O governo americano rejeitou a proposta brasileira de um acordo bilateral para as atividades de espionagem, anunciou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nesta quinta-feira. O ministro brasileiro terminou nesta quinta-feira uma visita de dois dias a Washington, durante a qual se reuniu com o procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holden, com a assessora presidencial para Assuntos de Contraterrorismo, Lisa Monaco, e com o vice-presidente, Joe Biden.
"Fizemos uma proposta de caminhar para a celebração de um acordo para estabelecer regras sobre procedimentos na interceptação de dados. Nos disseram que os Estados Unidos não aceitarão firmar um acordo nesses termos com nenhum país do mundo em geral", disse Cardozo à imprensa na capital americana.
A visita de Cardozo a Washington e a proposta de um acordo são consequência das denúncias baseadas em documentos vazados pelo ex-analista de inteligência americano Edward Snowden. Segundo os documentos, os EUA interceptaram comunicações eletrônicas no Brasil (e no mundo), entre e-mails e ligações telefônicas.
"Manifestamos o desacordo brasileiro (...) em relação ao conhecimento de que haveria interceptação de dados sem autorização de autoridades brasileiras para uso da inteligência americana. Esses fatos implicam violação dos direitos humanos, violação da soberania brasileira e de direitos consagrados em nossa Constituição", frisou o ministro Cardozo.
Agentes americanos fizeram interceptação eletrônica no Brasil, supostamente, "com o objetivo de realizar ações contra o terrorismo", comentou Cardozo. "Mas, para nós, ficou claro que houve (...) coleta de dados para enfrentar organizações criminosas e narcotráfico, mas também, o que é pior, de ações diplomáticas brasileiras", acrescentou.
Ao ser consultado sobre se o Brasil continua "insatisfeito" com as explicações americanas, Cardozo foi taxativo: "Sim. Tudo estaria resolvido se tivéssemos acertado um acordo que fosse satisfatório para ambas as partes".
Cardozo declarou que o fracasso de uma aproximação entre os dois países sobre esse escândalo pode afetar a visita oficial da presidente Dilma Rousseff a Washington, nos próximos meses. Em meados de julho, Biden ligou para Dilma para lhe dar explicações sobre as denúncia de espionagem em território brasileiro. Mais recentemente, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, visitou o Brasil, e o escândalo da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) ocupou um lugar central na agenda.
Em entrevista coletiva durante a visita, Kerry ouviu o então ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, dizer que os Estados Unidos "gerariam desconfiança" se não oferecessem explicações satisfatórias. Kerry garantiu que o Brasil receberia as explicações, mas defendeu os trabalhos de inteligência. Segundo ele, a espionagem protege os EUA e o restante do mundo de ameaças.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.