Temas considerados polêmicos, como o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização da maconha ficam de fora da agenda eleitoral dos principais candidatos à Presidência do Brasil.
A abordagem de alguns assuntos considerados espinhosos causa constrangimento nos três concorrentes ao Alvorada mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto - Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), em um país onde a religião ocupa um lugar central na sociedade.
Para o cientista político Fernando Lattman-Weltman, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a estratégia dos candidatos é justamente se manter o mais distante possível de temas mais polêmicos. "O candidato tem muito pouco a ganhar assumindo uma posição firme sobre esses assuntos", explica.
O especialista diz também que questões de foro pessoal, como aborto e casamento homoafetivo, aparecem entre as últimas prioridades do eleitorado médio. "A principal preocupação das pessoas está relacionada ao campo econômico, ao emprego e à saúde", avalia o professor da FGV do Rio de Janeiro.
Mas a explicação para o distanciamento dos principais presidenciáveis pode estar no conservadorismo do eleitor brasileiro. Isto porque uma pesquisa realizada pelo Instituto Ibope divulgada no início de setembro mostrou que 79% dos brasileiros são contra a descriminalização da maconha e do aborto.
Além disso, 53% dos entrevistados disseram ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Sobre a descriminalização do aborto em todas as situações, a presidente-candidata Dilma Rousseff chegou a afirmar, nos idos de 2007, que era favorável à legalização do aborto. Mas mudou de ideia ao se tornar candidata, após ser pressionada por setores conservadores de sua base aliada.
Pessoalmente contra o aborto, a candidata Marina Silva diz ser favorável à realização de um plebiscito sobre o assunto. "Se os brasileiros se mostram tão conservadores com relação ao aborto, como fica claro na pesquisa Ibope, é temeroso colocar a questão em plebiscito", diz à AFP a militante e blogueira feminista Lola Aronovich.
Ao ser questionado sobre o assunto, Aécio Neves afirma ser favorável à manutenção da legislação como ela está.
Embora não existam dados oficiais sobre o número de mortes em decorrência de abortos clandestinos, em 2012 a ONU estimou que cerca de 200.000 mulheres morrem todos os anos no Brasil como consequência de procedimentos mal-sucedidos.
Para a socióloga e especialista em pesquisa de opinião Fátima Jordão, como as mulheres são maioria entre os eleitores indecisos, o tema do aborto começa a ser efetivamente tratado nos dias que antecedem as eleições.
"A questão é que o Brasil tem formas de aborto já legalizadas, e muitas mulheres que dizem ser 'contra' o aborto já passaram por um. Mas durante as eleições a discussão assume sempre um tom maniqueísta, do bem contra o mal", pontua Fátima.
A polêmica em torno do casamento entre pessoas do mesmo sexo aumentou depois que Marina Silva voltou atrás no ponto de seu plano de governo que pregava direitos iguais de casamento para todos. A candidata diz que o fato de ser evangélica em nada influenciou na mudança, e justificou a falha como tendo sido um "erro de impressão".
Após a mudança de Marina Silva, a presidente Dilma Rousseff chegou a se manifestar publicamente sobre a criminalização da homofobia, embora não tenha se posicionado com clareza sobre o segmento LGBT.
Aécio Neves prefere se manter em silêncio sobre o casamento gay. Após a polêmica com Marina Silva, o candidato disse ser contra a homofobia.
Dados do relatório sobre violência homofóbica no Brasil elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República apontam para um grave quadro de episódios de violência homofóbica no Brasil: em 2012, foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia.
O casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo são permitidos no Brasil desde 2013. O que movimentos sociais e ativistas dos direitos do grupo LGBT desejam é que o casamento civil igualitário seja garantido por lei.
Observando as respostas por faixa etária da pesquisa Ibope, o historiador e mestre em Ciência Política Saulo Said, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que a tendência é que, à medida que o jovem eleitor brasileiro envelhecer e se tornar majoritário, esses temas polêmicos ganhem apoio de boa parte da população.
"Em duas eleições, já seria vantajoso para os principais candidatos se posicionar sobre estes temas", prevê.
Nas eleições de outubro, o papel de debater aborto, a legalização da maconha e a criminalização da homofobia fica à cargo dos nanicos Eduardo Jorge (PV) e Luciana Genro (PSOL).
"Temos três presidenciáveis com posições claríssimas sobre estes temas mais polêmicos: Eduardo Jorge e Luciana Genro, com visões bastante progressistas, e o Pastor Everaldo, bastante conservador. Acho que já podemos considerar isto um avanço, pois os temas passam as ser debatidos", considera a socióloga Fátima Jordão.