Afastada há um mês, a presidente Dilma Rousseff vem mantendo uma rotina intensa de entrevistas e de presença na internet para reforçar a tese de que foi vítima de um "golpe" e atacar o governo Michel Temer. Nesse período, ela teve direito de permanecer no palácio da Alvorada - que se converteu na sede de um mirrado "governo paralelo" - e passou a se empenhar pessoalmente em algo que normalmente evitava: a articulação política.
Logo após o seu afastamento, Dilma deixou Brasília e viajou a Porto Alegre, onde tem residência. Antes do voo, concedeu uma entrevista para jornalistas estrangeiros. Foi a primeira de muitas.
Após alguns dias, concedeu sua primeira exclusiva ao jornalista Glenn Greenwald. Em seguida, marcou presença no jornal New York Times e nas redes Al-Jazeera e Russia Today. Segundo assessores do PT, outras dezenas de veículos internacionais aguardam sua vez.
Internet
As entrevistas não tem sido a única forma que Dilma encontrou para driblar a falta de acesso aos canais oficiais de comunicação. A presidente aproveitou para repaginar sua página no Facebook. Diariamente são publicados textos criticando Temer e comentários sobre assuntos variados - ela expressou solidariedade à vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro antes mesmo de Temer. O trabalho vem sendo tocado com a ajuda de uma equipe de três assessores de comunicação.
A página também tem sido usada para falar das restrições que Temer impôs aos gastos da presidente afastada. Quando o cartão de suprimento da Alvorada - usado para comprar comida - foi cortado, Dilma publicou uma foto segurando dois bombons que, segundo ela, foram enviados por uma criança de 9 anos solidária diante do corte. Seu site pessoal, por sua vez, passou a estampar uma seção chamada "É Golpe" e uma agenda de protestos contra Temer.
Além do cartão, o presidente interino também restringiu o acesso de Dilma a aviões da Força Aérea, limitando seu empréstimo apenas a voos entre Brasília e Porto Alegre.
A restrição, no entanto, não impediu que Dilma viajasse. Além de três passagens pela capital gaúcha, ela foi uma vez para Belo Horizonte - onde se reuniu com blogueiros -, uma no Rio de Janeiro e outra em Campinas - nas duas últimas participou de atos de apoio. Por enquanto, esses atos têm contado com um público selecionado. A presidente não participou do protesto nacional contra Temer na última sexta-feira (10/06).
Estratégias
Alguns atos tímidos também vêm ocorrendo no Alvorada. Com seu gabinete agora ocupado por Temer, Dilma teve que instalar seus assessores na residência. Hoje, 35 ocupam diferentes salas. Nesse grupo estão Giles Azevedo, um de seus colaboradores mais próximos, e Jorge Messias, o "Bessias", o ex-subchefe de Assuntos Jurídicos mencionado por Dilma na conversa com Lula divulgada pelo juiz Sérgio Moro.
Entre os aliados que frequentam diariamente o palácio estão os ex-ministros José Eduardo Cardozo, Ricardo Berzoini e Miguel Rossetto. Lula, por sua vez, só apareceu três vezes, mas, segundo assessores, conversa diariamente com Dilma por telefone.
Nas reuniões, a presidente afastada passou a traçar estratégias para tentar voltar ao governo. De acordo com assessores, Dilma, conhecida pela sua aversão à articulação política, tem inclusive recebido senadores indecisos e tentado convencê-los a votar a seu favor.
A estratégia mais recente foi divulgada nos últimos dias: caso consiga reassumir, a presidente afastada promete convocar um plebiscito para que a população decida se deseja novas eleições presidenciais. A proposta foi bem recebida por alguns membros do Congresso, mas é vista com ceticismo por especialistas.
Segundo o cientista político David Fleischer, a cartada de Dilma tem pouco efeito prático. "Ela já demonstrou que não consegue aprovar seus projetos no Congresso. Isso é um teatro", afirmou.
Já o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, afirma que apesar das ações de Dilma no último mês, ela ainda não obteve nada concreto para reverter o quadro. "Dilma e os petistas parecem ter se animado com o desgaste de Temer, mas suas ações são limitadas por não contarem com o peso do poder institucional. Fica difícil oferecem algo em troca de apoio."