BRASÍLIA - Assessores presidenciais e diplomatas apostam na participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na manhã desta quinta-feira, dia 20, em um fórum voltado ao meio ambiente promovido pelo governo Joe Biden, como uma oportunidade para desfazer o mal-estar causado por declarações recentes do petista, hostis aos Estados Unidos e à Europa. Lula declarou durante viagem à China e aos Emirados Árabes Unidos que as potências ocidentais contribuíam com a continuidade da guerra da Rússia contra a Ucrânia, ao fornecer armas para a defesa militar de Kiev.
A ideia de que Washington e Bruxelas incentivavam o conflito e deveriam parar foi duramente rebatida, tanto pela Casa Branca quanto pela Europa. Em tom pouco usual, os norte-americanos disseram que Lula papagaiava a propaganda russa. Dias antes, o presidente brasileiro questionara a dominância do dólar e defendera transações internacionais em moedas locais, uma pauta que agrada a Pequim e Moscou.
Como o Estadão antecipou, Lula seguiu a estratégia e usou seu discurso no fórum para fazer um aceno ao Ocidente. O presidente mencionou a guerra, afirmou ser "defensor intransigente da paz" e disse quem o mundo "pode contar com o Brasil".
"Também somos defensores intransigentes da paz entre os povos. Não há sustentabilidade num mundo em guerra. Além da paz, é urgente buscarmos uma relação de confiança entre os países", afirmou o presidente brasileiro, que encerrou sua participação com um recado claro. "Podem contar com o Brasil."
Por videoconferência, Lula discursou no Major Economies Forum on Energy and Climate (Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima - MEF). O evento foi aberto por Biden e teve a participação de outros chefes de Estado e de governo de países como Alemanha, Canadá, Argentina, México e da União Europeia.
A confirmação de que Lula participaria do encontro, importante para Biden, foi vista por integrantes do governo brasileiro como uma sinalização de boa vontade. A agenda climática é pauta comum de ambos e liga seus projetos políticos. Os Estados Unidos se comprometeram a ingressar no Fundo Amazônia e, pouco antes de o fórum começar, anunciaram a ampliação seu primeiro pagamento. A doação passou de U$ 50 milhões para ao menos U$ 500 milhões.
Não havia garantias de que Lula usaria o microfone para esclarecer detalhadamente a posição do Brasil a respeito da guerra. A orientação era que ele não fugisse do tema, embora pudesse mencionar o conflito bélico e seus efeitos energéticos, por exemplo. O presidente deu um jeito de encaixar o recado de forma sutil e breve.
A posição adotada pela diplomacia brasileira é que os assuntos devem ser tratados separadamente em cada fórum adequado, mas nem sempre isso é seguido por todos os atores diplomáticos. Alguns países tentam aproveitar reuniões multilaterais para emplacar assuntos paralelos.
Ao falar sobre meio ambiente, Lula reforçou laços e sinalizou compromisso com a pauta climática que está na agenda de democracias ocidentais. Tentou mostrar que o País mantém, sob o novo governo, alta prioridade à agenda verde, que voltou ao foco da política externa brasileira. O País recuperou o status de ator incontornável, embora os altos índices de desmatamento registrados nos primeiros meses de seu governo tenham sido considerados decepcionantes no exterior.
Nos próximos dias, Lula dará mais demonstrações às democracias ocidentais, após as reclamações contundentes dos EUA e da União Europeia. Viajará a Portugal e Espanha, onde cumpre agenda ao longo da próxima semana com chefes de Estado e de governo, e em seguida participará da coroação do Rei Charles III, no Reino Unido. Em Londres, será um dos cinco chefes de Estado recebidos em reuniões bilaterais pelo premiê britânico, Rishi Sunak.
Lula sentiu a repercussão negativa de suas declarações sobre a guerra. Um dia depois de ser contestado em Washington e Bruxelas, "voltou ao eixo", como definiu um embaixador, e reiterou o cerne da posição brasileira. Embora evite citar a Rússia e use termos mais brandos do que gostariam americanos e europeus, disse que o Brasil condena a violação territorial da Ucrânia, mas busca uma saída negociada e se propõe a mediar um grupo que auxilie a selar a paz.
Na terça-feira, dia 19, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, conversou com o ex-chanceler Celso Amorim, assessor internacional de Lula. Os norte-americanos queriam mais detalhes sobre a posição brasileira em relação à guerra, depois de verem o chanceler russo, Sergei Lavrov, ser recebido com distinção por Lula e propagar, sem nenhum reparo, que Moscou e Brasília partilhavam de visão similar.
O telefonema era aguardado no Itamaraty e no Palácio do Planalto. Era também visto como o canal adequado para dirimir algum ponto. Eles falaram sobre a guerra, sobre mudança climática e defesa da democracia.
Diplomatas dizem que os EUA foram lembrados que o País retomou posições clássicas de sua política externa, o que inclui o não alinhamento automático e a preservação de pontes e relações com todos os atores, mesmo diante de uma geopolítica cada vez mais impregnada da lógica da "guerra fria". Consideram o acesso a Putin, evidenciado na deferência com que o russo recebeu Celso Amorim, deve ser considerado um ativo valioso e escasso.
O Brasil não será tutelado, afirmam embaixadores, nem se considera devedor da defesa da democracia feita no ano passado pelo governo Biden, quando o processo eleitoral foi questionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e, em janeiro, quando houve uma tentativa de golpe de Estado.
O Itamaraty também rebate a ideia, propagada pelos americanos, de que o Brasil tenha comprometido sua capacidade de promover uma mesa de negociação da paz, por causa das declarações de Lula, porque nenhum processo avançará sem a participação de nações com posições muito mais claras e polarizadas, com China e EUA.
O Ministério das Relações Exteriores notou que as queixas de Washington, mais eloquentes, começaram a emergir depois que o Brasil deixou de assinar uma declaração conjunta contra a Rússia, na última edição da Cúpula da Democracia, promovida em março por Biden. O documento teve o apoio de 76 países. O texto cobrava a retirada "imediata, completa e incondicional" das tropas russas do território ucraniano. O argumento do governo é que o assunto estava no foro equivocado e já vem sendo tratado nas Nações Unidas, especialmente pelo Conselho de Segurança.