Juíza que Lula acusou de integrar 'armação do Moro' só assumiu operação após PF pedir prisões

Operação desarticulou planos da principal facção criminosa do país de promover atentados contra o senador

23 mar 2023 - 19h21
(atualizado às 20h06)

"É visível que é uma armação do Moro", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao comentar, na tarde desta quinta-feira (23), a operação da Polícia Federal que desarticulou planos da principal facção criminosa do país de promover atentados contra o senador Sergio Moro (União-PR) e outras autoridades. 

A acusação de Lula, que ele próprio admitiu logo em seguida ter feito sem provas, omite que a investigação está em curso desde janeiro e envolve diversas instituições federais e estaduais. O petista se refere à Operação Sequaz, realizada na quarta-feira (22), que resultou na prisão de membros do PCC. 

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As informações que vieram a público sobre o caso, até agora, dão a dimensão de quantas instituições e pessoas teriam que estar envolvidas na "armação" que Lula imputa — sem provas — a Moro:

  • O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), do Ministério Público de São Paulo, investiga o PCC desde os anos 2000;
  • Em janeiro, o grupo foi informado de que a facção criminosa planejava atacar autoridades, incluindo Moro. O MP-SP, então, comunicou autoridades como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o próprio Moro sobre o plano. O ex-juiz passou a andar com uma escolta da Polícia Legislativa;
  • No dia 3 de fevereiro, o Gaeco enviou à PF a transcrição do depoimento de um ex-membro do PCC que revela os planos de atentados. Com base no documento, a polícia pediu a quebra de sigilos dos membros da facção, que foi aprovada pelo Judiciário, e instaurou um processo para apurar a ameaça;
  • Com o resultado das investigações, no dia 13 de março (leia a íntegra do documento), a PF fez pedidos de buscas e apreensão e prisões preventivas à 9ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso;
  • O pedido foi autorizado no dia 21 de março (leia a íntegra do documento) pela magistrada Gabriela Hardt, juíza substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba — a mesma que Moro ocupou durante a Lava Jato — que, desde terça (21), está substituindo a juíza titular da 9ª Vara, que entrou de férias;
  • Na quarta-feira (22), cerca de 120 policiais cumpriram 24 mandados de busca e apreensão, sete mandados de prisão preventiva e quatro mandados de prisão temporária em Mato Grosso do Sul, Rondônia, São Paulo, Paraná e no Distrito Federal. Até o momento, 11 pessoas foram presas.

Logo depois de afirmar que a operação seria uma "armação do Moro", Lula disse: "Mas eu vou pesquisar e vou saber [o] porquê da sentença. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar".

Esse trecho da fala do presidente contém a informação falsa de que "a juíza não estava nem em atividade". A operação foi autorizada pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba durante a Operação Lava Jato.

  • No momento, Hardt está no lugar da juíza Sandra Regina Soares, titular da 9ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso, e que está de férias desde a última terça (21);
  • Hardt foi designada para substituir Soares no dia 17 de janeiro — antes, portanto, de a operação ser iniciada na 9ª Vara;
  • Mas a magistrada assumiu os processos relativos à investigação apenas no dia 21 de março, quando Soares saiu de férias — após, portanto, os pedidos de prisão e busca e apreensão feitos pela PF (em 13 de março) e posteriormente autorizados por ela;
  • São essas decisões, dadas pela juíza Gabriela Hardt, que Lula coloca sob suspeita, sem apresentar provas, de fazerem parte da "armação do Moro";
  • Segundo a Justiça Federal do Paraná, os juízes titulares são substituídos por critérios de especialidade comum, proximidade geográfica e em sistema de revezamento.

Questionada pelo Aos Fatos, a Secom da Presidência da República afirmou que "o presidente expressou algo que deixou claro ser uma opinião, que ele ia pesquisar mais o assunto e que não ia acusar alguém sem provas".

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A declaração do presidente da República também vai de encontro a uma fala do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB). Durante almoço no Instituto de Advogados de São Paulo, na quarta (22), ele disse que a hipótese de que a PF teria agido para beneficiar Moro politicamente não se sustentaria. De acordo com Dino, as investigações começaram há 45 dias e tinham o promotor Gakiya como alvo original.

Contatados para comentar a fala do presidente, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a PF não responderam até a publicação desta reportagem.

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Contradição. A fala de Lula ainda contradiz o posicionamento divulgado em seus canais oficiais e defendido por petistas nas redes. A página no Instagram Lulaverso e o Canal de Lula no Telegram, ambas comandadas pela equipe do petista, publicaram, na última quarta-feira (22), uma imagem com o texto: "PF de Lula salva a vida de Moro".

Print de postagem do Canal do Lula que diz que 'PF de Lula salva vida de Moro'
Print de postagem do Canal do Lula que diz que 'PF de Lula salva vida de Moro'
Foto: Aos Fatos

'PF de Lula.' Canais oficiais do presidente compartilharam imagens que diziam que a PF, subordinada a Lula, teria salvo a vida de Sergio Moro

O argumento contraditório — se a PF tivesse agido sob comando do governo atual para desmantelar a operação, logo, não seria possível que a ação fosse uma armação promovida por Moro — também foi defendido por petistas nas redes, como o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), a deputada Erika Kokay (PT-CE) e o ex-senador Paulo Rocha (PT-PA).

Outras autoridades. De acordo com a investigação, o PCC planejava atacar não só Sergio Moro e familiares dele, mas também o promotor Lincoln Gakiya, do MP-SP, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o ex-secretário de Administração Penitenciária de São Paulo Lourival Gomes, o deputado federal Coronel Telhada (PP-SP) e o diretor de presídios Roberto Melina. A Polícia Federal investiga se os ataques seriam uma resposta à tentativa frustrada do grupo de resgatar o principal líder da facção, Marcola.

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Lotado em Presidente Prudente (SP), o promotor Lincoln Gakiya investiga o PCC desde 2005 e é alvo recorrente de ameaças de morte. "Não é surpresa para mim. Convivo com isso há mais de quatro anos. Desde que fiz a remoção [de Marcola para um presídio federal], minha vida virou de cabeça para baixo. Quase mensalmente tem um plano para me matar", ele afirmou ao G1.

Em maio de 2006, dois meses após Alckmin deixar o governo de São Paulo para concorrer à Presidência da República, Marcola foi transferido para um presídio de segurança máxima no interior do estado, sob regime disciplinar diferenciado. Em resposta, a facção promoveu atentados que resultaram na interrupção de serviços públicos e em um saldo de 493 mortos em nove dias, de acordo com o Instituto Médico Legal, incluindo chacinas em diversos municípios e vítimas com indícios de execuções promovidas por agentes policiais.

"A fama do rigor no RDD [regime disciplinar diferenciado] começou a se espalhar pelo sistema: não havia visita íntima, nem televisão, rádio, jornais ou revistas. O banho de sol era de uma hora por dia. A saída das celas para o pátio era acompanhada por quatro agentes penitenciários, proibidos de dirigir a palavra aos presos", escreve Nagashi Furukawa, ex-secretário de Administração Pública que ocupava o cargo em maio de 2006, em um artigo sobre aquela crise.

Em agosto de 2006, dois funcionários da Globo foram sequestrados pelo PCC. Após consultar a polícia e organizações internacionais de direitos humanos, a emissora decidiu cumprir a exigência de exibir na programação um vídeo caseiro, recebido em um DVD, em que um homem encapuzado faz críticas ao regime disciplinar diferenciado. O repórter Guilherme Portanova foi libertado após passar 41 horas em cativeiro.

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