Idealizadores do Ficha Limpa criam abaixo-assinado para reforma política

Movimento espera coletar 1,6 milhão de assinaturas até 4 de agosto para protocolar projeto de lei de iniciativa popular pela reforma eleitoral

5 jul 2013 - 20h42
(atualizado às 20h55)

Enquanto o governo federal e o Legislativo divergem sobre a possibilidade de realizar uma consulta popular sobre a reforma política, nos bastidores, movimentos sociais correm para coletar, até o dia 4 de agosto, as 1,6 milhão de assinaturas necessárias para apresentar ao Congresso um projeto de lei de iniciativa popular com mudanças no sistema eleitoral brasileiro. 

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Criado pelos mesmos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o projeto de lei "Eleições Limpas" possui 32 artigos e, entre as principais propostas defendidas destacam-se: o fim das doações eleitorais por empresas privadas; um limite de até R$ 700 de doações por pessoas físicas; a implantação de um sistema de prestações de contas em tempo real; mudanças nas coligações partidárias (com o fim do "aluguel" do tempo de TV dos partidos pequenos pelos maiores); e a votação para o Legislativo em dois turnos, no qual o eleitor vota primeiro em um partido (com base nas propostas da sigla), e depois no candidato da legenda (escolhido após prévias partidárias). 

"Nós estamos em uma época em que o dinheiro está definindo os rumos da eleição, não são os programas eleitorais. (...) Não é correto falar que é o empresariado que financia as campanhas: é uma pequena parte do empresariado, que tem interesse direto no trabalho do Congresso. Dos 513 deputados federais que compõem a Câmara, 369 tiveram as campanhas mais caras em seus Estados. Ou seja, o parlamentar não representa os eleitores dele, mas aqueles que bancaram suas candidaturas", disse o juiz Márlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e um dos autores da Lei da Ficha Limpa, durante debate sobre o projeto realizado nesta sexta-feira, em São Paulo. "Hoje, 98% das doações (para candidatos) partem das empresas, o que acaba sendo uma fonte para a corrupção", completou o advogado Ramon Bentivenha, diretor de projetos do Instituto Atuação.

De acordo com o coordenador do MCCE, a ideia de dividir em dois turnos a eleição para o Congresso não é "revolucionária", mas parte do princípio de que os eleitores precisam conhecer, de fato, o partido que representa o candidato escolhido, já que não é possível se candidatar de forma "avulsa", ou seja, sem partido. 

Pela proposta, no segundo turno, o partido teria direito a lançar um número de candidatos equivalente ao dobro das cadeiras conquistadas no primeiro turno (cujo cálculo seria feito por meio do quociente eleitoral). Por exemplo: se uma legenda conquistasse cinco cadeiras na Câmara no primeiro turno, teria de escolher 10 candidatos para concorrer no segundo. 

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"Queremos forçar os partidos a mostrar o que eles têm de diferente uns dos outros. A redução do número de candidatos que esse modelo propõe é da ordem de 73,5%. Esse formato dispensa o financiamento de campanha por empresas", argumentou o juiz, que também é contrário à consulta popular por meio de plebiscito ou referendo,  que vem sendo discutido pelo Executivo e Legislativo.  

"(Não defendemos) Nem plebiscito, nem referendo. É hora da sociedade fazer sua voz ser ouvida através da iniciativa popular. Porque tanto o referendo e o plebiscito dependem do Congresso, e nós acreditamos que é a hora da sociedade tomar as rédeas das propostas de mudança", afirmou. 

A proposta foi apresentada à população no último dia 24 de junho, em um evento em Brasília, que reuniu várias entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mas, apesar de o debate sobre uma reforma política ter ganhado destaque nas últimas semanas em decorrência dos protestos ocorridos em várias cidades, o coordenador do MCCE esclarece que o projeto "não é uma resposta aos gritos das ruas". "Foram quase seis meses para elaborar essa proposta, feita após inúmeras reuniões e debates. Esse lançamento apenas coincidiu com as manifestações nas ruas, (...) mas ele não é uma resposta", disse Reis.

