Paralisações e protestos em todo o país adicionam novo elemento de incerteza aos planos do governo e podem diminuir apoio às reformas trabalhista e previdenciária entre a base aliada no Congresso.Sindicatos e movimentos de oposição paralisaram dezenas de setores e tomaram as ruas de várias cidades do Brasil nesta sexta-feira (28/4) para desafiar as reformas promovidas pelo governo do presidente Michel Temer.
Convocada como uma greve geral, as ações paralisaram o transporte público inteiramente ou parcialmente em todas as capitais e resultaram em bloqueios de estradas e vias públicas. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) falou em dezenas de milhões de trabalhadores parados, um número que não pôde ser verificado de maneira independente.
Esse não foi o primeiro ato contra Temer, mas foi o que mais gerou expectativa até o momento diante do seu impacto potencial sobre o governo e da adesão de diversas categorias e de setores da Igreja Católica. Diferentemente de outros atos convocados em novembro e março que também usaram a expressão "greve geral", a paralisação desta sexta produziu imagens de impacto e entrou no radar da imprensa. Segundo jornais brasileiros, a classe política acompanhou o movimento com apreensão.
As ações ocorreram num momento especialmente delicado para um governo marcado por dezenas de escândalos e instabilidade permanente desde o seu início, em maio do ano passado. Não bastassem o impacto das delações da Odebrecht, o Planalto ainda enfrenta dificuldades para aprovar a proposta de emenda constitucional que pretende fazer mudanças profundas na Previdência Social.
Diante do impacto da Operação Lava Jato, o governo tem apostado o que resta do seu capital político para aprovar um ambicioso e controverso pacote de reformas e assim recuperar parte de sua credibilidade com alguns setores que apoiam as mudanças, especialmente o empresariado - e justificar sua continuidade até o fim de 2018.
Para o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a amplitude da greve desta sexta adicionou mais um elemento para complicar os planos de Temer.
Um placar apertado
Na quarta-feira, o governo conseguiu aprovar na Câmara o seu controverso projeto de reforma trabalhista, que críticos apontaram como um ataque aos direitos dos trabalhadores. A aprovação explicitou os limites da influência do Planalto sobre os deputados. Foram 296 votos a favor. Se encarado como teste para a reforma da Previdência, o total está abaixo dos 308 votos necessários.
Os protestos desta sexta-feira evidenciaram ainda uma nova rachadura em parte da base de apoio. Entre os organizadores da greve geral estava a Força Sindical, ligada ao Solidariedade (SD), partido da base. Seu líder, Paulinho da Força, disse que vai abandonar o governo se Temer insistir nas reformas. O SD tem 14 deputados.
No Senado, o colega de partido de Temer e cacique político Renan Calheiros criticou a reforma trabalhista, que ainda tem que passar pelos senadores. A executiva nacional do PSB, que tem 35 deputados na Câmara, já se mostrou contra as reformas e também ameaça abandonar a base.
A greve também indica que o governo vem perdendo a guerra de comunicação para convencer os brasileiros sobre a necessidade das reformas. Em março, uma pesquisa apontou que 72% da população rejeita mudar a Previdência. São poucos os políticos fora do círculo imediato de Temer que defendem as propostas abertamente.
A fidelidade da base às orientações do governo também vem caindo. Em julho de 2016, 91% dos deputados federais votaram de acordo com o governo. Em abril deste ano, o percentual caiu para 79% entre os cerca de 340 deputados que fazem parte da base. "Um movimento como essa greve tem uma consequência expressiva sobre a base parlamentar e aumenta o custo para manter essa base. Protestos reforçam a impopularidade e isolamento de um governo. Deputados querem sobreviver e pensar no próximo período eleitoral. Continuarem associados à agenda de Temer complica isso", afirma Oliveira, da UFPR.
O apoio parlamentar ao governo continua forte, mas vem caindo ao mesmo tempo em que Temer vem se mostrando mais e mais impopular. Uma pesquisa divulgada esta semana pelo instituto Ipsos apontou que o governo Temer é reprovado por 75% da população. Apenas 10% classificam sua administração como ótima, boa ou regular. É um índice mais baixo do que o registrado pela ex-presidente Dilma Rousseff na época do impeachment.
Segundo o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, o governo não está seguro de que vai passar a reforma da Previdência. "A fase de negociação e discussão já acabou. Agora o governo está no ponto de cobrar os votos da sua base aliada. O Planalto não sabe se vai conseguir, do contrário já teria pedido para colocar em votação. Nesse contexto, a greve e os protestos dão um novo sentido de urgência para Temer, já que os movimentos de oposição e sindicatos começam a ter uma percepção maior de que o governo pode não ter força para aprovar."
Antipetismo
Já o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie, questiona se todo o impacto da greve vai recair exclusivamente sobre o governo. Ele pergunta se os sindicatos têm algum plano alternativo realista para o que o governo está propondo. "Uma greve dessas chacoalha, mas não ganha uma batalha de ideias", afirmou. "No final do dia ficam imagens de violência cometidas por grevistas, de depredação. Também é difícil de avaliar se todos que pararam o fizeram por convicção ou se ficaram com medo de sair de casa", disse.
Mesmo com as atenções voltadas para o Planalto, a greve de fato mostrou que o antipetismo e a ojeriza a movimentos de esquerda ainda continuam fortes em alguns setores da sociedade, apesar da impopularidade de Temer e das reformas. Nas redes sociais, milhares de usuários publicaram críticas ao movimento, identificando os atos como um apoio a Lula.
O Movimento Brasil Livre (MBL), que coordenou os protestos contra Dilma Rousseff, chamou os grevistas de "vagabundos" em suas redes sociais - apesar de o próprio movimento ter convocado uma greve geral contra a petista em 2015. O prefeito de São Paulo, João Doria, usou as palavras "vagabundos" e "preguiçosos" para definir os grevistas.
Até a tarde desta sexta-feira, o Planalto não havia se manifestado sobre a greve. Segundo a Folha de S. Paulo, Temer queria adaptar seu posicionamento levando em conta a escala da paralisação. Apenas o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), havia se manifestado, minimizando os atos.