O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou da primeira instância e remeteu à Corte a investigação sobre suposto repasse de R$ 5 milhões em caixa dois para a campanha de José Serra (PSDB-SP) em 2014.
A suspeita de caixa dois levou o tucano a ser alvo da Operação Paralelo 23, deflagrada pela Polícia Federal no final de julho. As apurações tiveram como base a delação de Elon Gomes, empresário ligado à Qualicorp, que relatou repasses milionários para turbinar a campanha de Serra ao Senado em 2014. O fundador do conglomerado de saúde, José Seripieri Filho, foi preso temporariamente por três dias e acusado de ser o 'mentor intelectual' do esquema.
A defesa de Serra recorreu ao Supremo ainda em julho alegando que a Justiça Eleitoral autorizou diligências relacionadas a fatos e acontecimentos posteriores às eleições de 2014. Como exemplo, os advogados listam que a Promotoria Eleitoral e a PF mencionam projetos de lei e requerimentos ligados à área da saúde apresentados entre 2015 e 2020 ao pedir a aprovação para a Paralelo 23. Os documentos seriam relativos ao atual mandato de Serra, protegido por foro.
A Paralelo 23 tentou fazer buscas no gabinete do tucano, mas o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu a diligência por considerá-la muito ampla e com risco de atingir atos ligados ao atual mandato de Serra. No recesso do Judiciário, Toffoli suspendeu a investigação eleitoral contra o tucano.
Segundo Gilmar Mendes, os autos apresentados pela defesa apontam que Serra não estava exercendo mandato eletivo que pudesse resultar em ações e projetos de saúde em favor da Qualicorp ou José Seripieri Filho.
"Portanto, conclui-se claramente que houve a busca de elementos de prova posteriores aos fatos ocorridos durante a campanha", apontou o ministro. "Ademais, o deferimento do pedido de apreensão do celular do reclamante e a tentativa de cumprimento de diligências em seu gabinete funcional também apontam para a tentativa de colheita de elementos de prova relativos às suas atuais funções, em especial porque é pouco provável que se encontre dados relativos a fatos ocorridos há quase 6 (seis) anos em seu aparelho telefônico".
De acordo com Gilmar, 'uma vez que a investigação avançou sobre crimes praticados' por Serra no exercício de seu mandato como senador, cabe à Justiça Eleitoral de primeira instância remeter todos os procedimentos instaurados contra o tucano ao STF, 'com o encaminhamento imediato à Procuradoria-Geral da República, para as providências cabíveis, ante o risco de prescrição'.
Os crimes imputados a Serra prescrevem na próxima terça, 8. O senador é acusado de receber caixa dois sem declarar à Justiça por meio de uma 'estrutura financeira e societária' montada por José Seripieri Filho para ocultar a transferência do dinheiro da Justiça Eleitoral. De acordo com a PF, Serra teria recebido R$ 5 milhões em três parcelas - duas de R$ 1 milhão e outra de R$ 3 milhões.
O esquema foi revelado pelo empresário Elon Gomes de Almeida, ex-diretor da Qualicorp, que intermediou o repasse por meio de contrato de licença de software e serviços gráficos jamais prestados. As buscas contra Serra foram autorizadas pelo juiz eleitoral Marco Antônio Martin Vargas a partir de 'contundente e robusto conjunto de elementos' que inclui notas fiscais, contratos fictícios e comprovantes de transações financeiras entre os investigados.
Apesar dos repasses terem ocorrido em setembro de 2014, o prazo de prescrição contra Serra no crime de caixa dois caiu de 12 para seis anos devido à idade do senador, que já tem mais de 70 anos.
Segundo Gilmar, 'eventual ocorrência da prescrição não possui qualquer relação com a atuação dessa Corte ou com motivos relacionados à morosidade do Poder Judiciário'.
"É importante reforçar esse ponto, para que se rejeite, desde já, qualquer crítica ao STF enquanto órgão responsável pela ocorrência desse causa extintiva da punibilidade", pontuou o ministro.
Segundo Gilmar, a investigação começou após a delação de Elon Gomes de Almeida, que só ocorreu em 2017, e os autos só foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral em maio de 2018, após o entendimento do STF de que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes de corrupção conexos com eleitorais. O inquérito policial contra Serra só foi aberto no ano passado.
"Portanto, nesse período de três anos entre o processamento da notícia de fato e o presente julgamento, entre 2017 a 2020, o procedimento tramitou praticamente sob a responsabilidade das instâncias inferiores, somente tendo sido objeto de conhecimento e apreciação por esta Corte no último mês", afirmou.
Após a deflagração da Paralelo 23, em julho, o senador José Serra lamentou o que chamou de 'espetacularização' da operação da PF e negou ter recebido caixa dois.
"É ilegal, abusiva e acintosa a atuação dos órgãos de investigação no presente caso, ao tratar de fatos antigos, para gerar investigações sigilosas e desconhecidas do Senador e de sua Defesa e nas quais ele nunca teve a oportunidade de ser ouvido", afirmaram os advogados Sepúlveda Pertence e Flávia Rahal, que defendem o tucano.