Na terça-feira (27), o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou decisão inédita nos casos que envolvem a Operação Lava Jato e anulou a sentença proferida pelo então juiz Sérgio Moro - hoje ministro da Justiça - ao ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine. Com o precedente aberto pela Segunda Turma do STF, que retornou com o caso para a primeira instância, outros 37 processos da força-tarefa podem ser impactados.
Abaixo, entenda os desdobramentos da decisão do STF sobre o caso de Aldemir Bendine para outros processos da Lava Jato:
O que o STF decidiu?
Que a sentença proferida por Sérgio Moro em 2018 no julgamento de Aldemir Bendine será revogada e o processo voltará à primeira instância.
Por que o STF revogou a condenação de Moro?
De acordo com a defesa de Bendine, "houve nulidade pelo não reconhecimento do direito de apresentar alegações finais após as alegações finais das defesas dos demais acusados". Para os advogados do réu, delatores da Odebrecht assumiram papel de "assistentes de acusação" sem que ele pudesse se manifestar e, com isso, cercearam seu direito à defesa.
No entendimento da Segunda Turma do STF, que decidiu a favor de Bendine por 3 a 1, houve erro processual. De acordo com eles, "delatores não podem se manifestar por último em razão da carga acusatória que permeia suas acusações", o que abriu brecha para a primeira suspensão de uma condenação de Moro na Lava Jato.
Qual foi a sentença de Sérgio Moro revogada pelo STF?
Em março de 2018, Moro condenou Bendine a 11 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, o tribunal da Lava Jato, reduziu a pena para 7 anos e 9 meses, mantendo apenas a imputação de corrupção.
Na época, o pedido da defesa do réu para que ele apresentasse suas alegações finais após as delações da Odebrecht foi negado por Moro, que considerou a requisição um "privilégio". "O acusado colaborador não se despe de sua condição de acusado no processo. Apenas optou, com legitimidade, por defender-se com a pretensão de colaborar com a Justiça", escreveu Moro.
Por que a decisão do STF sobre o caso de Bendine é importante?
O pedido feito por Alberto Zaharia Toron, advogado de Bendine, já havia sido negado no TRF-4 e no Superior Tribunal de Justiça. Essa é a primeira vez que o Supremo revoga uma sentença de Sérgio Moro desde o início da Operação Lava Jato e pode significar uma nova ordem cronológica processual a ser aplicada tanto nos casos que já foram julgados quanto nos próximos.
Como essa decisão do STF pode influenciar na Lava Jato?
Dos 50 processos sentenciados na 13ª Vara Federal ao longo dos últimos cinco anos, pelo menos 37 tiveram delatores entre os réus, como nos casos de José Dirceu, João Vaccari e Sérgio Cabral. De acordo com a própria força-tarefa, a decisão no caso Bendine pode significar ainda a anulação da condenação de 143 réus.
Nos bastidores, a cúpula da Lava Jato já admite que a decisão pode e deve ser aplicada em outros processos, como o do sítio de Atibaia, responsável por uma das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa quarta, 28, o ministro Edson Fachin determinou que a Justiça Federal do Paraná reabra o prazo para alegações finais do petista na ação penal em que é acusado por supostas propinas de R$ 12,5 milhões da Odebrecht no caso do Instituto Lula.
Qual a opinião de especialistas sobre essa decisão do STF?
Advogados criminalistas ouvidos pelo Estado dizem concordar com a decisão tomada pelos ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. "Coube à Suprema Corte a readequação constitucional e adequada de um equívoco lamentável ocorrido em sede de instrução processual", afirma Daniel Gerber, criminalista e mestre em Direito Penal e Processual Penal.
José Gregori, ex-ministro do STF entre 2000 e 2001, entende que a decisão pode criar uma espécie de regra para julgamentos da Lava Jato: "Do ponto de vista jurídico, se essa for uma decisão processual que deveria estabelecer certa ordem cronológica que não foi obedecida, em todos os outros processos semelhantes o advogado irá alegar a mesma coisa e a decisão teria que ser igual".
"Isso permite a anulação de todos os processos em que algum réu tenha sido delatado. Praticamente, todos os condenados em esquema de corrupção foram objetos de delação", avalia o jurista Modesto Carvalhosa.
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