O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, defendeu nesta quinta-feira em Davos, na Suíça, uma articulação maior entre empresas e órgãos de investigação no combate ao crime, independentemente de acordos formais de cooperação entre países.
Durante participação em um painel sobre crime globalizado no Fórum Econômico Mundial, o ministro disse que acordos de cooperação muitas vezes não passam de "folhas de papel" sem efeito prático.
Ao explicar sua proposta, ele chegou a defender uma plataforma inspirada no aplicativo de transporte Uber.
"Eu estava pensando aqui em tecnologias usadas com carro como Uber. No passado, eram preciso licenças para (operar) táxi, e agora há uma plataforma digital em que você não precisa mais do governo para dizer que (o serviço) é confiável. Eu estava pensando em algo similar. Você ter talvez uma plataforma digital em que corporações vão para essa plataforma e dizem 'estamos disponíveis para cooperação na aplicação da lei em todo o mundo', não necessariamente você precisa de uma cooperação pelo nosso governo", disse Moro, em inglês.
O ministro destacou que empresas, assim como o crime organizado, não têm barreiras nacionais à sua atuação. "Só governo tem", ressaltou. E citou um exemplo concreto que vivenciou como juiz federal em um caso de investigação em 2004, quando "profissionais em lavagem de dinheiro" haviam movimentado recursos para "políticos, empresários e outros criminosos" na agência de "um banco estatal em Miami".
"Naquela ocasião, não havia acordo mútuo (de cooperação) com os Estados Unidos. Nós abordamos esse banco brasileiro com braço em Miami e o banco mesmo solicitou uma decisão a uma corte estadual para conseguir uma autorização judicial para entregar os arquivos bancários para autoridades brasileiras", contou Moro.
A mediadora do painel, Ilona Szabó Carvalho, diretora-executiva do Instituto Igarapé, qualificou a proposta de Moro de "disruptiva" (algo que quebra padrões) e sugeriu que servisse como estímulo para reflexões sobre como ampliar, não só acordos globais, mas mais experiências práticas.
"Eu percebo que a cooperação internacional hoje em dia é baseada em cooperação entre governos, entre funcionários dos órgãos de aplicação da lei, mas isso é mesmo necessário?", questionou também o ministro.
"Se você é uma corporação privada e não quer que sua empresa seja usada para fins criminais, você normalmente quer cooperar. Por que você precisa seguir todos os canais diplomáticos? Normalmente você precisa disso para medidas coercitivas, como depoimentos, (obter) arquivos de bancos, para ter esse tipo de evidência. Mas se a cooperação é voluntária você talvez possa trabalhar diretamente com órgãos legais de outros países", acrescentou Moro.
Risco de provas ilegais?
Diante da proposta, um participante do público lembrou que a agilidade da cooperação é importante para conseguir deter criminosos, mas ponderou que há o risco de provas serem descartadas pela Justiça depois caso tenham sido obtidas fora do caminho legal.
Moro respondeu que não se tratava disso. "Estamos falando apenas que, em alguns casos, se não for possível usar acordos entre países, canais diplomáticos, talvez você possa usar algo diferente. Por exemplo, se uma empresa de outro país voluntariamente coopera com órgãos de aplicação de lei de outro país não há problema com a prova. É diferente de ter prova sem mandado judicial", disse.
Um das acusações que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz contra a operação Lava Jato é que a força-tarefa teria obtido cooperação de autoridades americanas extralegalmente. Os advogados do petista baseiam suas alegações, por exemplo, em uma palestra realizada em julho de 2017 por Kenneth Blanco, então Vice-Procurador Geral Adjunto do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em que ele afirma que a confiança estabelecida entre autoridades americanas e brasileiras permitiu "comunicação direta sobre provas".
Na fala, ele elogia a condenação de Lula por Moro no caso do Triplex do Guarujá, que havia ocorrido dias antes, e defende que agentes de diferentes países inicialmente troquem informações diretamente e, apenas após o avançar das investigações, acionem canais oficiais.
"Dado o relacionamento próximo entre o Departamente de Justiça (americano) e os procuradores brasileiros, não precisamos nos basear apenas em procedimentos oficiais, como tratados mútuos de cooperação jurídica, que geralmente exigem tempo e dinheiro significativos para serem escritos, traduzidos, transmitidos oficialmente e respondidos", disse também na ocasião.