A presidente Dilma Rousseff está "furiosa" após uma reportagem apontar que o governo dos EUA espionou suas comunicações privadas. Ela pode cancelar a viagem de Estado que tem marcada para Washington em outubro e reduzir os laços comerciais, a não ser que receba um pedido público de desculpas, disse uma fonte de alto escalão do governo brasileiro nesta quarta-feira.
O programa Fantástico, da TV Globo, divulgou no domingo que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês) espionou e-mails, telefonemas e mensagens de texto de Dilma e do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, quando ainda era candidato. A reportagem baseou-se em documentos vazados pelo ex-prestador de serviços da NSA Edward Snowden.
Dilma tem uma viagem de Estado marcada para Washington no mês que vem para se reunir com o presidente dos EUA, Barack Obama, e discutir a possível venda de caças americanos ao Brasil, um negócio de US$ 4 bilhões, e cooperação nas áreas de petróleo e biocombustíveis, assim como outros acordos comerciais. A visita, a única do tipo em que Obama recepciona um chefe de Estado neste ano, tinha o objetivo de enfatizar a melhora recente nas relações entre as duas maiores economias das Américas, assim como reconhecer a ascensão do Brasil como potência regional importante.
Porém, a fonte disse à Reuters que Dilma considerou insuficiente a resposta dada até agora pelo governo americano à reportagem do Fantástico, e está preparada para cancelar a visita e adotar medidas de retaliação, incluindo descartar a compra de caças da americana Boeing, uma das três finalistas na disputa para fornecer caças à Força Aérea Brasileira (FAB).
"Essa é uma grande, grande crise", disse a fonte sob condição de anonimato. "Precisa haver um pedido de desculpas. Precisa ser público. Sem isso, é basicamente impossível para ela ir a Washington em outubro."
Obama e Dilma vão participar da reunião do G20 em São Petersburgo, na Rússia. No entanto, até esta quarta-feira, os dois líderes não tinham nenhuma reunião bilateral marcada, disse a fonte.
Analistas têm afirmado que seria politicamente difícil para Dilma participar de toda a pompa de uma visita de Estado, que inclui um jantar de gala, entre outras formalidade, numa data tão próxima às acusações de que o governo dos EUA a espionaram.
Na segunda-feira o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, exigiu uma resposta por escrito do governo americano sobre a reportagem do Fantástico, até o final desta semana. Uma autoridade do Itamaraty disse à Reuters que nenhuma resposta havia sido enviada até a tarde desta quarta.
Obama diz que EUA miram "áreas de preocupação"
Em declarações na Suécia nesta quarta, a caminho da reunião do G20, o presidente americano disse que a inteligência dos Estados Unidos não está "bisbilhotando os e-mails das pessoas ou escutando seus telefonemas". "O que nós estamos tentando fazer é mirar, bem especificamente, em algumas áreas de preocupação", disse Obama, acrescentando que tais áreas incluem ações contra o terrorismo, armas de destruição em massa e segurança cibernética.
Autoridades brasileiras estão céticas sobre como as comunicações privadas de Dilma teriam entrado nessas categorias. O Brasil não é uma base conhecida de operações terroristas, não produz armas nucleares e tem sido uma democracia estável e aliado cordial dos EUA nas últimas três décadas.
Obama também disse nesta quarta que salvaguardas devem ser fortalecidas para garantir que os programas de vigilância se mantenham dentro de determinados parâmetros. "Só porque nós podemos fazer algo, não significa que devemos fazê-lo", disse.
A reportagem da TV Globo mostrou o que afirmava ser um slide da NSA de junho de 2012, que apontava os padrões de comunicação entre Dilma e seus auxiliares mais próximos. Esse slide e um outro, que mostrava mensagens escritas enviadas pelo presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, quando ainda era candidato à presidência, faziam parte de um estudo de caso da NSA, mostrando como os dados poderiam ser "inteligentemente" filtrados pela agência, segundo a reportagem.
A reportagem baseou-se em documentos obtidos junto a Snowden pelo jornalista inglês Glenn Greenwald, que mora no Rio de Janeiro.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um dos auxiliares em que Dilma mais confia, disse na terça-feira que o Brasil ainda tem de receber uma explicação "razoável" dos Estados Unidos. "Acho que essa espionagem indiscriminada não tem a ver a com segurança nacional", disse o ministro. "É uma espionagem com um caráter comercial, industrial."
Bernardo disse que a espionagem era "mais grave do que fica parecendo à primeira vista", o que pode explicar a razão que levou Dilma a buscar um pedido de desculpas depois de inicialmente pedir uma explicação por escrito dos EUA.
A autoridade do governo brasileiro que falou sob condição de anonimato à Reuters comparou a crise atual com a última vez que os dois países brigaram em público - em 2010, quando o antecessor de Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentou intermediar um acordo sobre o programa nuclear iraniano, o que não deu certo e gerou uma onda de recriminações entre Washington e Brasília. "Isso é muito pior que o Irã", disse a fonte. "Ela está completamente furiosa."
Monitoramento a Dilma
Reportagem veiculada no último domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.
De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem o nome da presidente do Brasil e do presidente do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.
O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.
Na manhã desta segunda-feira, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, foi chamado pelo ministro Luiz Alberto Figueiredo, das Relações Exteriores, para dar novas explicações sobre as denúncias de espionagem. Shannon ficou por cerca de meia hora reunido com o chanceler e saiu sem falar com a imprensa. O Itamaraty se limitou a dizer que a conversa foi firme e que Figueiredo deixou claro que o governo brasileiro não tolerará a espionagem de suas autoridades e cidadãos. A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília não confirmou o conteúdo da conversa.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.