégio de comungar uma comunhão e uma amizade muito sólida com o pastor Milton Ribeiro", disse.

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Na gravação de áudio, o ministro comenta ainda sobre um "apoio" que ele pediria em troca da liberação das verbas - embora não fique claro do quê se trata exatamente ou por qual forma se daria o pagamento da vantagem indevida. "Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser publicado. É apoio sobre construção das igrejas", diz ele - a gravação de áudio parece ter sido interrompida no meio de uma fala em que o ministro enumeraria mais exemplos.

Neste sábado, o Estadão publicou relatos de prefeitos que conversaram com Gilmar e Arilton. Segundo os dirigentes municipais, a dupla de prefeitos se oferecia para "resolver problemas" no Ministério - desde colocar em dia pagamentos atrasados até a liberação de verbas. O prefeito de Jaupaci (GO), Laerte Dourado, disse ser "amigo do pessoal" dos pastores. Por intermédio deles, esteve duas vezes no MEC. A primeira foi uma reunião em janeiro. Buscava investimento de R$ 800 mil para "reformar escola" e "comprar ônibus", e os pastores lhe disseram que iriam ajudar.

Os recursos obtidos pelos prefeitos são do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e são destinados à reforma e construção de escolas e creches. Também podem ser usados para adquirir ônibus escolares e materiais didáticos, entre outros itens.

O Orçamento do Fundo para 2022 é de R$ 45,6 bilhões, dos quais R$ 18,5 bilhões estão reservados para transferências a estados e municípios. É nesta fatia dos recursos que estão os valores transferidos a prefeituras cujos mandatários participaram de reuniões com o titular do MEC, Milton Ribeiro, por intermédio dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. Os dois se apresentam como presidente e assessor da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, respectivamente.

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