Contratos entre a Companhia Energética do Piauí (Cepisa) e o escritório de advocacia de Kassio Marques no Estado foram alvo de investigações no Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2006, quando Marques ainda era sócio da firma de advocacia, o TCU apontou problemas em contratos emergenciais, por dispensa de licitação. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) foi procurado, mas não respondeu.
A relação entre Cepisa e o escritório Lex Advocacia, Carvalho, Araújo & Marques - Advogados Associados começa em 2002, um ano após a firma de Marques ser aberta. A Lex Advocacia foi contratada, com outros escritórios, para prestar serviços jurídicos. O contrato foi sendo prorrogado nos anos seguintes sem a realização de uma licitação - até 2018, a Cepisa era uma estatal e, portanto, seguia a Lei de Licitações.
Dois anos após o TCU apontar irregularidades nesse tipo de renovação de acordos, a Cepisa abriu uma licitação em 2008. A Lex foi a única concorrente no lote 1 e passou a defender a companhia em ações cíveis, com Marques entre os advogados. O escritório também venceu o lote 2, mas o resultado foi contestado pela empresa que perdeu: Audrey Magalhães, Ferraz e Souza Advogados porque, naquele ano, Marques virou juiz.
Ele foi indicado para vaga de juiz do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), numa articulação que envolveu o governador do Estado, Wellington Dias (PT), e seu vice, Wilson Martins (PSB). Três anos depois, Marques chegou ao Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (TRF-1). Embora já estivesse na magistratura e, portanto, não pudesse mais atuar como advogado, Marques é citado em uma procuração da Cepisa em 2012.
Enquanto a Justiça debatia o caso, a Lex teve cinco prorrogações de contrato até julho de 2010, quando o Audrey Magalhães, Ferraz e Souza Advogados conseguiu na Justiça Federal um mandado de segurança que obrigava a Cepisa a inabilitar o escritório Lex Advocacia, tirando sua proposta da disputa. A ordem de exclusão cita impedimento do "advogado Kassio Nunes Marques, sócio e representante legal da sociedade", conforme registra acórdão do TCU.
Dois meses depois, em setembro de 2010, a Cepisa contratou novamente a Lex Advocacia, emergencialmente, e cancelou a licitação vencida pela segunda firma. Os contratos de R$ 180 mil têm validade de seis meses.
Em acórdão, o TCU informou que faltava amparo legal para anulação da concorrência e nova contratação emergencial da Lex Advocacia. "O que se pode concluir, em tese, é que a procrastinação da Concorrência 031/2008 - Lote 2, sua posterior revogação e o lançamento de nova licitação se prestaram a alimentar a perpetuação da situação anômala de contratações emergenciais", diz o texto.
O ministro Raimundo Carreiro recomendou, em 2011, que a Cepisa invalidasse todo processo que culminou com a nova contratação emergencial por dispensa de licitação da Lex Advocacia. Determinou ainda que a Cepisa deveria consultar o "maior número possível de fornecedores", antes de fazer um contrato emergencial, para que a proposta mais vantajosa fosse selecionada.
"Entendemos que fomos prejudicados na disputa e por isso decidimos buscar a Justiça e o Tribunal de Contas. O escritório que havia sido contratado nem sequer tinha notória especialização", afirmou a advogada Audrey Magalhães. O TCU chegou a impor multa ao ex-diretor-presidente da Cepisa Pedro Carlos Hosken Vieira e ao presidente da comissão de licitação, mas eles recorreram e conseguiram anular a medida. A ação na Justiça foi extinta em 2012.
Embora tenha trabalhado para a Cepisa como advogado, Marques não se declarou impedido quando, em 2018, julgou um processo contra a estatal movido por um sindicato, que pedia a suspensão do leilão da Cepisa. Em decisão dada numa noite de domingo, ele derrubou a liminar da primeira instância e liberou a realização do leilão que levaria a empresa a ser privatizada - hoje chama-se Equatorial Piauí.
Procurado pela reportagem, via assessoria de imprensa do TRF-1, Marques não respondeu aos questionamentos. Sua irmã, Karine Marques, que é sócia da Lex Advocacia, não atendeu a reportagem, nem respondeu aos questionamentos enviados ao escritório.
A Equatorial Energia, atual dona da Cepisa, não respondeu. Em defesa no TCU, a companhia alegou que as contratações foram feitas dentro do previsto em lei e que havia necessidade na época de serviços especializados, em decorrência da demanda de processos.