"É visível que é uma armação do Moro", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao comentar, na tarde desta quinta-feira (23), a operação da Polícia Federal que desarticulou planos da principal facção criminosa do país de promover atentados contra o senador Sergio Moro (União-PR) e outras autoridades.
A acusação de Lula, que ele próprio admitiu logo em seguida ter feito sem provas, omite que a investigação está em curso desde janeiro e envolve diversas instituições federais e estaduais. O petista se refere à Operação Sequaz, realizada na quarta-feira (22), que resultou na prisão de membros do PCC.
As informações que vieram a público sobre o caso, até agora, dão a dimensão de quantas instituições e pessoas teriam que estar envolvidas na "armação" que Lula imputa — sem provas — a Moro:
- O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), do Ministério Público de São Paulo, investiga o PCC desde os anos 2000;
- Em janeiro, o grupo foi informado de que a facção criminosa planejava atacar autoridades, incluindo Moro. O MP-SP, então, comunicou autoridades como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o próprio Moro sobre o plano. O ex-juiz passou a andar com uma escolta da Polícia Legislativa;
- No dia 3 de fevereiro, o Gaeco enviou à PF a transcrição do depoimento de um ex-membro do PCC que revela os planos de atentados. Com base no documento, a polícia pediu a quebra de sigilos dos membros da facção, que foi aprovada pelo Judiciário, e instaurou um processo para apurar a ameaça;
- Com o resultado das investigações, no dia 13 de março (leia a íntegra do documento), a PF fez pedidos de buscas e apreensão e prisões preventivas à 9ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso;
- O pedido foi autorizado no dia 21 de março (leia a íntegra do documento) pela magistrada Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba — a mesma que Moro ocupou durante a Lava Jato — que, desde terça (21), está substituindo a juíza titular da 9ª Vara, que entrou de férias;
- Na quarta-feira (22), cerca de 120 policiais cumpriram 24 mandados de busca e apreensão, sete mandados de prisão preventiva e quatro mandados de prisão temporária em Mato Grosso do Sul, Rondônia, São Paulo, Paraná e no Distrito Federal. Até o momento, 11 pessoas foram presas.
Logo depois de afirmar que a operação seria uma "armação do Moro", Lula disse: "Mas eu vou pesquisar e vou saber [o] porquê da sentença. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar".
Esse trecho da fala do presidente contém a informação falsa de que "a juíza não estava nem em atividade". A operação foi autorizada pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba durante a Operação Lava Jato.
- No momento, Hardt está no lugar da juíza Sandra Regina Soares, titular da 9ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso, e que está de férias desde a última terça (21);
- Hardt foi designada para substituir Soares no dia 17 de janeiro — antes, portanto, de a operação ser iniciada na 9ª Vara;
- Mas a magistrada assumiu os processos relativos à investigação apenas no dia 21 de março, quando Soares saiu de férias — após, portanto, os pedidos de prisão e busca e apreensão feitos pela PF (em 13 de março) e posteriormente autorizados por ela;
- São essas decisões, dadas pela juíza Gabriela Hardt, que Lula coloca sob suspeita, sem apresentar provas, de fazerem parte da "armação do Moro";
- Segundo a Justiça Federal do Paraná, os juízes titulares são substituídos por critérios de especialidade comum, proximidade geográfica e em sistema de revezamento.
Questionada pelo Aos Fatos, a Secom da Presidência da República afirmou que "o presidente expressou algo que deixou claro ser uma opinião, que ele ia pesquisar mais o assunto e que não ia acusar alguém sem provas".
A declaração do presidente da República também vai de encontro a uma fala do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB). Durante almoço no Instituto de Advogados de São Paulo, na quarta (22), ele disse que a hipótese de que a PF teria agido para beneficiar Moro politicamente não se sustentaria. De acordo com Dino, as investigações começaram há 45 dias e tinham o promotor Gakiya como alvo original.
Contatados para comentar a fala do presidente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a PF não responderam até a publicação desta reportagem.
Contradição. A fala de Lula ainda contradiz o posicionamento divulgado em seus canais oficiais e defendido por petistas nas redes. A página no Instagram Lulaverso e o Canal de Lula no Telegram, ambas comandadas pela equipe do petista, publicaram, na última quarta-feira (22), uma imagem com o texto: "PF de Lula salva a vida de Moro".
'PF de Lula.' Canais oficiais do presidente compartilharam imagens que diziam que a PF, subordinada a Lula, teria salvo a vida de Sergio Moro
O argumento contraditório — se a PF tivesse agido sob comando do governo atual para desmantelar a operação, logo, não seria possível que a ação fosse uma armação promovida por Moro — também foi defendido por petistas nas redes, como o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), a deputada Erika Kokay (PT-CE) e o ex-senador Paulo Rocha (PT-PA).
Outras autoridades. De acordo com a investigação, o PCC planejava atacar não só Sergio Moro e familiares dele, mas também o promotor Lincoln Gakiya, do MP-SP, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o ex-secretário de Administração Penitenciária de São Paulo Lourival Gomes, o deputado federal Coronel Telhada (PP-SP) e o diretor de presídios Roberto Melina. A Polícia Federal investiga se os ataques seriam uma resposta à tentativa frustrada do grupo de resgatar o principal líder da facção, Marcola.
Lotado em Presidente Prudente (SP), o promotor Lincoln Gakiya investiga o PCC desde 2005 e é alvo recorrente de ameaças de morte. "Não é surpresa para mim. Convivo com isso há mais de quatro anos. Desde que fiz a remoção [de Marcola para um presídio federal], minha vida virou de cabeça para baixo. Quase mensalmente tem um plano para me matar", ele afirmou ao G1.
Em maio de 2006, dois meses após Alckmin deixar o governo de São Paulo para concorrer à Presidência da República, Marcola foi transferido para um presídio de segurança máxima no interior do estado, sob regime disciplinar diferenciado. Em resposta, a facção promoveu atentados que resultaram na interrupção de serviços públicos e em um saldo de 493 mortos em nove dias, de acordo com o Instituto Médico Legal, incluindo chacinas em diversos municípios e vítimas com indícios de execuções promovidas por agentes policiais.
"A fama do rigor no RDD [regime disciplinar diferenciado] começou a se espalhar pelo sistema: não havia visita íntima, nem televisão, rádio, jornais ou revistas. O banho de sol era de uma hora por dia. A saída das celas para o pátio era acompanhada por quatro agentes penitenciários, proibidos de dirigir a palavra aos presos", escreve Nagashi Furukawa, ex-secretário de Administração Pública que ocupava o cargo em maio de 2006, em um artigo sobre aquela crise.
Em agosto de 2006, dois funcionários da Globo foram sequestrados pelo PCC. Após consultar a polícia e organizações internacionais de direitos humanos, a emissora decidiu cumprir a exigência de exibir na programação um vídeo caseiro, recebido em um DVD, em que um homem encapuzado faz críticas ao regime disciplinar diferenciado. O repórter Guilherme Portanova foi libertado após passar 41 horas em cativeiro.