Desde o início de 2015, Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e Rogério Chequer, do Vem Pra Rua Brasil, discursam para multidões sobre um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas seus carros de som e megafones nunca se encontraram.
Se, para o último, a presidente deve cair porque "não tem base de sustentação, fundamental no presidencialismo de coalizão", para o primeiro Dilma fica, já que o "Congresso não tem autoridade alguma para apresentar saídas para a crise".
Em mais uma semana de protestos contra e a favor do afastamento, a BBC Brasil fez uma série de perguntas idênticas aos dois, na tentativa de identificar o que distancia e o que aproxima os dois principais símbolos da esquerda e da direita nas ruas do país.
Enquanto ideias sobre impeachment, Lava Jato e políticas socioeconômicas os afasta, uma nova lei Antiterrorismo, em discussão no Congresso, gera temor conjunto de "criminalização" de seus protestos.
Também convergem em críticas à presidente, a deputados e senadores - em especial Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, que recebeu "nota zero" de ambos.
"O Congresso reflete uma parte do governo ao não ter capacidade de aprovar as medidas mais básicas exigidas pela população", diz Chequer. "Deste Parlamento não deve se esperar nada a não ser regressão, conservadorismo e ataques a direitos", afirma Boulos.
Pouco mais de 72h depois dos protestos organizados pelo Vem Pra Rua e outros movimentos pró-impeachment no último domingo, MTST, centrais sindicais e movimentos sociais prometem encher as ruas do país nesta quarta-feira.
Leia, a seguir, os principais momentos das entrevistas:
BBC Brasil: Como foram os protestos do dia 13, a favor do impeachment?
Guilherme Boulos: Esvaziadíssimos. Imagino até que os organizadores, se tiverem bom senso, terão a mesma avaliação. Não tiveram nenhuma densidade social e sequer os setores conservadores da classe média, que se reuniram nos outros, apareceram dessa vez. Isso mostra que há um esgotamento dessa pauta e que a ideia de impeachment conduzida por (Eduardo) Cunha (PMDB-RJ) não anima nem esses setores.
Rogério Chequer: Acabaram sendo mais que só um "esquenta" e tiveram números significativos nas ruas em mais de cem cidades em todo o país. O povo continua indignado e as mensagens foram contundentes de insatisfação e indignação com o governo. Os protestos de domingo foram maiores que todos os protestos organizados pelo governo ao longo de 2014, provavelmente somados. A nossa estimativa é de 100 mil em todo o país - eles não chegaram a tanto.
BBC Brasil: Qual é a expectativa para os protestos desta quarta-feira?
Guilherme Boulos: Vai ser expressivo. Fim de ano é um período difícil, mas vamos conseguir mobilizar seguramente mais de 40 mil, 50 mil pessoas em São Paulo. Em Brasília, também será importante. Mas essa oposição binária entre 13/12 e 16/12 não reflete todo o ato. No dia 16, a pauta é clara contra o ajuste fiscal e pela saída de Eduardo Cunha. Não vamos dar cheque em branco para Dilma, não vamos exaltá-la, este é um governo em grande medida indefensável pelas medidas que tem aplicado.
Rogério Chequer: Estou curioso para ver se vão ter uma audiência significativa pela primeira vez.
BBC Brasil: Qual é sua nota para o governo Dilma?
Guilherme Boulos: Está mais próximo do zero que do 10, seguramente. Foi um governo que não aplicou o programa com o qual foi eleito. Ao contrário: uma vez eleito, aplicou um programa derrotado, com ajuste fiscal, uma política de austeridade igual à que está levando a Europa a níveis altíssimos de desemprego, concentração de renda, regressão social. A política assumida pelo governo Dilma não tem nenhuma condição de ser defendida pela esquerda.
Rogério Chequer: Nota zero, porque todas as ações resultaram em retrocesso, em todas as áreas. Na econômica, passamos de crescimento pífio para depressão. Em termos financeiros, houve aumento de juros, de impostos e inflação. É um fracasso completo.
BBC Brasil: E qual é a nota para a gestão Cunha na presidência da Câmara?
Guilherme Boulos: Seguramente zero. Cunha representa o que há de pior na política brasileira em todos os sentidos. É um corrupto notório, contumaz, não tem condição de ser parlamentar, quanto menos para dirigir a Câmara. Protagoniza retrocessos, ataca direitos de mulheres, da população LGBT, direitos trabalhistas, direitos sociais. Precisa ser varrido da política.
