A juíza Maria Tereza Donatti, do 4° Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro, trancou inquérito policial aberto pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática contra os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos, da Rede Globo. Os âncoras do Jornal Nacional (JN) foram alvo de notícia-crime protocolada pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que alegou descumprimento à decisão judicial que proibiu a emissora de exibir documentos relacionados ao caso das "rachadinhas".
A censura foi decretada em setembro pela juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, que alegou risco de dano à "imagem" de Flávio Bolsonaro caso as peças fossem veiculadas pela TV Globo. A decisão foi mantida pelo desembargador Fábio Dutra, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio. Em outubro, o ministro Ricardo Lewandowski mandou o tribunal fluminense julgar o caso envolvendo a emissora.
A notícia-crime de Flávio Bolsonaro levou à abertura de um inquérito policial contra Bonner e Renata em dezembro - ambos foram intimados a prestar depoimentos. A investigação foi conduzida pelo delegado Pablo Dacosta Sartori, que também se colocou como testemunha no caso.
Ao trancar o inquérito, a juíza Maria Tereza Donatti criticou a decisão do delegado, afirmando que ele não tinha competência para investigar os apresentadores, visto que nenhum deles cometeu crime de informática.
"Conforme o dito popular, 'pau que nasce torno, morre torto'. Logo no início, nada justificava a instauração do procedimento na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Informática", frisou. "Ainda que tivesse ocorrido a desobediência, o veículo teria sido a televisão (a matéria jornalística foi exibida no Jornal Nacional), portanto a Delegacia Especializada não tinha atribuição para agir. Também é de se estranhar que a própria autoridade policial tenha figurado como 'testemunha do fato', como constou do registro da ocorrência".
A magistrada pontuou que trancar o inquérito é medida que se impõe para restaurar a normalidade e resguardar o livre exercício da imprensa. "Os pacientes (Bonner e Renata) noticiaram a propositura de ação penal em face do senador da República Flávio Nantes Bolsonaro, por crimes cometidos no exercício de seu mandato como Deputado Estadual, sendo evidente o interesse público na hipótese", afirmou Maria Donatti. "Como bem disse o MP, na sua promoção, 'parlamentares estão obrigados a tolerar a exposição do que se passa nos gabinetes das casas legislativas'".
Peculato
Flávio Bolsonaro foi denunciado pela Promotoria do Rio pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema das "rachadinhas", no qual assessores do gabinete do parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio devolviam parte ou a quase totalidade dos salários ao ex-assessor Fabrício Queiroz, que então usava o dinheiro para quitar despesas do senador, como o pagamento da escola das filhas e o financiamento de imóveis no Rio.
O filho do presidente é apontado como o líder da organização criminosa. De acordo com o MP, o esquema teria desviado ao menos R$ 6,1 milhões dos cofres públicos da Assembleia fluminense e levou a um "enriquecimento ilícito" de Flávio ao longo dos anos.
A defesa de Flávio Bolsonaro considera a denúncia do Ministério Público "insustentável", com "vícios processuais e erros de narrativa e matemática". "A tese acusatória forjada contra o senador se mostra inviável e não passa de uma crônica macabra e mal engendrada, influenciada por grupos que têm claros interesses políticos e que, agora, tentam voltar ao poder", frisaram os advogados Rodrigo Roca, Luciana Pires e Juliana Biereenbach, que defendem Flávio, em novembro.