Pegue um pito público pela ausência não justificada de um grupo de mais de 30 parlamentares petistas e some a ele uma série de elogios a lideranças antigoverno dos recentes movimentos pró-impeachment e do Congresso Nacional. Tempere tudo com uma boa dose de adulação ao presidente da Câmara dos Deputados, como se o País vivesse uma espécie de regime parlamentarista, e ponha tudo para dourar – ou melhor: fritar – com tiradas mais ou menos sarcásticas à presidente Dilma Rousseff (PT).
A descrição acima foi a receita básica adotada nesse domingo durante um dia todo de palestras e debates do 14º Fórum de Comandatuba, evento realizado desde sábado em um resort de luxo no sul da Bahia pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide). A entidade é presidida pelo empresário João Dória Junior, o qual, nas eleições de 2014, defendeu o voto nos tucanos Aécio Neves, para a Presidência, e Geraldo Alckmin, para o governo paulista. Entre os associados do Lide, estão apenas empresas com faturamento anual mínimo de R$ 100 milhões.
Tietado, Cunha não é citado como investigado
Com presença destacada ao longo de todo o evento, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), foi também um dos políticos mais requisitados nas rodas de conversa e pedidos de fotografia dos participantes do fórum. Mesmo apresentado por Dória Junior em mais de uma ocasião como o nome de destaque do seminário “Medidas para combater a crise institucional e política no Brasil”, com ministros e parlamentares, Cunha não foi, em nenhum momento do fórum, mencionado como integrante da lista de denunciados da operação Lava Jato – investigação que tem servido de escudo à oposição de Dilma justamente nos pedidos de fim da corrupção, seja em plenários ou em manifestações de rua.
Dória Junior fez questão de nominar os 13 senadores e 18 deputados federais petistas que, convidados, não compareceram ao evento. Em compensação, destacou que Cunha havia sido convidado “há cerca de um mês e meio e prontamente aceitou participar”.
“[Os petistas] Não vieram, fugiram do debate, deixaram de discutir o PT neste fórum com outros que vieram discutir o PT”, disse. “A nossa repulsa e o nosso agravo por não estarem aqui – e faria sentido estarem, já que seis partidos estão presentes”. Para o empresário, os parlamentares do PT poderiam ter aceitado o convite “no mínimo para tentar defender o indefensável: defender o governo Dilma. Não tiveram esta coragem, e isso é grave, em se tratando de Poder Legislativo; tem que aceitar o contraditório”, argumentou. Mais tarde, quando o evento começaria a ser transmitido ao vivo por um canal de TV paga, o empresário reforçaria a bronca, mas menos enfaticamente e sem citar os nomes dos faltosos.Também previstos na lista oficial do seminário, não estiveram presentes ainda os governadores Geraldo Alckmin (PSDB-SP) – representado pelo vice, Márcio França (PSB) –, Beto Richa (PSDB-PR), Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ) e Rui Costa (PT-BA), além do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), substituído por seu vice, senador Romero Jucá (PMDB-RR), que, a exemplo de Renan e Cunha, também foi denunciado pela Procuradoria Geral da República na lista da Lava Jato. Todos eles negaram participação no escândalo.
Pelo governo, o único a comparecer foi o recém-empossado ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já que os colegas Eduardo Braga, de Minas e Energia, e Aldo Rebelo, da Ciência e Tecnologia, também faltaram.
Cunha: "Sempre houve submissão"
Ao abrir o seminário, o presidente da Câmara classificou como “crise política, não só de representatividade” o atual momento do governo – que começou o segundo mandato, assinalou, logo depois da reeleição. Dilma, na avaliação do peemedebista, “não teve a consciência” de que “a cobrança no segundo mandato chega já no segundo dia após a reeleição”. “Talvez ali tenha faltado uma boa comunicação para explicar por que o Brasil precisa de ajustes”, diagnosticou, reforçando à plateia que derrotou o governo na disputa pela Presidência da Câmara. “A vitória eleitoral não consegue, por si só, dar como decorrência a hegemonia política”, alfinetou.
“Nunca houve um presidencialismo de coalizão sob a gestão do Partido dos Trabalhadores, sempre houve um processo de submissão: ou você concordava em estar submisso ou você não era um aliado, Sempre foi assim”, reclamou. “Se houvesse uma coalizão, a crise não existiria ou seria muito mais fácil de ser contornada. Se fosse um parlamentarismo, a crise seria de mais fácil resolução ou nem existiria”, ponderou.
O peemedebista prometeu aos participantes do fórum uma “independência entre os poderes” que fará com que, a partir do próximo dia 26 de maio, a Câmara discuta e vote uma proposta de reforma política. “Durante uma semana inteira, a Casa só vai fazer isso. Vai servir para que a gente esgote essa história de que é tudo culpa da reforma política [que nunca é votada]”, disse.
O vice-presidente do Senado, para quem “o Brasil é maior que o governo”, reforçou as declarações de Cunha sobre independência entre os poderes. “O Senado e a Câmara hoje seremos a vanguarda daquilo que precisa mudar no País. Durante muito tempo o Congresso se acostumou a ser puxado pelo Executivo, no qual hoje não vejo a sintonia necessária”, discursou Jucá. “O governo não pode ser ideológico, intervencionista, mas tem que ajudar – quando muito, não atrapalhar”.
Líder do Vem Pra Rua fala em "pizzas entrando e saindo do forno"
O seminário foi encerrado com o líder do movimento Vem Pra Rua, o empresário Rogério Chequer, que ajudou a organizar os protestos dos últimos dias 15 de março e 12 de abril em diversas cidades brasileiras. De acordo com ele, ao menos 26 movimentos hoje estão associados em torno de pautas como a investigação contra Dilma e a apresentação de pedidos à Câmara que possam servir de base para um eventual processo de impeachment. “O Brasil está cansado de assistir a pizzas entrando e saindo do forno, sem que ninguém faça nada, e agora a sociedade civil começou a se mobilizar”, declarou.
Chequer cobrou os empresários para que eles manifestem descontentamento com o governo, sem receio de supostas retaliações, e reclamou de o Congresso não ter aberto uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar contratos do BNDES. “Muitos dos políticos são eleitos pensando apenas na sua reeleição”, afirmou. Instado por Dória Junior a responder se aceitaria na Câmara o pedido pela instalação de uma CPI no BNDES, Cunha desconversou: alegou haver uma fila de pedidos na fila para serem avaliados, por ordem de chegada, e justificou que precisa seguir o regimento interno da Casa.
Homenagem a Eduardo Campos
À noite, o fórum homenageou o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), morto em acidente aéreo em agosto de 2014 durante a disputa pela Presidência e participante do evento em edições passadas. Estiveram no ato dois filhos do ex-governador – a viúva, Renata Campos, alegou problemas de saúde e permaneceu no Recife. João Campos, apontado como sucessor político do pai, disse ver nele a "capacidade de transmitir confiança" e de diálogo que estariam em falta no atual cenário político.
* A jornalista viajou a convite da organização do fórum.