A eleição de um juiz como Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia ou Ricardo Lewandowski para a Presidência da República poderia arrefecer a polarização política no Brasil.
Quem afirma é o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do think tank Inter-American Dialogue, nos Estados Unidos. Para Hakim, um chefe de Estado vindo do Judiciário seria capaz de compor um gabinete misto, com representantes de diferentes espectros políticos, agradando consequentemente diferentes lados da sociedade.
"Aqui nos Estados Unidos, todo mundo diz que o único ponto positivo do Estado brasileiro neste momento é o Judiciário", disse Hakim à BBC Brasil. "Alguém do Judiciário (na Presidência da República) ajudaria a restaurar a confiança dos brasileiros. Especialmente alguém com neutralidade."
Após a divulgação da delação premiada da JBS, que implicou diretamente o presidente Michel Temer em alegações de suposta obstrução da Justiça, prevaricação e compartilhamento de informações privilegiadas, o especialista defende a realização de novas eleições.
"Vai ser difícil para o Brasil ter alguma relevância internacional até que tenha um novo governo eleito", diz.
Defensor da legalidade jurídica do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o pesquisador americano ressalta que a delação da JBS traz de volta a discussão sobre a "falta de credibiliade" dos políticos que conduziram o processo.
"A questão da legitimidade do impeachment da Dilma, mesmo para muitos que, como nós, acreditam que foi completamente legal, volta à tona", afirma.
"Temer, como a pessoa que assume, e Cunha, como o político mais influente no processo, se mostraram pessoas corrompidas. Então, isso mostra que o processo, embora legal, não foi conduzido por pessoas dedicadas a respeitar a lei."
JBS
Hakim já trabalhou na Fundação Ford e como conselheiro do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ele também comentou sobre os impactos da delação da JBS nos planos da companhia de abrir seu capital nos Estados Unidos.
Para alguns analistas brasileiros, a delação premiada e as revelações detalhadas sobre relações escusas com os políticos mais importantes do país seriam uma forma de "limpar a barra" da empresa com o Departamento de Justiça americano e com investidores estrangeiros.
"Ao 'rifar' o governo Temer e, no caminho, lançar o país ao abismo das incertezas política, financeira e econômica, Joesley Batista quer assegurar o passaporte de seu grupo para fora do Brasil", afirmou em análise publicada na quinta-feira no jornal Valor Econômico.
Para Hakim, entretanto, mesmo que a delação tenha sido uma estratégia, seus efeitos não serão exatamente positivos. "Investidores não gostam de um ambiente de incerteza ampla, e o clima no Brasil não poderia ser mais incerto, graças à delação", afirma.
"Não acho que a estratégia faria sentido para quem está prestando atenção no que está acontecendo. E o Departamento de Justiça dos EUA vai acompanhar isso bem de perto. No curto prazo, haverá preocupação dos investidores. Eles ficarão menos entusiasmados para investir em uma companhia brasileira envolvida em uma crise de governança desta proporção", avalia.
A JBS anunciou em dezembro que fará uma abertura de capital bilionária na bolsa americana neste ano. O chamado IPO (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) inicialmente aconteceria neste semestre, mas foi adiado, segundo veículos da imprensa brasileira e estrangeira, para o segundo semestre - a JBS nega o adiamento e diz que não havia data definida.
"A JBS foi inteligente em postergar. Você viu o que aconteceu com os mercados brasileiros quando as revelações sobre as gravações apareceram, né?"
Reformas e futuro
Para o brasilianista, as chances de aprovação das reformas propostas por Temer, especialmente a da Previdência, diminuiram após a delação da JBS. "Perdeu-se o momentum", avalia o americano, que defende a política econômica de Henrique Meirelles. "As reformas do governo ficaram mais dificeis agora."
Ao afirmar que um juiz na Presidência poderia ajudar a restaurar a confiança do país, Hakim arrisca palpites.
"Grandes figuras políticas, como Lula ou Fernando Henrique Cardoso, carregavam um senso de legitimidade que hoje não existe mais no Brasil. Hoje, é dificil identificar três ou quatro pessoas que tenham reputação positiva entre a população", afirma.
Sobre eventuais nomes do Judiciário, ele sugere ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal.
"(Joaquim) Barbosa tem uma reputação ilibada como ex-presidente da Suprema Corte. Alguém como ele poderia trazer de volta o respeito. Ou (Ricardo) Lewandowski, responsável por supervisionar o processo de impeachment, que pareceu bastante bem conduzido do ponto de vista legal. A atual presidente, Cármen Lúcia, talvez também fosse um bom nome", diz.
Ele cita Sérgio Moro, mas se corrige.
"Há Sérgio Moro. Mas tenho algumas dúvidas sobre Sérgio Moro, porque ele é visto como um juiz agressivo, particularmente agressivo em relação a Lula. É preciso alguém que seja percebido pela população como neutro."