Desde então, as entidades correm contra o tempo para obter o apoio necessário. Para entrar em vigor nas eleições de 2014, o texto precisa ser protocolado no Congresso até o dia 4 de agosto, com o apoio de 1% do eleitorado do País - daí a necessidade das 1,6 milhão de assinaturas -, ser votado até o fim de setembro e, se aprovado, ser publicado no Diário Oficial da União até o dia 4 de outubro de 2013.  Para tanto, contam com um sistema de abaixo-assinado digital, por meio de um site.  

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Consulta popular

Após uma série de manifestações tomarem as ruas de várias cidades brasileiras nas últimas semanas, a presidente Dilma Rousseff (PT) propôs a realização de um plebiscito para definir os temas que devem ser incluídos em um projeto de reforma política, que deverá passar ainda pela Câmara e pelo Senado. Entre os tópicos que devem entrar na consulta popular estão: o fim do voto secreto nas votações do Congresso; a escolha entre o sistema de votação proporcional (como é hoje) ou distrital; os mecanismos de financiamento das campanhas; o extinção da vaga de suplente de senador; e a manutenção das coligações partidárias. 

A proposta da presidente Dilma, entretanto, enfrenta resistência mesmo dentro da base aliada. Isso porque o governo espera fazer a consulta popular - e aprovar as mudanças - em tempo para as eleições de 2014, o que alguns parlamentares consideram não haver tempo hábil. Outra polêmica é sobre o mecanismo de consulta: enquanto o Executivo propõe a realização de um plebiscito (o que acontece antes da aprovação da lei pelo Congresso), a oposição pede a realização de um referendo, ou seja, que os eleitores opinem após a aprovação de um projeto pelo Legislativo (cabendo ao povo ratifica-lo ou rejeitá-lo).

Apesar do pouco tempo para campanha - a Lei da Ficha Limpa levou quase dois anos entre a coleta de assinaturas e a aprovação - os movimentos sociais acreditam que, com "vontade política", é possível aprovar o projeto, que descarta mudanças na Constituição de 1988.  

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"É uma reforma eleitoral que dá início a uma reforma política. (...) Nós aprendemos muito com a Lei da Ficha Limpa. Nós conseguimos emplacar uma lei que um deputado tinha dito que era 'mais fácil um boi voar que ela ser aprovada'. E nós fizemos o boi voar", defendeu Reis. Leia a íntegra do texto aqui. 

Protestos contra tarifas mobilizam população e desafiam governos de todo o País

Mobilizados contra o aumento das tarifas de transporte público nas grandes cidades brasileiras, grupos de ativistas organizaram protestos para pedir a redução dos preços e maior qualidade dos serviços públicos prestados à população. Estes atos ganharam corpo e expressão nacional, dilatando-se gradualmente em uma onda de protestos e levando dezenas de milhares de pessoas às ruas com uma agenda de reivindicações ampla e com um significado ainda não plenamente compreendido.

A mobilização começou em Porto Alegre, quando, entre março e abril, milhares de manifestantes agruparam-se em frente à Prefeitura para protestar contra o recente aumento do preço das passagens de ônibus; a mobilização surtiu efeito, e o aumento foi temporariamente revogado. Poucos meses depois, o mesmo movimento se gestou em São Paulo, onde sucessivas mobilizações atraíram milhares às ruas; o maior episódio ocorreu no dia 13 de junho, quando um imenso ato público acabou em violentos confrontos com a polícia.

A grandeza do protesto e a violência dos confrontos expandiu a pauta para todo o País. Foi assim que, no dia 17 de junho, o Brasil viveu o que foi visto como uma das maiores jornadas populares dos últimos 20 anos. Motivados contra os aumentos do preço dos transportes, mas também já inflamados por diversas outras bandeiras, tais como a realização da Copa do Mundo de 2014, a nação viveu uma noite de mobilização e confrontos em São PauloRio de JaneiroCuritibaSalvadorFortalezaPorto Alegre e Brasília.

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A onda de protestos mobiliza o debate do País e levanta um amálgama de questionamentos sobre objetivos, rumos, pautas e significados de um movimento popular singular na história brasileira desde a restauração do regime democrático em 1985. A revogação dos aumentos das passagens já é um dos resultados obtidos em São Paulo e outras cidades, mas o movimento não deve parar por aí. “Essas vozes precisam ser ouvidas”, disse a presidente Dilma Rousseff, ela própria e seu governo alvos de críticas.

Fonte: Terra
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