'Necessário ou sinistro? Imprensa internacional começa a escrever sua história do impeachment

1 set 2016 - 09h22
(atualizado às 10h03)
Apoiadora do PT diante do Palácio do Alvorada antes de declaração de Dilma Rousseff sobre impeachment; imprensa internacional reconhece legalidade de processo, mas questiona aspectos da legitimidade de novo governo
Apoiadora do PT diante do Palácio do Alvorada antes de declaração de Dilma Rousseff sobre impeachment; imprensa internacional reconhece legalidade de processo, mas questiona aspectos da legitimidade de novo governo
Foto: Getty Images

Horas após ser consumado, o impeachment de Dilma Rousseff começa a ter sua história escrita também pela imprensa internacional.

Em editorial, artigo que apresenta a opinião do grupo responsável pela publicação, o jornal americano The Washington Post classificou o desfecho do processo como "difícil, mas necessário".

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A publicação de 140 anos, comprada em 2013 pelo CEO da Amazon, Jeff Bezos, considera que o impeachment foi "legal, politicamente legítimo e abre caminho para reformas que o Brasil precisa desesperadamente".

Outras publicações trouxeram opiniões que questionam a legitimidade do processo - ou seja, se foi justo, democrático.

"Todos os impeachments são politicos. Mas o do Brasil foi mais sinistro?", questiona Amanda Taub em artigo no The New York Times.

Manfestantes pró-impeachment festejam em São Paulo após votação no Senado; para britânico Guardian, pesquisas e protestos de rua mostram que 'eleitores estão cheios de quase todos os políticos'.
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Para a colunista, a mudança no Brasil não é golpe no sentido estrito da palavra, ou seja: uma tomada ilegal de poder, mas seria uma "exploração da vontade popular e da letra da lei" para servir interesses políticos, e não democráticos.

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A ex-advogada de direitos humanos, que escreve sobre ideias e contextos de grandes eventos mundiais, vê a crise política "enraizada em problemas que afetam todo o sistema político brasileiro, não apenas a esquerda ou a direita".

Taub lembra que o escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava Jato envolve integrantes do novo governo e cita a frase do senador Romero Jucá (PMDB) - em diálogo gravado em março pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado - sobre "estancar a sangria" representada pela operação.

Por outro lado, ela critica como "caricatura" a visão de "devotos do PT" que concebem o impeachment em termos de luta de classes, de elite contra povo. Para sustentar a sua opinião, cita uma pesquisa do Datafolha de agosto de 2015 que indicou 66% de apoio à abertura do impeachment e apenas 11% de aprovação a Dilma.

No editorial, em que defende a legalidade e a necessidade do impeachment, o Washington Post classificou como "falsas" e "irônicas" as alegações de Dilma sobre o impeachment supostamente ter sido um "golpe".

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"Esses protestos tem uma ironia própria, à luz de sua defesa dura da destruição da democracia venezuelana por Hugo Chávez e de seus negócios de pai para filho com o regime dos Castro em Cuba", diz o jornal.

Votação esmagadora

"Brasil derruba Rousseff depois de votação esmagadora no Senado", titulou o jornal britânico The Guardian.

Em texto assinado do Rio de Janeiro e de Brasília, a publicação analisa a queda de popularidade de Dilma como a soma de "declínio econômico agudo, governo paralisado e um escândalo de corrupção que envolveu quase todos os grandes partidos".

A publicação diz ainda que o processo pode reforçar para alguns a "impressão de que a classe política do país ainda se sente desconfortável com a democracia".

Em uma escala de gravidade de 1 a 10, o jornal afirma que a crise do Brasil bate hoje em 11. Também lembra a gravação em que Romero Jucá aparece, segundo o diário, em uma "trama para remover a presidente e suspender a investigação da Lava Jato" - algo que o senador nega - e a intervenção do senador e ex-jogador Romário na maratona de discursos que precedeu a votação.

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Washington Post: jornal do CEO da Amazon foi um dos primeiros a defender o resultado do processo de impeachment como bom para o Brasil
Foto: Reprodução

O diário econômico Financial Times menciona o papel de "políticas intervencionistas" de Dilma na crise econômica e o "desafio" de Temer nessa área, reforçado pela divulgação da contração de 0,6% do PIB no segundo trimestre de 2016.

"Embora não haja um problema de legalidade (no impeachment), há claramente uma questão de legitimidade", afirmou ao diário o analista Paulo Sotero, do Wilson Center (EUA). "Ele (Temer) tem apenas um tiro para resolver isso, que é reverter a recessão e começar a mostrar que pode tirar o Brasil desse buraco para crescer de novo."

O britânico The Daily Telegraph destaca a decisão da defesa de Dilma de questionar a votação no Supremo Tribunal Federal e a promessa da ex-presidente de fazer uma oposição "firme, incansável e energética".

Impacto regional

Colunista do jornal argentino La Nación, Carlos Pagni lembrou as consequências econômicas e políticas do impeachment para o país vizinho.

Para ele, o rumo do PIB brasileiro será uma variável importante para o governo de Maurício Macri, que tenta reerguer a própria economia, e ainda haverá repercussões políticas, já que a ex-presidente Cristina Kirchner também abraçou o discurso do "golpe" para rebater suspeitas de enriquecimento ilícito.

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O colunista lembra como Macri apoiou Temer "desde a primeira hora", sobretudo pela vinculação do novo presidente brasileiro aos tucanos Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso.

O artigo no La Nación considera que Dilma foi retirada do poder mediante um "procedimento legal inquestionável", mas também diz que Temer precisa "fortalecer a legitimidade" de sua gestão, e que buscará isso de forma "hiperativa" no campo diplomático, citando a presença do peemedebista na cúpula do G20 na China já nesta semana.

Dilma em discurso de despedida: jornais destacaram o tom duro de oposição e a tentativa de reverter decisão na Justiça
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O jornal chileno La Tercera, em texto do repórter Alejandro Tapia, narrou a queda de Dilma como a de uma tecnocrata "desconfiada", "soberba" e "fria".

"Segundo analistas políticos, brasileiros, Rousseff cavou sua própria cova em dois sentidos: a sua aposta econômica também se revelou um fracasso", escreveu.

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PT 'no inferno'

Para o jornal francês Le Monde, o afastamento permanente da petista representa "a descida ao inferno do Partido dos Trabalhadores".

"O impeachment decidido por mais de dois terços dos senadores marca o fim de um ciclo, aberto em 2003 com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, o outrora menino pobre do Nordeste transformado em porta-voz dos esquecidos, dos pobres e dos sem-voz", diz o diário, em texto assinado pela correspondente.

O Le Monde também assinala que o processo que culminou na saída definitiva da petista foi uma "tragédia sem suspense".

"A dramatização de sua queda, a denúncia de um 'golpe de Estado' ameaçando a jovem democracia brasileira, o seu passado de guerrilheira, o seu sofrimento e a sua resistência à tortura sob a ditadura militar (1964-1985) não garantiram a leniência de seus juízes (senadores)."

Em outro artigo, assinado pela mesma correspondente, o jornal ainda pergunta se Michel Temer, que substitui Dilma na Presidência, será "o Maquiavel ou o salvador" do Brasil.

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"Tão impopular quanto a sua antecessora, este habitué dos bastidores da política se vê à frente de um país endividado, mergulhado em recessão, desemprego e inflação. Se ele é estimado nos círculos financeiros, não lhe será concedido nenhum estado de graça", diz o diário.

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