BRASÍLIA - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) abrir caminho para a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anular a condenação no caso do triplex do Guarujá e restaurar a elegibilidade do petista elevou a temperatura política. Nos bastidores, dirigentes de vários partidos avaliam que um eventual retorno de Lula à corrida presidencial teria potencial para beneficiar seu principal antagonista, o presidente Jair Bolsonaro, e reforçar a polarização da última campanha, marcada por um discurso anti-PT.
Dois julgamentos que serão retomados em breve trazem reflexos diretos na situação do petista. Em novembro, o Supremo concluirá a análise de ações sobre a execução antecipada de pena, que pode resultar na saída de Lula da prisão. Para retomar o direito de se candidatar, o petista aposta as fichas em outro julgamento, que trata da acusação de que o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro agiu com parcialidade ao condená-lo e depois assumir o cargo de ministro da Justiça no governo Bolsonaro.
"É muito possível que a política fique ainda mais polarizada e também radicalizada, já que Lula e Bolsonaro são duas forças políticas muito antagônicas", disse ao Estado o presidente do PSB, Carlos Siqueira, que lançou dúvidas sobre a capacidade de Lula aglutinar a esquerda.
Questionado se o PSB poderia seguir "de olho fechado" com Lula, ele não tergiversou. "De olho fechado não caminhamos com ninguém", respondeu. "Vamos deixar as coisas acontecerem. Só vamos raciocinar a partir de dados concretos."
Na avaliação do cientista político Marco Aurélio Nogueira, se o ex-presidente voltar ao jogo político haverá o prolongamento de um quadro "conflituoso" no País. "Ele seria, talvez, o principal polo de contestação do bolsonarismo e receberia em troca uma radicalização do outro lado da dinâmica política."
Para o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (sem partido), "não dá para prever" as consequências políticas de um cenário no qual Lula esteja solto e volte a se cacifar para disputar as eleições. "2022 é uma miragem. Ninguém sabe a hora que pode haver um curto circuito, como aconteceu em 2013 no Brasil e agora no Chile", afirmou Hartung, ao ser indagado sobre a chance de confronto entre esquerda e direita.
Atualmente na iniciativa privada, o ex-governador participa do Movimento RenovaBR e é conselheiro e articulador de uma possível candidatura do apresentador de TV Luciano Huck ao Planalto. Ao participar ontem do 12º Encontro de Líderes da Comunitas, em São Paulo, Huck disse que o Brasil pode sofrer uma "convulsão social em médio prazo", se não aliar políticas sociais eficientes a ações liberais.
'O centro democrático ficaria a ver navios', diz analista
O apresentador quase entrou no páreo em 2018, mas desistiu. Agora, ainda não bateu o martelo sobre a candidatura, mas tem sido bastante assediado pelo Cidadania (ex-PPS). Seus apoiadores querem construir uma alternativa de centro, mas é justamente esse espectro político que corre o risco de ser asfixiado com a divisão persistente na sociedade, o que pode se acirrar com eventual retorno de Lula ao cenário político.
Na avaliação de David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), uma possível soltura de Lula pode deixar a polarização mais forte. "Novamente, o centro democrático ficaria a ver navios".
Ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) avalia que o ex-presidente "muda completamente" o xadrez eleitoral, ainda que ele seja impedido de concorrer pois ele "pode criar consenso em tempos de muita polarização."
Os casos do ex-presidente Lula no STF
No Supremo, ministros ouvidos sob reserva pelo Estado dão como certo que Lula sairá da prisão, onde está desde abril do ano passado. A questão é "quando" e "como". O petista já foi condenado em terceira instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.
A expectativa na Corte é que, apesar do placar provisório de 4 a 3 a favor da prisão após condenação em segunda instância, haja uma reviravolta no julgamento. Se o STF decidir que a prisão deve ocorrer apenas depois de esgotados todos os recursos, o chamado "trânsito em julgado", Lula deixará a superintendência da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná. Nesse cenário, o petista poderia aguardar em liberdade até uma decisão definitiva da Justiça, mas seguiria inelegível.
Para voltar a ser candidato, Lula espera que a Segunda Turma do Supremo julgue procedente a ação que pede a suspeição de Moro. A discussão do caso foi iniciada em dezembro do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista — mais tempo para análise. Agora, o julgamento deve ser retomado, ganhando novos contornos depois da divulgação de supostas trocas de mensagens privadas entre Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato, reveladas pelo site The Intercept Brasil.
O relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia já votaram contra o pedido de Lula, mas os minstros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski devem se posicionar a favor do petista, deixando o desempate para o decano, Celso de Mello. O Estado apurou que Celso já demonstrou desconforto com as mensagens privadas de Moro e sinalizou que poderia acompanhar a divergência.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, não há risco de convulsão social no País com o resultado desses julgamentos. "Eu achei lá atrás que a prisão dele poderia causar alguma comoção, turbulência, mas não. Nenhum risco. Há firmeza do Supremo", disse.
Militares não devem se pronunciar sobre julgamento
Embora não agrade nem um pouco à caserna a possibilidade de Lula ser solto e voltar a concorrer às eleições, caso seja aprovada suspeição das decisões de Moro, os militares não devem se pronunciar sobre os julgamentos do STF. O discurso oficial é o de que, em democracias, decisões da Justiça não são comentadas, apenas cumpridas.
A portas fechadas, a avaliação de integrantes da cúpula das Forças Armadas é a de que soltar Lula significaria condenar todo o sistema jurídico do País. Conforme esse entendimento, magistrados de tribunais de instâncias inferiores teriam "votado erroneamente" e, dessa forma, reforçado a sensação de impunidade.
Na quinta-feira, o voto da ministra Rosa Weber, que indicou a tendência de o Supremo rever a prisão após a condenação em segunda instância, foi mal recebido no Alto Comando do Exército. / COLABORARAM RICARDO GALHARDO e PAULO BERALDO