Rogério Chequer: A nota para Eduardo Cunha é... deixa eu ver se tem algum motivo para ser diferente (da de Dilma)... é nota zero também. Porque ele tem conduzido a Câmara dos Deputados muito mais voltado aos seus interesses pessoais do que representando, como deveria, o que a maioria da população quer.
BBC Brasil: Como avalia os desdobramentos da operação Lava Jato?
Guilherme Boulos: Sob um aspecto, mostrou o que os movimentos sociais dizem há 30 anos: financiamento eleitoral por empresas gera apropriação do público pelo privado. O problema está em sua seletividade, como se um só um partido tivesse inventado a corrupção. Ataca-se Lula, PT, mas não se fala em FHC (PSDB-SP) ou Aécio Neves (PSDB-MG), que se elegeu em Minas com os mesmos investimentos privados dos que estão sendo investigados.
Rogério Chequer: Acho que, junto com o acordar da população, é uma das duas melhores coisas que aconteceram no Brasil recentemente. Porque tem sido uma das ações mais efetivas para, pela primeira vez nas últimas décadas, atacar a impunidade no país.
BBC Brasil: Qual é a melhor saída para a crise econômica?
Guilherme Boulos: O ajuste fiscal é a pior saída, porque joga a conta nas costas dos mais pobres. A saída passa por reforçar os investimentos públicos, com taxação do andar de cima, como o ganho financeiro exorbitante dos bancos, que continuam tendo lucros recordes. É preciso apropriar esse excedente para a sociedade, não para a elite financeira.
Rogério Chequer: A mais rápida é a mudança de governo assim que possível, porque esse governo não tem nenhuma condição de manter um grau de governabilidade mínimo para tomar as decisões mais adequadas para os destinos econômicos do país.
BBC Brasil: Qual é a melhor saída para a crise política?
Guilherme Boulos: Este impeachment significa andar para trás na crise política. O programa representado pelo (vice-presidente Michel) Temer (PMDB) não tem a menor condição de tirar a crise política. O Congresso Nacional não tem autoridade alguma para apresentar saídas para a crise. As saídas vão se construir nas ruas, com a mobilização popular.
Rogério Chequer: Impeachment. Porque o governo não tem mais base de sustentação alguma, e base, apoio, são fundamentais no presidencialismo de coalizão.
BBC Brasil: Como vê a lei Antiterrorismo, em discussão no Congresso?
Guilherme Boulos: Desastrosa, absolutamente, e é preciso pontuar que foi uma iniciativa do governo Dilma, de uma pessoa que foi presa como terrorista na ditadura. Agora encampa uma lei que de fato vai criminalizar os movimentos sociais. Se há terrorismo no Brasil é o terrorismo do Estado, que dizima a juventude negra e pobre dia após dia.
Rogério Chequer: Temo que ela confunda terrorismo real com manifestações democráticas. Que eu saiba, não há ameaça. Por enquanto, não. Não vejo problema em haver uma legislação quanto a isso, mas existem aspectos da lei que não segregam suficientemente manifestações pacíficas, mas contrárias ao governo, de atos de terrorismo.
BBC Brasil: Qual é sua opinião sobre o Congresso?
Guilherme Boulos: Se o governo Dilma é pessimamente avaliado, e o povo tem razão, o Legislativo é ainda pior. Este Parlamento representa interesses econômicos, não populares, e é impermeável à voz popular. A lógica do Parlamento brasileiro é atender aos interesses de quem dá dinheiro a campanhas, não por acaso as maiores empresas do país. Deste Parlamento não deve se esperar nada a não ser regressão, conservadorismo e ataques a direitos.
Rogério Chequer: O Congresso está refletindo uma parte do governo ao não ter capacidade de aprovar as medidas mais básicas exigidas pela população, como uma reforma eleitoral que faça diferença na representatividade do nosso sistema. O sistema de votação proporcional é sabidamente pífio no Brasil e houve tentativas totalmente ineficientes de se transformar isso, por exemplo com o voto distrital ou fim das coligações. O Congresso não conseguiu fazer nenhum progresso nesse sentido.