O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), "deixou o direito de lado para agir com fígado e fazer chantagem a céu aberto" ao acolher na quarta-feira (2) o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, diz Flávio Crocce Caetano, advogado de campanha da presidente no ano passado e líder dos esforços de defesa.
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Em entrevista à BBC Brasil nesta quinta-feira (3), ele afirmou que a estratégia inicial é apostar todas as fichas no STF (Supremo Tribunal Federal), que avaliará ações que questionam o ato do peemedebista, e considera que a aprovação da nova meta fiscal no Congresso invalida qualquer uso das chamadas "pedaladas fiscais" como um dos argumentos para afastar a presidente.
"O Supremo está muito sensível a abusos perpetrados pelo presidente da Câmara. Ele já fez isso antes, não é a primeira vez, e já foi repelido pelo STF em suas ações arbitrárias. Agora, a expectativa é que seja novamente repelido, de forma ainda mais contundente.”
Para o advogado, a aprovação da nova meta fiscal – o governo conseguiu no Congresso permissão para fechar o ano em deficit – ajuda na defesa.
"Põe por terra qualquer alegação, que já não tinha razão de ser inicialmente. Não se sabe o resultado final da execução orçamentária deste ano. Não se pode antecipar isso e fazer uma série de ilações sobre algo que ainda não foi definido."
Caetano diz ainda que a deflagração do processo pelo presidente da Câmara ocorreu com "desvio", motivado por chantagens.
"Cunha não poderia fazê-lo como o fez, deixando de lado o direito para agir com o fígado e com chantagem a céu aberto. Isso configura desvio de finalidade, por motivações pessoais e finalidades políticas. O direito não aceita isto. O direito repulsa essa conduta", afirma.
Segundo o advogado, o peemedebista produziu evidências contra ele mesmo. "São seis meses de matérias jornalísticas, entrevistas, declarações, afirmações em suas redes sociais nas quais Cunha deixou claro que suas convicções pessoais pautariam seu comportamento em relação ao pedido de impeachment. Ele só abriu agora (o processo) por ter se sentido constrangido."
Estratégia
O advogado diz que a defesa de Dilma não enxerga crime de responsabilidade em nenhuma das acusações. "Temos três blocos de acusações. O primeiro nem deveria ser considerado, porque a lei não aceita. São acusações relativas ao mandato anterior e à época em que a presidente chefiava o Conselho da Petrobras, e nem no Planalto estava, logo não faz sentido", afirma.
"O segundo diz respeito às pedaladas fiscais de 2015. Estamos falando de um ano orçamentário em curso. Só pode haver denúncia de irregularidade contra atos orçamentários quando o ano acabar. E com a nova meta fiscal aprovada, nem temos como saber se haverá ou não pedalada ao término do ano, o argumento perdeu totalmente o sentido", defende.
O terceiro bloco de acusações, focado em seis decretos presidenciais para ampliação de gastos que, segundo o pedido, configurariam crime de responsabilidade fiscal, também é rebatido pelo advogado. "Nada citado a respeito disso configura crime de responsabilidade da presidente. São argumentos que versam sobre um ano fiscal que ainda não terminou. Não há consistência jurídica", diz.
Questionado sobre a decisão do Tribunal de Contas da União, que condenou as "pedaladas fiscais" e recomendou a rejeição das contas presidenciais de 2014, Caetano disse não passar de "opiniões". "O TCU não julga, apenas dá parecer. É meramente opinativo, sem caráter vinculante. Você não pode basear a decisão de tirar um presidente eleito do poder por conta da opinião de um ministro", diz.
Ações no STF
O advogado se diz otimista sobre o sucesso das ações impetradas nesta quinta no STF. "O Supremo já decidiu contra a arbitrariedade e ilegalidade das decisões de Cunha em três decisões em outubro”, diz, em referência ao rito do impeachment estabelecido pelo presidente da Câmara, e suspenso pela corte, que ainda analisará o caso.
Segundo Caetano, uma das duas ações apresentadas ao STF, impetrada pelo deputado federal Rubens Pereira Júnior (PC do B-MA), sustenta que houve desrespeito ao direito de defesa de Dilma. Para isso, cita trechos da Constituição e do Código de Processo Penal determinando que o servidor público deve ter o direito de defesa respeitado antes que uma denúncia contra ele seja aceita. Essa ação deverá ser apreciada pelo decano da corte, Celso de Mello.
Já a segunda ação é o que se chama de ADPS (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), com foco em problemas nos ritos de impeachment previstos pela lei 1.079, da década de 1950, impetrada pelo PC do B. "Há várias lacunas na lei, que é anterior à Constituição. Há dúvidas sobre o direito a recurso, sobre quem compõe a comissão especial, prazos de defesa. E a questão é que essas lacunas não podem ser preenchidas pelo regimento interno da Câmara, então o STF vai precisar se pronunciar sobre isso", afirma o advogado.
Para o advogado, o STF deve barrar os esforços de impeachment já nesta fase inicial. "A expectativa é de que o Supremo se posicione diante destas arbitrariedades", diz.