O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ironizou as críticas do advogado-geral da União André Mendonça à superlotação no transporte público brasileiro. Logo no início de seu voto, o ministro relembrou que o AGU ocupou até a semana passada o cargo de Ministro da Justiça e que tinha entre suas atribuições a responsabilidade de formular diretrizes sobre transportes no País.
Mendonça criticou as medidas restritivas a igrejas e cultos religiosos enquanto o País presencia cenas de "ônibus superlotados" e viagens de avião "como uma lata de sardinha". Ao abrir o julgamento, Gilmar rebateu o AGU.
"Quando Vossa Excelência fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente no transporte coletivo, eu poderia ter entendido que Vossa Excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de uma viagem a Marte, mas verifiquei que Vossa Excelência era Ministro da Justiça e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União cabe legislar sobre diretrizes nacionais de transportes", criticou Gilmar.
"Vejo, portanto, que está havendo um certo delírio neste contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma a sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém", continuou o ministro.
Gilmar apontou em seguida a 'postura cambiante' do procurador-geral Augusto Aras, que inicialmente pediu urgência na análise do caso e, após ter o pedido negado, solicitou que a ação fosse distribuída ao ministro Kassio Nunes Marques, favorável à abertura dos templos. O ministro chamou o pedido de 'desconsolado'.
Alinhado ao Palácio do Planalto, Aras alegou que o caso deveria ficar com o indicado do presidente Jair Bolsonaro, que é relator de processo mais antigo sobre o tema. O chefe do Ministério Público Federal, no entanto, só se manifestou sobre a questão da relatoria após virem à tona as decisões conflitantes dos dois ministros.
A manifestação foi rebatida por Gilmar, que chamou o pedido de 'desconsolado'. "Não prospera o desconsolado requerimento do parquet para que a presente ação fosse redistribuída à relatoria do eminente ministro Nunes Marques", disparou. "Não me parece haver espaço para que um representante maior do MPF ultrapasse os limites de sua função para aderir aos interesses do autor, ao ponto de adotar estratégias processuais", disse.
Aras e Mendonça são dois nomes cotados para a segunda indicação ao STF a ser feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que defende a entrada de um nome 'terrivelmente evangélico' na Corte. No julgamento que discute se as medidas restritivas podem impedir a realização de cultos e missas no momento mais crítico da pandemia, tanto o AGU quanto o PGR defenderam a derrubada das restrições sob o argumento de 'liberdade religiosa'.
Kassio
Gilmar Mendes também comentou a decisão de Kassio Nunes Marques que, na véspera da Páscoa, liberou a realização de cultos e missas em todo o País. Segundo o ministro, o próprio colega reconheceu que sua liminar se estendeu 'para além do pedido inicial' da Associação Nacional dos Juízes Evangélicos (Anajure), incluindo até municípios e Estados cujos decretos não era questionados pela entidade.
A ação da Anajure buscava permissão para atividades como serviços de capelaria, ações de cunho social e filantropia, atividades eclesiásticas e transmissões virtuais de cerimônias. A liminar de Kassio acabou por conceder tudo isso e liberar também a realização de celebrações presenciais livres de aglomeração.
"O próprio ministro Nunes Marques, ao decidir monocraticamente, reconheceu que sua decisão se estava estendendo para além do pedido inicial, abarcando estados e municípios que não participam a demanda", apontou Gilmar.