A minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres citava a instauração de um "Estado de Defesa", dando ferramentas ao chefe do Executivo para interferir no resultado das eleições. A expressão se trata de um regime excepcional, previsto por lei, que necessita de uma série de condições para que seja aplicado. Entenda melhor o que significa e quais as consequências de seu uso abaixo.
O glossário do Conselho Nacional do Ministério Público define o 'Estado de Defesa' ou 'Estado de Sítio' como um "instrumento que o presidente da República pode utilizar para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".
A expressão está presente no Artigo 136 da Constituição Federal e, para ser instituída, é necessária a assinatura de um decreto pelo Presidente da República indicando a duração da medida, as áreas abrangidas e quais medidas serão tomadas.
Na prática, significa que o Presidente passa a ter total controle da área afetada e adota medidas de segurança excepcionais para garantir a ordem pública. Porém, tem um alto potencial de ser abusado e ser usado para reprimir a oposição política de maneira inconstitucional.
A última vez que o Estado de Defesa foi decretado no Brasil foi durante a Ditadura Militar, em 1964, para sufocar a oposição política da época. Ela restringiu a liberdade de expressão e permitiu a prisão de suspeitos de subversão sem julgamento prévio. Também foi usada para censurar notícias.
No rascunho achado na residência de Anderson Torres, o uso da medida extrema daria a Bolsonaro o poder de interferir na atuação da Corte e, consequentemente, no resultado das eleições de 2022, da qual saiu derrotado democraticamente para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Minuta encontrada pela PF
A minuta apreendida pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), sugeria uma espécie de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), previa medidas como a quebra de sigilo dos magistrados da Corte e a formação de uma comissão chefiada pelo Ministério da Defesa.
A íntegra do decreto golpista foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.
No Twitter, Torres alegou que o documento estava, “muito provavelmente”, em uma “pilha para descarte” e que o material seria levado “para ser triturado oportunamente”. O esboço do decreto orientava a decretação de estado de defesa no TSE, o que daria poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte eleitoral.
No cargo de Ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição, o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil.
— Anderson Torres (@andersongtorres) January 12, 2023
O texto estabelecia como objetivo da medida “garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine à sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou não observadas, representam grave ameaça à ordem pública e a paz social”.
O documento estabelecia ainda que o “estado de defesa” na Corte eleitoral teria duração de 30 dias e poderia ser prorrogado uma única vez, por igual período. Neste tempo, ficariam suspensos o “sigilo de correspondência e de comunicação telemática e telefônica dos membros do Tribunal do Superior Eleitoral, durante o período que compreende o processo eleitoral até a diplomação do presidente e vice-presidente eleitos, ocorrida no dia 12.12.2022”.