A comissão do Congresso Nacional aprovou nesta quarta-feira, 24, medidas que tiveram como consequência o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O texto aprovado resultou na retirada de atribuições importantes da pasta comandada por Marina Silva, expondo divergências entre os diferentes grupos que apoiam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Legislativo.
Agora, o texto da Medida Provisória (MP) será submetido à apreciação do plenário da Câmara dos Deputados e, posteriormente, do Senado Federal. Caso seja aprovado nessas etapas, o projeto se tornará lei e terá consequências diversas.
Entenda a seguir as principais alterações propostas e os posicionamentos das partes envolvidas.
Principais mudanças
O texto apresentado pelo líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), enfraquece a política ambiental do governo ao propor a transferência dos sistemas de informações do Saneamento Básico (Sinisa) e de Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir). Pela proposta, esses sistemas serão entregues a Jader Barbalho Filho, do Ministério das Cidades.
Conforme as mudanças aprovadas, a Agência Nacional de Águas será realocada para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. Além disso, espera-se que a pasta, sob o comando do União Brasil, assuma o controle da política nacional relacionada aos recursos hídricos.
Uma alteração significativa também ocorreu com a retirada do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta de Marina. Esse cadastro rural é determinante na implementação de regulamentações e garante que as propriedades rurais adotem práticas de combate ao desmatamento.
Segundo a proposta, essa questão será tratada pelo Ministério da Gestão e da Inovação, sob a responsabilidade de Esther Dweck. O deputado argumentou que essa troca visava garantir a "neutralidade" nas decisões.
Caso o relatório seja aprovado da forma como está, o Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sônia Guajajara, também será impactado e corre risco de perder sua função principal. De acordo com o texto, as demarcações de terras seriam realizadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob a responsabilidade de Flávio Dino. A líder indígena expressou duras críticas à proposta, afirmando que ela vai contra as tendências globais.
Marina Silva critica mudanças propostas
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, criticou veementemente as propostas contidas no relatório, classificando-as como um "desserviço". Ela expressou sua insatisfação ao afirmar que o texto apresentado pelo relator resultou no esvaziamento de órgãos e funções importantes da pasta que ela comanda.
"Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais", escreveu.
Após a aprovação do texto, a ministra informou sua intenção de comparecer ao Congresso Nacional com o objetivo de impedir a aprovação das mudanças.
"Com todo respeito ao Congresso Nacional, à autonomia que ele tem, vamos para o debate, para o convencimento, com os parlamentares. Isso não ajuda o Brasil, nem a agricultura brasileira", afirmou Marina.
Com todo respeito ao Congresso Nacional, à autonomia que ele tem, vamos para o debate, para o convencimento, com os parlamentares. Isso não ajuda o Brasil, nem a agricultura brasileira
— Marina Silva (@MarinaSilva) May 24, 2023
Marina em crise com a Petrobras
Embora já houvesse disputas internas no governo em relação a essas mudanças, a redução das atribuições do Ministério do Meio Ambiente ocorre em um momento delicado para Marina. A ministra está envolvida em uma controvérsia com outros ministros, devido ao veto do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao pedido da Petrobras para realizar uma perfuração-teste na costa do Amapá, na região da Margem Equatorial Brasileira. A região engloba a foz do rio Amazonas.
Segundo Marina Silva, a equipe técnica que elaborou o parecer entendeu que a Petrobras não apresentou uma avaliação ambiental de área sedimentar (AAAS), prevista em portaria que vigora desde 2012. O documento permite identificar áreas em que não seria possível realizar atividades de extração e produção de petróleo e gás, por causa dos graves riscos e impactos ambientais associados.
"É uma decisão técnica, e a decisão técnica em um governo republicano e democrático é cumprida e respeitada, com base em evidências", defendeu.
Depois do veto, o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (AP) pediu sua desfiliação do Rede Sustentabilidade, partido de Marina Silva. Randolfe é favorável à operação da Petrobras no estado.
Em resposta ao indeferimento, a Petrobras planeja apresentar uma nova medida com o objetivo de persuadir o Ibama a reconsiderar sua posição. A proposta consiste na criação de uma nova base de apoio no Amapá, a fim de reduzir eventuais impactos ambientais em caso de acidente durante a perfuração.
Reações às mudanças no MMA
A aprovação do texto que esvazia poderes do Ministério do Meio Ambiente tem gerado críticas tanto entre ambientalistas quanto no setor do agronegócio. João Adrien, atual vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, expressou preocupação com a proposta.
O produtor rural atuou como assessor especial do Ministério da Agricultura durante a gestão de Jair Bolsonaro, e pontuou em entrevista à Folha de S.Paulo que a transferência da responsabilidade pelo CAR pode paralisar a implementação do Código Florestal e impactar negativamente os produtos rurais brasileiros. Durante sua passagem pelo governo, Adrien ocupou o cargo de diretor de regularização ambiental do Serviço Florestal Brasileiro, que também foi transferido para o Ministério da Agricultura.
O ruralista também enviou uma nota técnica à Frente Parlamentar da Agropecuária na quarta-feira, 24, na qual apresentava outros pontos para explicar as implicações da transferência de atribuição do CAR.
Um ponto se refere à necessidade de integração entre os estados, que são responsáveis pela implementação. Especialistas ressaltam que a transferência de atribuição para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos pode levar estados a desistirem de utilizar o sistema federal, levando à criação de sistemas estaduais distintos.
Isso pode gerar maior insegurança jurídica para os produtores rurais, pois cada estado terá suas próprias regras e sistemas, dificultando a uniformidade e o cumprimento das obrigações ambientais.