O delegado da Polícia Federal Rodrigo Teixeira, ex-superintendente da corporação em Minas Gerais, avalia que foi exonerado do cargo, em fevereiro do ano passado, por contrariar o desejo do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos na condução da investigação sobre a tentativa de assassinato do então candidato presidencial na eleição de 2018. Ele acredita que o clã Bolsonaro demonstrava interesse de que a apuração chegasse à conclusão de que o autor da facada, Adélio Bispo de Oliveira, tinha sido financiado por partidos políticos ou uma organização criminosa.
O presidente voltou a cobrar um novo rumo nas investigações após demitir Maurício Valeixo da direção-geral da PF e nomear Alexandre Ramagem para o cargo - nomeação cancelada por Bolsonaro nesta quarta-feira, 29, após a decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Bolsonaro foi alvo de um atentado a faca no início de setembro daquele ano durante uma agenda de campanha na cidade mineira de Juiz de Fora. Ele era carregado nos ombros por apoiadores quando Adelio se aproximou e o feriu com uma faca na barriga. O agressor foi preso em flagrante. No mesmo dia, a PF abriu inquérito para investigar o caso, sob responsabilidade do delegado Rodrigo Morais.
Ainda no fim de setembro de 2018, a investigação concluiu que o autor da facada agiu sozinho. A curta duração do procedimento inicial se deve ao fato de se tratar de uma apuração com prisão em flagrante. Um segundo inquérito foi instaurado para apurar eventual participação de terceiros no atentado, seja como mandante, instigador, financiador, ou outra pessoa que possa ter contribuído de alguma forma para a prática do crime. A 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora já considerou Adélio inimputável por sofrer de distúrbios mentais. Ele foi diagnosticado com transtorno delirante persistente e cumpre internação no Hospital Psiquiátrico de Custódia Jorge Vaz, em Barbacena (MG).
Na noite de anteontem, durante entrevista na entrada do Palácio do Alvorada, o presidente reiterou a crença de que há um mandante por trás da tentativa de homicídio da qual foi vítima. Disse que o caso "foi negligenciado" e a apuração seria "reaberta" com o novo comando da PF. "Não tenho provas, tenho sentimento. O que for possível a Polícia Federal fazer, dentro da legalidade, para apurar quem pagou o Adélio para me matar, vai fazer", afirmou Bolsonaro.
O Estado apurou que nos próximos dias - após encerrado o prazo de conclusão do segundo inquérito aberto para apurar o atentado - um relatório parcial deverá ser divulgado. Nele serão apresentados os resultados de todas as diligências que foram feitas (interrogatórios, oitivas de testemunhas, exames periciais, levantamentos de campo, quebras de sigilo fiscal e telefônico, quebras de sigilo bancário, quebra de sigilo de e-mails e dados de redes sociais, entre outras medidas), além da análise das postagens em redes sociais com teses sobre a participação de eventuais mandantes e apoiadores. Até o momento, a PF "desconstruiu minuciosamente" as teses levantadas "com provas técnicas", diz uma fonte. As conclusões reforçam o caráter solitário do atentado, não indicando participação de outras pessoas, grupo criminoso ou partido político.
Em conversa com o Estado, o ex-superintendente e atual diretor da Associação de Delegados da Polícia Federal de Minas disse acreditar que sua demissão começou a ser formulada depois que saiu a público para defender sua equipe e destacar que o inquérito foi conduzido de forma isenta. "Desde o primeiro dia que foi instaurado o inquérito foi dado a oportunidade para familiares da vítima (Jair Bolsonaro) para que pudesse acompanhar o procedimento da investigação. Os filhos do Bolsonaro nunca me procuraram e preferiam ficar atacando eu e minha equipe em rede social." Por serem parte na investigação, Bolsonaro e a família têm acesso ao inquérito.
Após Sérgio Moro se demitir do cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente no comando da Polícia Federal para obter acesso a informações sigilosas e relatórios de inteligência, o presidente fez um pronunciamento em que disse que a corporação se ocupou mais em tentar solucionar o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) do que em investigar a facada da qual ele foi vítima. "A Polícia Federal de Sérgio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo. Cobrei muito dele isso aí. Não interferi", disse o presidente. "Será que é interferir na Polícia Federal quase que exigir e implorar a Sérgio Moro que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro?"
Teixeira procura evitar polêmica, mas cobra "respeito de qualquer cidadão" ao trabalho da PF. "Eu não vou tecer comentários acerca de palavras, do que teria dito um ou outro, que isso aí fica no campo da política. O que eu posso dizer da Polícia Federal (...) é que foi feito um trabalho com toda dedicação, toda imparcialidade, cumprindo todas as formalidades legais. A instituição Polícia Federal merece, no mínimo, respeito de qualquer cidadão, desde o cargo mais humilde da República", afirmou Teixeira.
Procurado, o Palácio do Planalto disse, por meio da Secretaria de Comunicação (Secom), que não iria se manifestar. O Estado tentou contato, por telefone e e-mail, com os gabinetes do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. / COLABOROU BRUNO NOMURA