BRASÍLIA - O governo federal pode impedir a contratação e a participação em licitações públicas de pessoas físicas e jurídicas que atuaram em atos antidemocráticos, como a invasão e a depredação de órgãos dos Três Poderes da República ocorridas no dia 8 de janeiro deste ano em Brasília.
A possibilidade está prevista em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que foi aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, portanto, agora tem efeito vinculante, devendo ser observado em caráter obrigatório por todos os órgãos do Poder Executivo Federal. O documento está publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira,12.
Dentre suas conclusões, o parecer diz que "a prática de desenvolver, ou ainda, de estimular ações atentatórias aos Poderes da República consubstancia violação ao Estado Democrático de Direito e ao princípio 'republicano', ambos valores que lastreiam a Ordem Jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988, consubstanciando, à luz desta, condutas eivadas de alta carga de reprovabilidade do ordenamento jurídico pátrio".
Portanto, a contratação administrativa de agentes que praticaram ou incentivaram atos atentatórios ao estado democrático de direito, prossegue a argumentação do parecer, pode ser interpretada como situação incompatível com os princípios da "moralidade", do "interesse público", da "segurança jurídica" e do "desenvolvimento sustentável".
A eventual penalização das empresas dependerá, contudo, de apuração em processo administrativo, no qual elas terão o direito a contraditório e ampla defesa.
Comportamento inidôneo
Além disso, a conduta também pode ser caracterizada como "comportamento inidôneo", o que sujeita pessoas físicas e empresas envolvidas em atos antidemocráticos, quando figurarem como licitantes ou contratadas pela administração pública federal, à responsabilização por meio da penalidade de "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar", prevista na Lei de Licitações. A punição impede os responsáveis de licitar ou contratar com a Administração Pública Direta e Indireta de todos os entes federativos pelo prazo mínimo de 3 anos e máximo de 6 anos.
A "declaração de inidoneidade para licitar ou contratar" ou a sanção de "impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública", no entanto, não provocam efeito rescisório automático dos contratos em andamento, impedindo apenas a prorrogação dos instrumentos.
O parecer prevê ainda que a Administração Pública tem 5 anos, contados da ciência do fato, para instaurar o devido processo administrativo para apurar a questão, observando o devido processo legal, com o exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa, e não excluindo a obrigação das pessoas físicas ou jurídicas responsáveis de ressarcir a Administração Pública dos prejuízos sofridos em decorrência de atos antidemocráticos.
"A 'atuação antidemocrática' tratada no presente parecer não se confunde com o regular exercício do direito de crítica decorrente do direito fundamental à 'liberdade de expressão', previsto no art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal", diz o parecer.
Precedentes
O parecer solicitado pela CGU não é o primeiro movimento que penaliza as empresas que teriam algum envolvimento com atos antidemocráticos.
Após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas em 30 outubro de 2022, quando seus apoiadores bloquearam rodovias em todo o País como forma de protesto, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de contas bancárias de 33 empresas suspeitas de envolvimento com o episódio.
Já em fevereiro deste ano, pouco mais de um mês depois das manifestações do 8/1, a Advocacia-Geral da União pediu a Moraes que pessoas e empresas envolvidas sejam condenadas a ressarcir o erário em R$ 20,7 milhões. Pedido semelhante foi feito pela AGU para a Justiça comum do Distrito Federal. A entidade solicitou o bloqueio de R$ 6,5 milhões de 52 pessoas e sete empresas envolvidas com os atos de janeiro.
Nas três situações, a grande maioria das empresas são do setor de transportes.